Quarta, 18 Abril 2012 03:11

MEMORIAL JURIDICO: Para a ADPF 54

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EXCELENTÍSSIMOS SENHORES MINISTROS:

As entidades UNIÃO DOS JURISTAS CATÓLICOS DE SÃO PAULO e UNIÃO DOS JURISTAS CATÓLICOS DO RIO DE JANEIRO, por seus diretores e advogados abaixo assinados, CÉLIO DE OLIVEIRA BORJA (OAB-RJ   5.929), GUSTAVO MIGUEZ DE MELLO  (OAB-RJ 12.996),   IVES GANDRA DA SILVA MARTINS (OAB-SP 11.178), NELSON NERY JUNIOR (OAB-SP 51.737), PAULO DE BARROS CARVALHO, (OAB-SP 122.874), PAULO SILVEIRA MARTINS LEÃO JUNIOR (OAB-RJ 33.678), vêm à presença de Vossas Excelências, a título de colaboração no debate da ADPF 54 — já que nenhuma instituição em defesa da vida, embora constando de seus estatutos o combate à eliminação de nascituros por quaisquer técnicas ou motivos — foi admitida, como “amicus curiae”, aduzir as seguintes razões:

I -    A ADPF objetiva criar uma terceira hipótese de impunidade ao aborto, ou seja, o aborto eugênico, não constante do Código Penal (art. 128), que só cuida do aborto terapêutico ou aborto sentimental (estupro).

Reza o § 2o do artigo 103 da Constituição Federal que:

“§ 2o - Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida

para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao

Poder competente para a adoção das providências necessárias e,

em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta

dias.”

Como se vê, nem por omissão inconstitucional do Congresso pode a Suprema Corte legislar positivamente, devendo neste caso:

1) comunicar ao Congresso Nacional que sua omissão é inconstitucional;

2) não aplicar nenhuma sanção, se o Congresso não produzir a norma;

3) não definir qualquer prazo para que o faça; 4) não produzir a norma não produzida pelo Parlamento.

Ora, se nem nas omissões inconstitucionais do Parlamento pode a Suprema Corte legislar, com muito maior razão, não poderá legislar em hipótese em que o Congresso não legisla porque:

1)    todas as dezenas de projetos de leis que cuidam do aborto não conseguiram passar pelas Comissões Parlamentares encarregadas, após audiências públicas;

2)    a grande maioria do povo brasileiro é contrária à legalização do homicídio uterino;

3)    não pertence à cultura do povo brasileiro provocar a morte de alguém pelo fato de não haver tratamento curativo para uma determinada doença.

Entendem, pois, as duas entidades, que a Constituição Federal, que fala em independência e harmonia entre os Poderes da República (artigo 2o), não autoriza a Suprema Corte a revestir-se de funções legislativas para produzir normas —em assunto no qual o Congresso Nacional, apesar dos inúmeros projetos de leis, entende, em respeito à maioria dos eleitores, que não deve produzi-las— autorizando o aborto por anencefalia dos nascituros.

Falta, pois, competência normativa à Suprema Corte para a criação de uma terceira hipótese de aborto, “data maxima venia”.

II - Embora o nome “anencefalia” possa iludir aos não familiarizados com o assunto, não procede, em absoluto, a argumentação de que os nascituros com anencefalia não possuam encéfalo e já nasçam com morte encefálica.

Na anencefalia, como os inúmeros laudos e trabalhos médicos atestam, entre eles os elaborados por insuspeitos especialistas estrangeiros em fetos mal formados, o que há é uma insuficiência do fechamento da porção anterior do tubo neural, que implica, evolutivamente, em perda de uma expressiva parte do encéfalo, restando uma outra parte, mais posterior. Por isto, a criança com anencefalia pode respirar espontaneamente e esta função exclui por completo a equivalência com a morte encefálica. Caso todos os governos mundiais fornecessem a todas as mulheres, no período periconcepcional, o baratíssimo ácido fólico, a incidência desta doença cairia significativamente.

