Pe. Eduardo Peters tira as dúvidas sobre o Simpósio de Bioética
Por Marcos Sabater Muñoz, seminarista do Seminário Redemptoris Mater de Brasília
Pela primeira vez, um Congresso Eucarístico Nacional terá um Simpósio de Bioética. O evento, que faz parte da programação do XVI Congresso Eucarístico Nacional (CEN), abordará temas sobre a defesa da vida desde a concepção até a morte natural. Muitos dos conferencistas do simpósio, que acontece nestas quinta e sexta-feira (14 e 15) no Centro de Convenções de Brasília, fazem parte da Academia Pontifícia para a Vida.
O coordenador do simpósio, Padre Eduardo Peters, comenta sobre a programação e as expectativas do evento.
XVI CEN: Como surgiu a idéia de realizar um Simpósio de Bioética num Congresso Eucarístico?
Pe. Eduardo: Na Comissão de Bioética pensamos em fazer o simpósio antes ou depois do Congresso. Mas, quando fomos a conversar com Dom João, ele falou “nós faremos dentro do CEN”. Quando fui olhar as orientações para a organização dos congressos eucarísticos, achei muito curiosa a observação para trabalhar temas que promovam a vida cristã de um modo geral. Então falei “nós estamos dentro da proposta do CEN”.
Mais impressionante ainda foi quando tomei contato com a oração do Congresso já redigida. No final da oração terminamos dizendo que, junto com a nossa Mãe Aparecida, queremos ser “promotores da vida em plenitude”. Quando a gente pensa na experiencia da vida em plenitude, tem-se uma perspectiva eucarística muito clara porque é o Pão da Vida. Mas a vida em plenitude precisa também passar pela dimensão da vida de um modo geral.
XVI CEN: O fato de Brasília ser a capital federal e o lugar onde se tomam as principais decisões do país, repercutiu na decisão de realizar o I Simpósio de Bioética?
Pe. Eduardo: É bastante interessante, porque o trabalho da Comissão Arquidiocesana de Bioética e Defesa da Vida tem sido bastante exigente por causa disso. Estamos na sede das decisões do nosso país. Nesse sentido, nascemos também um pouco com uma vocação política de formar e orientar os nossos parlamentares para a conscientização da dignidade da vida humana e do respeito à vida desde o momento da concepção, da defesa da família.
O que constatamos já neste ano e meio de existência foi a quantidade de demandas existentes dentro no âmbito político. Existe um projeto de lei para mudar o Código Civil falando a respeito da questão do matrimonio e da família; existe um estatuto do nascituro, que é uma proposta nossa; existem projetos de leis a respeito da ortotanásia e da eutanásia; existem projetos de leis a respeito da sexualidade e da orientação sexual, da questão das uniões homossexuais, etc.
Agora surgiu o Plano Nacional de Direitos Humanos que não existia quando pensamos no Simpósio. É interessante porque o encontro vai tocar exatamente em questões relacionadas com a sexualidade e a família, com o respeito à vida desde o momento da concepção, com os problemas éticos relacionados com a ancianidade e a integridade.
Então, começamos a perceber de modo bastante amplo a oportunidade desse encontro. O que mais nos alegra diante deste contexto é que, mais que nunca, é oportuno dialogar sobre todas essas questões. A 48ª Assembléia Geral da CNBB decidiu discutir também o Plano Nacional dos Direitos Humanos. Vemos que existe uma necessidade eclesial dessa reflexão e, por isso, estamos muito felizes de poder servir à Igreja com o Simpósio como instrumento de trabalho.
Acho que estamos dando uma resposta necessária a essas questões todas. Não haveria oportunidade melhor que o CEN, levando em consideração o fato de poder, durante o evento, sugerir e incentivar no Brasil inteiro a uma reflexão mais séria e aprofundada sobre o que queremos a respeito da vida e da família.
XVI CEN: Qual é a finalidade de este Simpósio e quais os propósitos e benefícios?
Pe. Eduardo: Nós pensamos o Simpósio, não como algo técnico, mas antes pastoral. Queríamos dialogar com o povo sobre essas questões. Por mais que os congressistas sejam especialistas nessas áreas, queríamos abrir um diálogo com todos os agentes pastorais do Brasil para dizer que a família e a vida precisam ser defendidas e respeitadas.
