O Santo Padre, Papa Bento XVI, pronunciou algumas catequeses apresentando grandes teólogos da Igreja, procurando recuperar para nós pensadores eclesiásticos importantes. Nas próximas semanas, estaremos publicando estas catequeses no nosso blog.
Pe. Eduardo Peters
Pedro Lombardo
Queridos irmãos e irmãs!
Nesta última audiência do ano gostaria de vos falar de Pedro Lombardo: um teólogo que viveu no século XII, que gozou de grande fama, porque uma sua obra, intitulada Sentenças, foi adoptada como manual de teologia por muitos séculos.
Quem era portanto Pedro Lombardo? Mesmo se as notícias sobre a vida são escassas, podemos contudo reconstruir as linhas essenciais da sua biografia. Nasceu entre os séculos XI e XII, nas redondezas de Novara, no Norte da Itália, num território outrora pertencente aos Longobardos: precisamente por isto foi-lhe dado o apelativo "Lombardo". Ele pertencia a uma família de condições modestas, como podemos deduzir da carta de apresentação que Bernardo de Claraval escreveu a Gilduíno, superior da abadia de São Vítor em Paris, para lhe pedir que hospedasse gratuitamente Pedro, que desejava ir àquela cidade por motivos de estudo. De facto, também na Idade Média não só os nobres ou os ricos podiam estudar e desempenhar papéis importantes na vida eclesial e social, mas também pessoas com origens humildes, como por exemplo Gregório VII, o Papa que enfrentou o Imperador Henrique IV, ou Maurício de Sully, o Arcebispo de Paris que mandou construir Notre-Dame e que era filho de um pobre agricultor.
Pedro Lombardo iniciou os seus estudos em Bolonha, depois foi a Reims, e por fim a Paris. A partir de 1140 ensinou na prestigiosa escola de Notre-Dame. Estimado e apreciado como teólogo, oito anos mais tarde foi encarregado pelo Papa Eugénio III de examinar as doutrinas de Gilberto Porretano, que suscitavam muitos debates, porque eram consideradas não totalmente ortodoxas. Tendo-se tornado sacerdote, foi nomeado Bispo de Paris em 1159, um ano antes da sua morte, em 1160.
Como todos os mestres de teologia do seu tempo, também Pedro escreveu discursos e textos de comentário à Sagrada Escritura. A sua obra-prima é constituída pelos quatro livros das Sentenças. Trata-se de um texto nascido e finalizado para o ensino. Segundo o método teológico em uso naqueles tempos, era necessário antes de tudo conhecer, estudar e comentar o pensamento dos Padres da Igreja e de outros escritores considerados influentes. Por isso, Pedro recolheu uma documentação muito ampla, constituída principalmente pelo ensinamento dos grandes Padres latinos, sobretudo de Santo Agostinho, e aberta à contribuição de teólogos seus contemporâneos. Entre outras, ele utilizou também uma obra enciclopédica de teologia grega, há pouco tempo conhecida no Ocidente: A fé ortodoxa, composta por São João Damasceno. O grande mérito de Pedro Lombardo é ter organizado todo o material, que reuniu e seleccionou com cuidado, num quadro sistemático e harmonioso. De facto, uma das características da teologia é organizar de modo unitário e ordenado o património da fé. Por conseguinte, ele distribuiu as sentenças, ou seja, as fontes patrísticas sobre os vários argumentos, em quatro livros. No primeiro trata-se de Deus e do mistério trinitário; no segundo, da obra da criação, do pecado e da Graça; no terceiro, do Mistério da Encarnação e da obra da Redenção, com uma ampla exposição sobre as virtudes. O quarto livro é dedicado aos sacramentos e às realidades últimas, as da vida eterna, ou Novíssimos. A visão de conjunto que se obtém disto inclui quase todas as verdades da fé católica. Este olhar sintético e a apresentação clara, ordenada, esquemática e sempre coerente, explicam o sucesso extraordinário das Sentenças de Pedro Lombardo. Elas permitiam uma aprendizagem certa por parte dos estudantes, e um amplo espaço de aprofundamento para os mestres, os professores que delas se serviam. Um teólogo franciscano, Alexandre de Hales, que viveu uma geração depois de Pedro, introduziu nas Sentenças uma subdivisão, que tornou mais fácil a sua consulta e estudo. Também os maiores teólogos do século XIII, Alberto Magno, Boaventura de Bagnoregio e Tomás de Aquino, iniciaram a sua actividade académica comentando os quatro livros das Sentenças de Pedro Lombardo, enriquecendo-as com as suas reflexões. O texto de Lombardo foi o livro usado por todas as escolas de teologia, até ao século XVI.
Desejo ressaltar como a apresentação orgânica da fé é uma exigência irrenunciável. De facto, cada uma das verdades da fé se iluminam reciprocamente e, numa sua visão total e unitária, sobressai a harmonia do plano de salvação de Deus e a centralidade do Mistério de Cristo. A exemplo de Pedro Lombardo, convido todos os teólogos e os sacerdotes a ter sempre presente a visão total da doutrina cristã contra os riscos actuais de fragmentação e da desvalorização de cada uma das verdades. O Catecismo da Igreja Católica, assim como o Compêndio do mesmo Catecismo, oferecem-nos precisamente este quadro completo da Revelação cristã, que se deve acolher com fé e gratidão. Gostaria de encorajar portanto também cada um dos fiéis e comunidades cristãs a aproveitar estes instrumentos para conhecer e aprofundar os conteúdos da nossa fé. Assim ela há-de parecer-nos uma maravilhosa sinfonia, que nos fala de Deus e do seu amor e que solicita a nossa adesão firme e resposta laboriosa.