O argumento falacioso, —para preservar a tese equivocada da inviabilidade da vida extra-uterina na Anencefalia, pedra angular da ADPF 54— de que a menina Marcela de Jesus Galante Ferreira que viveu por um ano e oito meses não era portadora desta doença, foi claramente invalidado pela análise de exames feita por especialistas estrangeiros, distantes da polêmica que vem se travando no Brasil e professores de conceituadas Universidades Americanas, como o Dr. Alan Shewmon, Dr. Paul A. Byrne e Dr. Thomas Zabiega. Todos estes profissionais ratificaram os laudos feitos no Brasil pelos competentes profissionais que acompanhavam de perto esta criança com Anencefalia.

Fica difícil até mesmo acreditar que na presença de uma criança brasileira - a menor de nome Vitória de Cristo - viva há mais de dois anos, com o diagnóstico de Anencefalia feito por ocasião de seu nascimento pela sua própria pediatra assistente, esteja ainda em nosso país sendo apregoada a tese da inviabilidade da vida extra-uterina na Anencefalia para sustentar a ADPF 54! Este caso, publicamente divulgado em blog próprio, demonstra uma forma de anencefalia mais atenuada, precedida de uma destruição parcial do encéfalo por exposição ao líquido amniótico pela falta da proteção provocada pela ausência da calota craniana, na conhecida seqüência exencefalia – anencefalia, destacada no clássico de Embriologia Clínica de MOORE e PERSAUD e demonstrada experimentalmente por MATSUMOTO e colaboradores em 20021.

No caso de Vitória de Cristo, o seu menor comprometimento encefálico e a cicatrização por fechamento cirúrgico da área cerebrovascular exposta ( sem couro cabeludo) que caracteriza a Anencefalia, juntamente com ausência da calota craniana (acrania), provavelmente estão lhe conferindo uma maior proteção, fazendo o caso ser atualmente denominado genericamente de “encefalopatia neonatal por malformação cerebral”. De grande interesse é a afirmação da própria mãe da menina, feita no site, quanto à dificuldade de uma precisa definição diagnóstica, principalmente em caso de formas mais atenuadas de Anencefalia, com menor comprometimento cerebral. Hipoteticamente este tipo de apresentação de maior sobrevida na Anencefalia poderia se tornar mais freqüente no Brasil , de modo semelhante ao reportado por BOL e colaboradores (2007)2 em relação ao Defeito de Tubo Neural posterior (meningomielocele), por conta da adição obrigatória de ácido fólico às farinhas, tornada obrigatória no país pela ANVISA a partir de 2004. Para esclarecer este ponto é necessário investigar cientificamente o que vai ocorrer nestes próximos anos e esta é uma razão adicional para não acolher a tese da ADPF 54.

Quanto à questão da dificuldade diagnóstica refere a Sra. Joana, mãe de Vitória de Cristo, em seu blog
(http://amadavitoriadecristo.blogspot.com.br/p/sobre-o-seu-diagnostico-ou-ausencia.html) :

“ E, se os médicos levaram tanto tempo para chegar a conclusão de que a Vitória possui um cérebro, e portanto não é totalmente anencéfala, como podem em alguns poucos exames nos primeiros meses de uma gravidez, condenar uma criança à morte com o diagnóstico de anencefalia? Como podem afirmar com tanta certeza que esta criança não sente nada, é inconsciente e vegetativa, se sabe-se tão pouco a respeito desta condição? Ao que me parece, os médicos ainda não conseguem explicar por que algumas crianças anencéfalas morrem logo após nascer e outras vivem por alguns dias, meses, e até mesmo anos. E mesmo assim, muitos deles afirmam categoricamente que o melhor é que a gravidez destas crianças seja interrompida.”

No memorial que a CNBB apresentou nos autos, há depoimentos de pais de crianças com anencefalia que nasceram e viveram por pouco tempo, sobre a importância que esse nascimento representou para a vida deles como, de resto, ocorre com a esmagadora maioria dos pais das crianças com Síndrome de Down, que se transformam no elemento estabilizador de relações conflituosas na família, tanto pelo amor que geram e atraem, quanto pela solidariedade que despertam.