A finalidade do encontro é introduzir o tema da bioética e das questões éticas fundamentais relacionadas com a vida para que o nosso povo católico saiba também da necessidade de refletir, de pensar e de se posicionar a respeito dessas questões. Inclusive há uma conferência que vai ser dada pelo Dr. Cláudio Fonteles sobre as questões relacionadas com a política social em relação à defesa da vida e da família.
Queremos dar uma orientação teórica com uma finalidade formativa, mas sem perder a dimensão celebrativa. Não queremos dar só informações a respeito da defesa da vida, mas celebrar a vida. Nesse sentido encontramos no CEN um dinamismo muito interessante, porque é um reconhecimento do valor e da dignidade da vida no modo de celebrá-la. Por isso não deixaremos a Eucaristia fora do simpósio.
Teremos também um momento de adoração, para dar a ênfase celebrativa da vida. E o interessante da adoração, presidida por Dom Rafael Cifuentes, é que ela será conduzida por jovens de Petrópolis de uma comunidade de vida responsável por cuidar de crianças com danos graves por tentativa de aborto. É muito interessante ver como a vida, diante de tantas violências, luta para se manter.
XVI CEN: Aprofundando um pouco mais no evento em si, quais são os principais temas que serão tratados no Simpósio?
Pe. Eduardo: A idéia do simpósio é introduzir o tema. Em vez de aprofundar num único aspecto da vida, queremos abrir o leque todo, mesmo que não de modo profundo. Vamos começar o evento com uma conferência falando sobre o que é a bioética. Na seqüência vamos falar dos problemas éticos relacionados com a origem da vida. A manhã terminará com um debate entre os conferencistas. Decidimos colocar a tarde toda para tratar do tema da família abordando a sexualidade, o planejamento familiar responsável e a reprodução assistida.
Na parte da manhã do segundo dia vamos discutir os aspectos relacionados com o final da vida. O professor Daniel Serrão vai falar sobre a questão da ancianidade e os problemas éticos relacionados com os cuidados paliativos. Acho que vai a ser uma das palestras mais interessantes de assistir. Esse é um tema que vem surgindo, principalmente na Europa, com a possibilidade do suicídio assistido, com a eutanásia e tantas outras coisas. Devemos trabalhar isso antes de que se torne uma realidade aqui.
Depois vamos a ver os aspectos mais práticos da bioética. O doutor Cláudio Fonteles falará um pouco sobre a dimensão social do problema, como esses temas estão sendo tratados no nosso País. Ele falará dos projetos de leis, de coisas que estão acontecendo à nossa volta e decisões que estão sendo tomadas, muitas vezes sem o conhecimento da grande maioria. Então, imagina, estamos falando com o auditório do Brasil. Dar informação a essas pessoas é extremamente importante para que elas entendam que não é só uma questão de defesa ética, mas é uma defesa de princípios constitucionais e de legalidade.
E terminamos com a doutora Lenise dando pistas para a ação pastoral, que acho também extremamente interessante abordar. Qual é o protagonismo do leigo em esta história toda? O que é que a Igreja espera também dos agentes de pastoral em relação à vida e à família? Nós precisávamos abrir um discurso nesse sentido.
XVI CEN: O Simpósio de Bioética terá continuidade?
Pe. Eduardo: Esta experiência do Simpósio é a primeira em um CEN no mundo. A nossa expectativa é que, pelo menos no Brasil, o Simpósio de Bioética se torne uma tradição de reflexão para a dignidade da vida e da família. Esperamos que, pelo menos a cada CEN, tenhamos a oportunidade de voltar a esses temas ou talvez de aprofundar temas mais específicos, ou simplesmente um dos temas relacionados com a bioética. A nossa intenção era introduzir. Vamos permitir que Deus abra as portas. Agora, é claro, a intenção é continuar trabalhando com a defesa da vida e da família, tanto que estamos pleiteando a possibilidade de sediar em 2011 o II Congresso Nacional de Planejamento natural da família.
XVI CEN: Quais são as pautas de trabalho da Comissão de Bioética arquidiocesana?
Pe. Eduardo: Na terceira quinta-feira de cada mês nos encontramos para fazer uma atualização de todos os acontecimentos nos âmbitos da política, da saúde. Temos na comissão profissionais de várias áreas. A ideia é começar um trabalhar mais aprofundado de colaborar positivamente com a Arquidiocese. Estivemos durante este primeiro ano e meio consolidando a nossa estrutura e acho que o simpósio é um divisor de águas. É o primeiro grande evento organizado pela comissão que vai servir de referência para os demais.