Para ter uma ideia do interesse que ainda hoje a leitura das Sentenças de Pedro Lombardo pode suscitar, proponho dois exemplos. Inspirando-se no comentário de Santo Agostinho ao livro do Génesis, Pedro interroga-se acerca do motivo pelo qual a criação da mulher foi realizada a partir da costela de Adão e não da sua cabeça ou dos seus pés. E explica: "Era formada não uma dominadora nem sequer uma escrava do homem, mas uma sua companheira" (Sentenças 3, 18, 3). Depois, sempre com base no ensinamento patrístico, acrescenta: "Nesta acção está representado o mistério de Cristo e da Igreja. De facto, assim como a mulher foi formada da costela de Adão enquanto ele dormia, assim a Igreja nasceu dos sacramentos que iniciaram a brotar do lado de Cristo que dormia na Cruz, ou seja, do sangue e da água, com que somos remidos da pena e purificados da culpa" (Sentenças 3, 18, 4). São reflexões profundas e válidas ainda hoje, quando a teologia e a espiritualidade do matrimónio cristão aprofundaram muito a analogia com a relação esponsal entre Cristo e a sua Igreja.
Noutra passagem da sua obra principal, Pedro Lombardo, falando sobre os merecimentos de Cristo, interroga-se: "Por que razão, então [Cristo] quis padecer e morrer, se as suas virtudes já eram suficientes para lhe obter todos os méritos?". A sua resposta é incisiva e eficaz: "Para ti, não para si mesmo!". Depois prossegue com outra pergunta e outra resposta, que parecem reproduzir os debates que eram feitos durante as lições dos mestres de teologia da Idade Média: "E em que sentido ele sofreu e morreu por mim? Para que a sua paixão e a sua morte fossem para ti exemplo e causa. Exemplo de virtude e de humildade, causa de glória e de liberdade; exemplo dado por Deus obediente até à morte; causa da tua libertação e da tua bem-aventurança" (Sentenças 3, 18, 5).
Entre os contributos mais importantes oferecidos por Pedro Lombardo para a história da teologia, gostaria de recordar a sua análise sobre os sacramentos, dos quais deu uma descrição diria definitiva: "É chamado sacramento em sentido próprio aquilo que é sinal da graça de Deus e forma visível da graça invisível, de tal modo que traz a sua imagem e é a sua causa" (4, 1, 4). Com esta definição Pedro Lombardo colhe a essência dos sacramentos: eles são causa da graça, têm a capacidade de continuar realmente a vida divina. Os teólogos sucessivos não abandonarão esta visão e utilizarão também a distinção entre elemento material e elemento formal, introduzida pelo "Mestre das Sentenças", como foi chamado Pedro Lombardo. O elemento material é a realidade sensível e visível, o formal são as palavras pronunciadas pelo ministro. Ambos são essenciais para uma celebração completa e válida dos sacramentos: a matéria, a realidade com a qual o Senhor nos toca visivelmente e a palavra que dá o significado espiritual. No Baptismo, por exemplo, o elemento material é a água que se derrama sobre a cabeça da criança e o elemento formal são as palavras: "Eu te batizo em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo". Além disso, Lombardo esclareceu que só os sacramentos transmitem objetivamente a graça divina e que são sete: o Batismo, a Confirmação, a Eucaristia, a Penitência, a Unção dos Enfermos, a Ordem e o Matrimônio (cf. Sentenças 4, 2, 1).
Queridos irmãos e irmãs, é importante reconhecer como é preciosa e indispensável para cada cristão a vida sacramental, na qual o Senhor através desta matéria, na comunidade da Igreja, nos toca e nos transforma. Como recita o Catecismo da Igreja Católica, os sacramentos são "forças que saem do Corpo de Cristo, sempre vivo e vivificante, acções do Espírito Santo" (n. 1116). Neste Ano sacerdotal, que estamos a celebrar, exorto os sacerdotes, sobretudo os ministros que curam as almas, a terem eles mesmos primeiro, uma intensa vida sacramental para servirem de ajuda aos fiéis. A celebração dos sacramentos distinga-se por dignidade e decoro, favoreça o recolhimento pessoal e a participação comunitária, o sentido da presença de Deus e o ardor missionário. Os sacramentos são o grande tesouro da Igreja e a cada um de nós compete a tarefa de os celebrar com fruto espiritual. Neles, um acontecimento sempre surpreendente toca a nossa vida: Cristo, através dos sinais visíveis, vem ao nosso encontro, purifica-nos, transforma-nos e torna-nos partícipes da sua amizade divina.
Queridos amigos, chegamos ao fim deste ano e estamos às portas do novo. Desejo-vos que a amizade de Nosso Senhor Jesus Cristo vos acompanhe todos os dias deste ano que está para iniciar. Possa esta amizade de Cristo ser nossa luz e guia, ajudando-nos a ser homens de paz, da sua paz. Bom ano a todos vós!
Audiência de 30 de dezembro de 2009.
Fonte: www.vatican.va