Não sem razão foi criado pela ONU, o dia da Síndrome de Down (21/3), com plena adesão em nosso meio. Realmente, o que pertence à tradição do povo brasileiro é o acolhimento das crianças mais frágeis e não a sua eliminação pela morte, tal como acontece com a Síndrome de Down em algumas culturas estranhas à nossa, que a iniciaram justamente pela Anencefalia, um caso mais extremo. Neste aspecto, tem sido preferido no Brasil acatar a máxima do grande cientista descobridor da Síndrome de Down, professor Jérôme Lejeune, pai da Genética moderna e descobridor da origem genética da Síndrome de Down: “ Se a natureza condena, não cabe à Medicina executar a sentença, mas transformar a pena”.

Em se tratando de um ser humano vivo — um ser humano com morte encefálica não respira, o que não ocorre com o nascituro com Anencefalia — o que se pretende criar é uma nova hipótese de aborto por má formação fetal, o que não distinguiria o Brasil da Alemanha, ao tempo do nacional-socialismo, em que os nascituros que apresentavam má formação eram eliminados. A única diferença é que lá eram eliminados também os nascidos. A história mostrou que a partir de um precedente mais grave, o afrouxamento progressivo dos “critérios” fez com que ao final da guerra, até crianças que urinavam na cama fossem também eliminadas.

O ideal de uma “raça pura” colide com a dignidade da pessoa humana, como colide com o ideal da dignidade humana matar-se o nascituro a pretexto de proporcionar o conforto psicológico da mãe. Não poucas vezes, o trauma que o aborto acarreta para a mãe, que autoriza a morte do próprio filho em seu ventre, persegue-a durante a vida inteira. Aos pais é importante bem esclarecê- los, apoiá-los e ofertar, enquanto não há cura, os melhores cuidados paliativos ao recém nascido. Vê-lo bem cuidado e respeitado em sua dignidade humana durante sua existência, mesmo que breve, traz em si o verdadeiro conforto de que tudo que era possível foi feito. Trata-se, portanto, de percorrer um caminho oposto para enfrentar o sofrimento, evitando o aborto eugênico, estranho à cultura de nosso povo, aviltante do senso de humanidade e que ora pretende-se introduzir na legislação, não através do Congresso Nacional, mas da Suprema Corte, gerando hipótese de impunibilidade não constante do Código Penal (art. 128).

III - Por fim, é de se lembrar que o artigo 2o do Código Civil,

estabelece:

“Art. 2o A personalidade civil da pessoa começa do nascimento

com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do

nascituro” (grifos nossos).

Seria estranho que o Código Civil garantisse todos os direitos ao nascituro desde a concepção, MENOS O DIREITO À VIDA.

Por outro lado, a Constituição Federal declara, no artigo 5o, ser inviolável o direito à vida:

“Art. 5o Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer

natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros

residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade,

à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

...” (grifos nossos).

Diante de disposições tão claras, não procede o argumento daqueles que entendem que apenas aos brasileiros nascidos, e não aos nascituros, a inviolabilidade do direito à vida seria garantida.

Se assim fosse, o artigo 2o do Código Civil seria inconstitucional por estar garantindo ao nascituro, desde a concepção, todos os direitos, sem exceção, menos o direito à vida! E o próprio Código Penal não poderia punir a violência ao direito à vida, representado pelo aborto, pois, em todas as audiências públicas, seja naquela realizada por ocasião da ADI das células-tronco, seja na presente ADPF, foi pacificado por este Colendo Tribunal o entendimento de que a vida começa na concepção, no zigoto, na primeira célula resultante da união entre o espermatozóide e o óvulo.

Não sem razão, a Academia de Ciências do Vaticano —que à época em que foi julgada a ADI das células-tronco possuía 29 Prêmios Nobel entre os seus 80 acadêmicos—, no Congresso realizado em 2003, para definir o momento em que o ser humano se reputa existente, concluiu que ele surge na concepção, isto é, desde a formação da primeira célula. Repita-se: trata-se de uma Academia integrada por 29 ganhadores de Prêmios Nobel — prêmio que, infelizmente, ainda não foi outorgado a nenhum cientista brasileiro ou intelectual de qualquer área em nosso país.