Temos também uma proposta bastante interessante e encaminhada que é a do site “Promotores da Vida” gerenciado pela própria Comissão. Nós queremos abrir um diálogo, propor conteúdo, estruturar as experiências, servir ao povo de algum modo através dessa via que hoje é tão utilizada.
XVI CEN: Hoje se fala muito de células-tronco, de interrupção da gravidez, de morte digna e, no fundo, o que se defende é um modo de existência sem sofrimentos nem responsabilidades. Quais são os pontos principais que, no seu modo de ver, diferenciam a bioética laica defensora da autonomia do indivíduo e a bioética católica a favor da vida?
Pe. Eduardo: Na minha opinião tudo é uma questão de princípios. Nem toda bioética é uma boa bioética, porque hoje nós podemos estar falando de bioética e utilizar, por exemplo, fundamentos utilitaristas e relacionar com a questão ética pensando em custo-benefício. O grande desafio é lidar com a questão do principio. Por que é que a nossa bioética se diferencia das outras? Porque a base da nossa bioética é a dignidade da pessoa humana. Quando você coloca o crivo da dignidade da pessoa humana significa que todo o seu comportamento em relação às pessoas humanas passa pelo crivo da dignidade. Então existe já um dinamismo de respeito.
A bioética cristã é uma bioética que leva em consideração a dignidade da pessoa, que foi criada à imagem e semelhança de Deus. Para o mundo laico, o outro é espelho daquilo que eu sou e, nesse sentido, a minha consciência me chama, pelo critério de alteridade, a respeitar a outra pessoa como eu gostaria de ser respeitado. É um grande desafio porque a bioética laica tem uma proposta muito mais hedonista e aí é onde vai a ideia de uma máxima satisfação com o mínimo de dor possível. Nós vivemos num mundo extremamente hedonista. É um mundo que foge do esforço. Somos doentes na vontade e enfermos nessa perspectiva de entender a exigência e a nobreza e incapazes de agir com heroísmo porque nós somos frágeis.
É um contra-senso, porque o mundo foi salvo por Jesus na cruz com muitos sofrimentos. Quando a gente entra num contexto onde as pessoas não querem sofrer, então nós entramos num contexto onde o amor não é possível. Onde não há esforço não há verdadeiro amor.
XVI CEN: Em vários documentos magisteriais como a ‘Evangelium vitae’, a ‘Donum vitae’ e, mais recentemente, a ‘Dignitas personae’, os papas tem defendido que, em Jesus Cristo, o homem encontra a medida certa para agir o bem e ser feliz. Em que medida a Revelação de Deus tem aberto novos horizontes no mundo da bioética?
Pe. Eduardo: O Evangelho é sempre novo nesses termos, mas o que me tem chamado bastante a atenção é o critério de vida plena. O Evangelho é uma proposta de vida plena. Não podemos pensar o homem simplesmente na óptica mundana: o homem é transcendental.
Nós estamos diante de um ser transcendental capaz de experiencias muito maiores do que simplesmente as experiencias materiais, chamado a uma plenitude que não existe neste mundo. Como tratar de modo ético, por exemplo, o ser humano sem levar em conta os critérios transcendentais? Como levar em consideração que o homem é por essência um ser religioso?
O Estado laico, quando se propõe a laicidade como está sendo proposta hoje, ele está propondo ao homem não ser humano. O ser humano não é ateu, até na negação de Deus há uma profissão de fé. Dentro desse contexto a gente precisa compreender que a vida plena vai muito além do que simplesmente salvaguardar a vida biológica. É promover o homem a esse humanismo pleno que só encontra sentido no Cristo.
XVI CEN: Os meios de comunicação insistem em apresentar a razão e a fé como eternas inimigas. Na defesa da vida, de que modo uma complementa a outra?
Pe. Eduardo: Foi uma das discussões nossa quando estávamos pensando no nome do site. Num primeiro momento a gente ia colocar “defensores da vida”. Mas a ideia de defesa é de quem está ecoado precisando de se defender que não é a necessidade plena. Discutimos a ideia de ser “promotores da vida” e não partir do aspecto defensivo, mas realmente começar a propor uma cultura nova.
A nossa intenção de ser promotores da vida era extremamente ampla e ela está explícita no site. Não é um site técnico nem tem a intenção de abarcar simplesmente os aspectos relacionados com a bioética. Vai se encontrar de tudo lá, desde a defesa da vida de um modo geral, como espiritualidade e oração. Tem um dinamismo de plenitude, de virtudes e de valores que nós queremos ir transmitindo ali, não fechando o tema dentro do aspecto da defesa da vida biológica simplesmente. A gente precisa sair dessa concepção minimalista da defesa da vida e entender que a gente defende a vida quando se promove uma cultura da vida. Eu acho que hoje nós somos muito tímidos na apresentação dessa proposta e, por isso, nós queremos inserir mais essa cultura no mundo, dialogar mais sobre ela.
XVI CEN: Com a legislação sobre o aborto, na maioria dos parlamentos nacionais, introduziu-se no direito penal uma mudança radical: aquilo que antes era delito, hoje, querem considerá-lo como 'direito' e 'ético'. Como foi que chegamos a esta aprovação e promoção dos contra-valores?
Pe. Eduardo: Graças a Deus, nós ainda não chegamos à aprovação. Estamos trabalhando para isso não aconteça. Um dos grandes presentes da Constituição brasileira quando ela foi concebida foi precisamente isso. Os nossos legisladores entenderam a defesa da vida desde o momento da concepção. Isso tem sido o grande problema dos promotores do aborto, porque o povo brasileiro é o povo da vida, não se fecha a ela. Se você pergunta hoje e faz pesquisas, o 93% do povo é contra o aborto. Na consciência do povo ainda é um respeito muito grande pela dignidade da vida.
Mas é verdade que agora se está propondo um desrespeito pela defesa dos valores. Qual é a chave para entender esse processo? Primeiro, uma absolutização da liberdade e, daí, o modo de encarar a legalidade. A legalidade não é mais a defesa do bem, mas a defesa dos direitos. Há uma inversão grave, porque nós não somos livres para fazer tudo. Se a gente garante esse tipo de liberdade estamos garantindo a anarquia. Essa é a primeira dificuldade nesses termos. Depois está o fato de estabelecer uma pressão sobre o povo a respeito dos preconceitos. Dizem assim: “se você não aceita a liberdade do outro, você é preconceituoso”. E como o brasileiro tem muito medo de ser tachado de ser preconceituoso, ele vai cedendo a essas a essas perspectivas.
Nós temos que trabalhar sempre dentro dessas duas vertentes: trabalhar na difusão e no incentivo daquilo que é o bem comum e trabalhar também muito na questão da verdade, porque a liberdade não pode se tornar numa coisa enganosa. Quando a gente fica na verdade e na questão da defesa do bem, a gente consegue neutralizar essas duas vias, porque essa coisa do preconceito é uma falácia e, em relação à liberdade, qualquer pessoa de bom senso é capaz de entender que a sua liberdade é limitada.
XVI CEN: Para terminar, qual é relação que você encontra entre o sacramento da Eucaristia e a defesa da vida humana?
Pe. Eduardo: Muito interessante, porque a Eucaristia é o 'Pão da Vida'. O Cristo sempre se anunciou como 'Fonte da vida'. Ele mesmo disse “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida”. E o mais belo, acho, da experiência do Cristo eucarístico é que a Eucaristia é o sinal sensível e eficaz de uma vida dada. Talvez essa seja a expressão mais linda da defesa da vida, uma vida que não é tirada mas que é oferecida pelas vidas dos outros. Se nós precisamos lidar com a experiência da morte, oxalá fosse assim: que nós pudéssemos dar as nossas vidas pelas vidas dos outros e não usurpá-las. Jesus disse “ninguém tira a minha vida, eu a dou por mim mesmo”. É uma decisão livre e radical.
Quando celebramos a Eucaristia, celebramos também esse mistério. A morte do Cristo representa para nós essa plenitude da vida. Ele preferiu que a vida dele fosse tirada do que perder a vida da humanidade inteira. O que tem a ver um simpósio de bioética com o dinamismo da Eucaristia? Tem tudo a ver, porque a maior lição que a gente pode ter para a vida e da vida está na Eucaristia.