O Prof. JÉRÔME LEJEUNE na Conferência proferida no Auditório Petrônio Portella, do Senado Federal, em 27 de agosto de 1991 e publicado pela gráfica do Senado Federal, sob o título "Genética Humana e Espírito", com apresentação do então Presidente do Senado, Senador Mauro Benevides, p. 7, esclareceu que:

"As leis biológicas, após estabelecidas entram imediatamente em vigor e definem a vida. (. . .) O mesmo se passa quando o ser humano é concebido, isto é, quando a informação veiculada pelo espermatozóide vai se encontrar com a que está no óvulo: uma nova 'constituição' humana se manifesta imediatamente e um novo ser dá início a sua existência."

Ora, o artigo 5o da Constituição Federal, que pela primeira vez fala

“em inviolabilidade ao direito à vida”

e não mais, de forma menos clara, em inviolabilidade de

“direitos concernentes à vida”

como nos textos anteriores, torna inviolável a vida do ser humano, ainda que apenas concebido, como, de resto, determina o artigo 2o do Código Civil. Assim, a norma não se compatibiliza com a tentativa de considerar que uma das grandes conquistas da humanidade do século XXI, à título de enaltecer a dignidade humana, seja matar nascituros mal formados no ventre materno, para conforto psicológico, —ou desconforto futuro— de seus pais.

É de se lembrar, por fim, que o artigo 4o do Pacto de São José declara que a vida deve ser assegurada desde a concepção. Este artigo cuida das duas formas de exaltação à vida e vedação à morte provocada, ou seja, tanto em relação ao do nascituro inocente, como ao ser humano nascido que se torne criminoso, exigindo, inclusive, dos países signatários, cuja legislação ainda preveja a pena de morte, que busquem revogá-la e, ao revogá-la, não voltem a introduzi-la. Proíbe também que os países que já eliminaram a referida pena, voltem a adotá-la.

Em respeito ao direito maior que todo o ser humano tem, desde a concepção, que é o direito à vida, é que as duas Uniões apresentam este  memorial para reflexão dos ínclitos Ministros da Suprema Corte deste país, esperando seja desprovida a presente ADPF 54, como de Direito e da mais lídima JUSTIÇA!

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1 Matsumoto A, Hatta T, Moriyama K, Otani H. Sequential observations of exencephaly and subsequent morphological changes by mouse exo utero development system; analysis of the mechanism of transformation from exencephaly to anencephaly. Anat Embryol, 205: 7-18, 2002.

2 Bol KA, Collins JS, Kirb RS. Survival of infants with neural tube defects in the presence of folic acid fortification. Pediatrics 2006, Mar; 117(3): 803-13.

 

São Paulo, 10 de Abril de 2012.

 

CÉLIO DE OLIVEIRA BORJA
Conselheiro da União dos Juristas Católicos do RJ

GUSTAVO MIGUEZ DE MELLO
Vice-Presidente da União dos Juristas Católicos do RJ

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS
Presidente da União dos Juristas Católicos de SP

NELSON NERY JUNIOR
Tesoureiro da União dos Juristas Católicos de SP

PAULO DE BARROS CARVALHO
Vice-presidente da União dos Juristas Católicos de SP

PAULO SILVEIRA MARTINS LEÃO JUNIOR
Presidente da União dos Juristas Católicos do RJ

N.B. Com autorização dos subscritores desta, este memorial é assinado apenas por Ives Gandra da Silva Martins.


ANEXOS:

1) ATA no 1/2012 UNIÃO DOS JURISTAS CATÓLICOS DE SÃO PAULO COMPOSIÇÃO DOS CARGOS DE DIRETORIA e COMPOSIÇÃO DOS ASSOCIADOS FUNDADORES;

2) Declarações dos Profs. Thomas Zabiega, Paul A. Byrne e Alan Shewmon sobre a menina Marcela de Jesus Galante Ferreira que teve diagnosticada a Anencefalia;

3) “A malformação na criança não é equivalente à morte cerebral”, artigo do Dr. Rodolfo Acatauassú Nunes, publicado no jornal Folha de São Paulo, 10/04/2012, p. C6.

 

Memorial retirado de: http://www.gandramartins.adv.br

Lido 2743 vezes Última modificação em Quarta, 18 Abril 2012 03:38
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