Fonte: www.cen2010.org.br
Por Marcos Sabater Muñoz, seminarista do Seminário Redemptoris Mater de Brasília
Pela primeira vez, um Congresso Eucarístico Nacional terá um Simpósio de Bioética. O evento, que faz parte da programação do XVI Congresso Eucarístico Nacional (CEN), abordará temas sobre a defesa da vida desde a concepção até a morte natural. Muitos dos conferencistas do simpósio, que acontece nestas quinta e sexta-feira (14 e 15) no Centro de Convenções de Brasília, fazem parte da Academia Pontifícia para a Vida.
O coordenador do simpósio, Padre Eduardo Peters, comenta sobre a programação e as expectativas do evento.
XVI CEN: Como surgiu a idéia de realizar um Simpósio de Bioética num Congresso Eucarístico?
Pe. Eduardo: Na Comissão de Bioética pensamos em fazer o simpósio antes ou depois do Congresso. Mas, quando fomos a conversar com Dom João, ele falou “nós faremos dentro do CEN”. Quando fui olhar as orientações para a organização dos congressos eucarísticos, achei muito curiosa a observação para trabalhar temas que promovam a vida cristã de um modo geral. Então falei “nós estamos dentro da proposta do CEN”.
Mais impressionante ainda foi quando tomei contato com a oração do Congresso já redigida. No final da oração terminamos dizendo que, junto com a nossa Mãe Aparecida, queremos ser “promotores da vida em plenitude”. Quando a gente pensa na experiencia da vida em plenitude, tem-se uma perspectiva eucarística muito clara porque é o Pão da Vida. Mas a vida em plenitude precisa também passar pela dimensão da vida de um modo geral.
XVI CEN: O fato de Brasília ser a capital federal e o lugar onde se tomam as principais decisões do país, repercutiu na decisão de realizar o I Simpósio de Bioética?
Pe. Eduardo: É bastante interessante, porque o trabalho da Comissão Arquidiocesana de Bioética e Defesa da Vida tem sido bastante exigente por causa disso. Estamos na sede das decisões do nosso país. Nesse sentido, nascemos também um pouco com uma vocação política de formar e orientar os nossos parlamentares para a conscientização da dignidade da vida humana e do respeito à vida desde o momento da concepção, da defesa da família.
O que constatamos já neste ano e meio de existência foi a quantidade de demandas existentes dentro no âmbito político. Existe um projeto de lei para mudar o Código Civil falando a respeito da questão do matrimonio e da família; existe um estatuto do nascituro, que é uma proposta nossa; existem projetos de leis a respeito da ortotanásia e da eutanásia; existem projetos de leis a respeito da sexualidade e da orientação sexual, da questão das uniões homossexuais, etc.
Agora surgiu o Plano Nacional de Direitos Humanos que não existia quando pensamos no Simpósio. É interessante porque o encontro vai tocar exatamente em questões relacionadas com a sexualidade e a família, com o respeito à vida desde o momento da concepção, com os problemas éticos relacionados com a ancianidade e a integridade.
Então, começamos a perceber de modo bastante amplo a oportunidade desse encontro. O que mais nos alegra diante deste contexto é que, mais que nunca, é oportuno dialogar sobre todas essas questões. A 48ª Assembléia Geral da CNBB decidiu discutir também o Plano Nacional dos Direitos Humanos. Vemos que existe uma necessidade eclesial dessa reflexão e, por isso, estamos muito felizes de poder servir à Igreja com o Simpósio como instrumento de trabalho.
Acho que estamos dando uma resposta necessária a essas questões todas. Não haveria oportunidade melhor que o CEN, levando em consideração o fato de poder, durante o evento, sugerir e incentivar no Brasil inteiro a uma reflexão mais séria e aprofundada sobre o que queremos a respeito da vida e da família.
XVI CEN: Qual é a finalidade de este Simpósio e quais os propósitos e benefícios?
Pe. Eduardo: Nós pensamos o Simpósio, não como algo técnico, mas antes pastoral. Queríamos dialogar com o povo sobre essas questões. Por mais que os congressistas sejam especialistas nessas áreas, queríamos abrir um diálogo com todos os agentes pastorais do Brasil para dizer que a família e a vida precisam ser defendidas e respeitadas.
A finalidade do encontro é introduzir o tema da bioética e das questões éticas fundamentais relacionadas com a vida para que o nosso povo católico saiba também da necessidade de refletir, de pensar e de se posicionar a respeito dessas questões. Inclusive há uma conferência que vai ser dada pelo Dr. Cláudio Fonteles sobre as questões relacionadas com a política social em relação à defesa da vida e da família.
Queremos dar uma orientação teórica com uma finalidade formativa, mas sem perder a dimensão celebrativa. Não queremos dar só informações a respeito da defesa da vida, mas celebrar a vida. Nesse sentido encontramos no CEN um dinamismo muito interessante, porque é um reconhecimento do valor e da dignidade da vida no modo de celebrá-la. Por isso não deixaremos a Eucaristia fora do simpósio.
Teremos também um momento de adoração, para dar a ênfase celebrativa da vida. E o interessante da adoração, presidida por Dom Rafael Cifuentes, é que ela será conduzida por jovens de Petrópolis de uma comunidade de vida responsável por cuidar de crianças com danos graves por tentativa de aborto. É muito interessante ver como a vida, diante de tantas violências, luta para se manter.
XVI CEN: Aprofundando um pouco mais no evento em si, quais são os principais temas que serão tratados no Simpósio?
Pe. Eduardo: A idéia do simpósio é introduzir o tema. Em vez de aprofundar num único aspecto da vida, queremos abrir o leque todo, mesmo que não de modo profundo. Vamos começar o evento com uma conferência falando sobre o que é a bioética. Na seqüência vamos falar dos problemas éticos relacionados com a origem da vida. A manhã terminará com um debate entre os conferencistas. Decidimos colocar a tarde toda para tratar do tema da família abordando a sexualidade, o planejamento familiar responsável e a reprodução assistida.
Na parte da manhã do segundo dia vamos discutir os aspectos relacionados com o final da vida. O professor Daniel Serrão vai falar sobre a questão da ancianidade e os problemas éticos relacionados com os cuidados paliativos. Acho que vai a ser uma das palestras mais interessantes de assistir. Esse é um tema que vem surgindo, principalmente na Europa, com a possibilidade do suicídio assistido, com a eutanásia e tantas outras coisas. Devemos trabalhar isso antes de que se torne uma realidade aqui.
Depois vamos a ver os aspectos mais práticos da bioética. O doutor Cláudio Fonteles falará um pouco sobre a dimensão social do problema, como esses temas estão sendo tratados no nosso País. Ele falará dos projetos de leis, de coisas que estão acontecendo à nossa volta e decisões que estão sendo tomadas, muitas vezes sem o conhecimento da grande maioria. Então, imagina, estamos falando com o auditório do Brasil. Dar informação a essas pessoas é extremamente importante para que elas entendam que não é só uma questão de defesa ética, mas é uma defesa de princípios constitucionais e de legalidade.
E terminamos com a doutora Lenise dando pistas para a ação pastoral, que acho também extremamente interessante abordar. Qual é o protagonismo do leigo em esta história toda? O que é que a Igreja espera também dos agentes de pastoral em relação à vida e à família? Nós precisávamos abrir um discurso nesse sentido.
XVI CEN: O Simpósio de Bioética terá continuidade?
Pe. Eduardo: Esta experiência do Simpósio é a primeira em um CEN no mundo. A nossa expectativa é que, pelo menos no Brasil, o Simpósio de Bioética se torne uma tradição de reflexão para a dignidade da vida e da família. Esperamos que, pelo menos a cada CEN, tenhamos a oportunidade de voltar a esses temas ou talvez de aprofundar temas mais específicos, ou simplesmente um dos temas relacionados com a bioética. A nossa intenção era introduzir. Vamos permitir que Deus abra as portas. Agora, é claro, a intenção é continuar trabalhando com a defesa da vida e da família, tanto que estamos pleiteando a possibilidade de sediar em 2011 o II Congresso Nacional de Planejamento natural da família.
XVI CEN: Quais são as pautas de trabalho da Comissão de Bioética arquidiocesana?
Pe. Eduardo: Na terceira quinta-feira de cada mês nos encontramos para fazer uma atualização de todos os acontecimentos nos âmbitos da política, da saúde. Temos na comissão profissionais de várias áreas. A ideia é começar um trabalhar mais aprofundado de colaborar positivamente com a Arquidiocese. Estivemos durante este primeiro ano e meio consolidando a nossa estrutura e acho que o simpósio é um divisor de águas. É o primeiro grande evento organizado pela comissão que vai servir de referência para os demais.
Temos também uma proposta bastante interessante e encaminhada que é a do site “Promotores da Vida” gerenciado pela própria Comissão. Nós queremos abrir um diálogo, propor conteúdo, estruturar as experiências, servir ao povo de algum modo através dessa via que hoje é tão utilizada.
XVI CEN: Hoje se fala muito de células-tronco, de interrupção da gravidez, de morte digna e, no fundo, o que se defende é um modo de existência sem sofrimentos nem responsabilidades. Quais são os pontos principais que, no seu modo de ver, diferenciam a bioética laica defensora da autonomia do indivíduo e a bioética católica a favor da vida?
Pe. Eduardo: Na minha opinião tudo é uma questão de princípios. Nem toda bioética é uma boa bioética, porque hoje nós podemos estar falando de bioética e utilizar, por exemplo, fundamentos utilitaristas e relacionar com a questão ética pensando em custo-benefício. O grande desafio é lidar com a questão do principio. Por que é que a nossa bioética se diferencia das outras? Porque a base da nossa bioética é a dignidade da pessoa humana. Quando você coloca o crivo da dignidade da pessoa humana significa que todo o seu comportamento em relação às pessoas humanas passa pelo crivo da dignidade. Então existe já um dinamismo de respeito.
A bioética cristã é uma bioética que leva em consideração a dignidade da pessoa, que foi criada à imagem e semelhança de Deus. Para o mundo laico, o outro é espelho daquilo que eu sou e, nesse sentido, a minha consciência me chama, pelo critério de alteridade, a respeitar a outra pessoa como eu gostaria de ser respeitado. É um grande desafio porque a bioética laica tem uma proposta muito mais hedonista e aí é onde vai a ideia de uma máxima satisfação com o mínimo de dor possível. Nós vivemos num mundo extremamente hedonista. É um mundo que foge do esforço. Somos doentes na vontade e enfermos nessa perspectiva de entender a exigência e a nobreza e incapazes de agir com heroísmo porque nós somos frágeis.
É um contra-senso, porque o mundo foi salvo por Jesus na cruz com muitos sofrimentos. Quando a gente entra num contexto onde as pessoas não querem sofrer, então nós entramos num contexto onde o amor não é possível. Onde não há esforço não há verdadeiro amor.
XVI CEN: Em vários documentos magisteriais como a ‘Evangelium vitae’, a ‘Donum vitae’ e, mais recentemente, a ‘Dignitas personae’, os papas tem defendido que, em Jesus Cristo, o homem encontra a medida certa para agir o bem e ser feliz. Em que medida a Revelação de Deus tem aberto novos horizontes no mundo da bioética?
Pe. Eduardo: O Evangelho é sempre novo nesses termos, mas o que me tem chamado bastante a atenção é o critério de vida plena. O Evangelho é uma proposta de vida plena. Não podemos pensar o homem simplesmente na óptica mundana: o homem é transcendental.
Nós estamos diante de um ser transcendental capaz de experiencias muito maiores do que simplesmente as experiencias materiais, chamado a uma plenitude que não existe neste mundo. Como tratar de modo ético, por exemplo, o ser humano sem levar em conta os critérios transcendentais? Como levar em consideração que o homem é por essência um ser religioso?
O Estado laico, quando se propõe a laicidade como está sendo proposta hoje, ele está propondo ao homem não ser humano. O ser humano não é ateu, até na negação de Deus há uma profissão de fé. Dentro desse contexto a gente precisa compreender que a vida plena vai muito além do que simplesmente salvaguardar a vida biológica. É promover o homem a esse humanismo pleno que só encontra sentido no Cristo.
XVI CEN: Os meios de comunicação insistem em apresentar a razão e a fé como eternas inimigas. Na defesa da vida, de que modo uma complementa a outra?
Pe. Eduardo: Foi uma das discussões nossa quando estávamos pensando no nome do site. Num primeiro momento a gente ia colocar “defensores da vida”. Mas a ideia de defesa é de quem está ecoado precisando de se defender que não é a necessidade plena. Discutimos a ideia de ser “promotores da vida” e não partir do aspecto defensivo, mas realmente começar a propor uma cultura nova.
A nossa intenção de ser promotores da vida era extremamente ampla e ela está explícita no site. Não é um site técnico nem tem a intenção de abarcar simplesmente os aspectos relacionados com a bioética. Vai se encontrar de tudo lá, desde a defesa da vida de um modo geral, como espiritualidade e oração. Tem um dinamismo de plenitude, de virtudes e de valores que nós queremos ir transmitindo ali, não fechando o tema dentro do aspecto da defesa da vida biológica simplesmente. A gente precisa sair dessa concepção minimalista da defesa da vida e entender que a gente defende a vida quando se promove uma cultura da vida. Eu acho que hoje nós somos muito tímidos na apresentação dessa proposta e, por isso, nós queremos inserir mais essa cultura no mundo, dialogar mais sobre ela.
XVI CEN: Com a legislação sobre o aborto, na maioria dos parlamentos nacionais, introduziu-se no direito penal uma mudança radical: aquilo que antes era delito, hoje, querem considerá-lo como 'direito' e 'ético'. Como foi que chegamos a esta aprovação e promoção dos contra-valores?
Pe. Eduardo: Graças a Deus, nós ainda não chegamos à aprovação. Estamos trabalhando para isso não aconteça. Um dos grandes presentes da Constituição brasileira quando ela foi concebida foi precisamente isso. Os nossos legisladores entenderam a defesa da vida desde o momento da concepção. Isso tem sido o grande problema dos promotores do aborto, porque o povo brasileiro é o povo da vida, não se fecha a ela. Se você pergunta hoje e faz pesquisas, o 93% do povo é contra o aborto. Na consciência do povo ainda é um respeito muito grande pela dignidade da vida.
Mas é verdade que agora se está propondo um desrespeito pela defesa dos valores. Qual é a chave para entender esse processo? Primeiro, uma absolutização da liberdade e, daí, o modo de encarar a legalidade. A legalidade não é mais a defesa do bem, mas a defesa dos direitos. Há uma inversão grave, porque nós não somos livres para fazer tudo. Se a gente garante esse tipo de liberdade estamos garantindo a anarquia. Essa é a primeira dificuldade nesses termos. Depois está o fato de estabelecer uma pressão sobre o povo a respeito dos preconceitos. Dizem assim: “se você não aceita a liberdade do outro, você é preconceituoso”. E como o brasileiro tem muito medo de ser tachado de ser preconceituoso, ele vai cedendo a essas a essas perspectivas.
Nós temos que trabalhar sempre dentro dessas duas vertentes: trabalhar na difusão e no incentivo daquilo que é o bem comum e trabalhar também muito na questão da verdade, porque a liberdade não pode se tornar numa coisa enganosa. Quando a gente fica na verdade e na questão da defesa do bem, a gente consegue neutralizar essas duas vias, porque essa coisa do preconceito é uma falácia e, em relação à liberdade, qualquer pessoa de bom senso é capaz de entender que a sua liberdade é limitada.
XVI CEN: Para terminar, qual é relação que você encontra entre o sacramento da Eucaristia e a defesa da vida humana?
Pe. Eduardo: Muito interessante, porque a Eucaristia é o 'Pão da Vida'. O Cristo sempre se anunciou como 'Fonte da vida'. Ele mesmo disse “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida”. E o mais belo, acho, da experiência do Cristo eucarístico é que a Eucaristia é o sinal sensível e eficaz de uma vida dada. Talvez essa seja a expressão mais linda da defesa da vida, uma vida que não é tirada mas que é oferecida pelas vidas dos outros. Se nós precisamos lidar com a experiência da morte, oxalá fosse assim: que nós pudéssemos dar as nossas vidas pelas vidas dos outros e não usurpá-las. Jesus disse “ninguém tira a minha vida, eu a dou por mim mesmo”. É uma decisão livre e radical.
Quando celebramos a Eucaristia, celebramos também esse mistério. A morte do Cristo representa para nós essa plenitude da vida. Ele preferiu que a vida dele fosse tirada do que perder a vida da humanidade inteira. O que tem a ver um simpósio de bioética com o dinamismo da Eucaristia? Tem tudo a ver, porque a maior lição que a gente pode ter para a vida e da vida está na Eucaristia.
Fonte: www.cen2010.org.br