Vale citar e analisar o raciocínio a favor do aborto que se origina de duas premissas: de uma vida que não se pode ver, portanto questionável, negociável; e da crença de que o feto faz parte do corpo da mãe, sendo, por isso, disponível.
Por Diego Barbosa
Existe um direito suposto e reivindicado para que o aborto seja descriminalizado não só com relação ao feto anencéfalo, mas com relação a qualquer caso, como já é em alguns países. Há todo um expediente para a pretensão da descriminalização. Há quem diga que a aceitação para que se aborte o feto anencéfalo seria apenas o “trampolim” para que se autorize o aborto em qualquer caso.
O brasileiro, de modo geral, não é a favor do aborto. O assunto, obviamente, é polêmico; a rejeição ao aborto, desde 2011, é a maior no Brasil em 17 anos, a despeito da decisão do famoso julgado da ADPF 54, que discutiu a possibilidade de interrupção da gestação de fetos anencéfalos. De acordo com pesquisa Datafolha, 71% afirmam que a legislação brasileira sobre o tema deve ficar como está e 7% dizem que a prática deve ser descriminalizada.[1]
Fala-se, também, que, com a legalização do aborto, acabariam os abortos clandestinos. A intenção de juridicidade do aborto o converteria em uma solução que pareceria moralmente aceitável, logo seria uma opção possível para algumas mulheres, entretanto para a grande maioria da sociedade/comunidade o aborto não é aceitável, e aquelas mulheres continuariam a escolher o procedimento realizado às ocultas.
Igualmente, há a falsa impressão de que os abortos legais são mais "seguros" que os clandestinos. Um exemplo: uma investigação realizada em 1978 nos Estados Unidos constatou que só nas clínicas de Illinois, foram produzidas 12 mortes por abortos legais.[2]
Vale citar e analisar o raciocínio a favor do aborto que se origina de duas premissas: de uma vida que não se pode ver, portanto questionável, negociável; e da crença de que o feto faz parte do corpo da mãe, sendo, por isso, disponível.
Supondo que o feto fosse parte integrante do corpo da genitora, o direito à vida daquele ainda seria maior do que qualquer direito da mulher sobre seu corpo.
A embriologia, a fetologia, e a medicina em geral, têm demonstrado que o feto não é parte do corpo da genitora; é um humano que se governa por si mesmo, com vida particular, aspectos psicológicos, compleição e patrimônio genético exclusivo e inalterável, tracejado desde o momento em que se dá a união do óvulo com o espermatozoide (DINIZ).
Maria Helena Diniz (2002, p. 91), com a maestria e o rigor que lhe são inerentes, assevera que:
É demagógico justificar o aborto com base na liberdade da mulher, por ser dona de seu corpo. Será que ela teria mesmo o “direito de abortar”, em face da comprovação científica de que o feto possui vida autônoma desde a concepção? Não se pode considerar apenas a vontade da mulher de fazer o que quiser com seu corpo se uma outra vida humana, protegida constitucionalmente está em jogo.
É preciso entender, definitivamente, que “a liberdade não se partilha, mesmo se tratando de criatura e criador” (GIRARD; 2009, p. 287). Em termos simples, conclusivos e lógicos, trata-se do velho adágio, “a sua liberdade termina onde começa a minha”. E essa é a liberdade de nascer do feto anencéfalo.
Pedro-Juan Viladrich (Doutor e catedrático em Direito Canônico da Universidade de Navarra) chama os argumentos empregados por aqueles que defendem o aborto de “Abortismo Ideológico”: argumentos que tentam simplificar a prática abortiva, ou a consideram como uma liberdade dos pais, apoiados na ideia moderna de que “A pessoa humana – o seu ser, a sua vida etc. – é uma realidade histórica e cultural”. (VILADRICH, 1995, p. 38).
Viladrich também chama este raciocínio de “ditadura da ideia”, em que o pensador substitui a realidade natural pelas suas ideias, escondendo o moderno Leviatã do totalitarismo cultural, explicando que “a razão deixa de ser um instrumento para conhecer o que o homem é e arroga-se a tarefa de criar ou fabricaro homem”. (VILADRICH, 1995, p.39, grifos do autor).
Igualmente, a modernidade traz consigo muitos paradoxos. Independente do impulso sexual e dos métodos contraceptivos, as mulheres estão cada vez mais engravidando sem planejamento, por irresponsabilidade ou promiscuidade (não excluindo os homens). Parece que isso não deixa de nos remeter a tempos primitivos.
Conforme Sigmund Freud relata na sua obra Totem e Tabu: “Povos que ainda não descobriram ser a concepção o resultado das relações sexuais podem certamente ser encarados como os mais atrasados e primitivos dos homens vivos.” (FREUD, 2005, p. 120).
Às vezes a mulher pobre e desesperada tem medo de por um filho no mundo; então quando ela ouve um deputado, uma atriz popular, um intelectual, aparentemente bem aceito na mídia e pela crítica, defendendo a legalização do aborto, sobretudo alegando que tem pena das mães de terem que lutar em péssimas condições para sustentar e educar um rebento, não lhe ocorre a seguinte “solução”, qual seja, de perceber que os protagonistas seriam melhores e generosos se, ao invés de propor o aborto, doassem um dinheiro para ajudá-la com o filho. (CARVALHO, 2007).
Muitos magistrados caem na “armadilha” de acatar semelhantes argumentos, conquanto saibam perfeitamente que o aborto “econômico” e o eugênico não são reconhecidos pelo Código Criminal, isto é, pelo Direito, que considera impunível apenas os abortos necessários e o sentimental, por determinação expressa, como já citado anteriormente, do art. 128, incisos I e II do Código Penal. Veja-se novamente:
Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico:
Aborto necessário
I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
Aborto no caso de gravidez resultante de estupro
II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.
Ademais, os advogados dos réus nos presentes casos sempre suplicam pela substituição da pena corporal, isto é, as penas privativas de liberdade pelas penas restritivas de direito, ora mais brandas. Natural também a não concessão do sursis, quer dizer, a suspensão condicional da pena, que tem as seguintes condições/requisitos para ser aplicada:
Art. 77 - A execução da pena privativa de liberdade, não superior a 2 (dois) anos, poderá ser suspensa, por 2 (dois) a 4 (quatro) anos, desde que: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
I - o condenado não seja reincidente em crime doloso; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
II - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão do benefício; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
III - Não seja indicada ou cabível a substituição prevista no art. 44 deste Código. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
§ 1º - A condenação anterior a pena de multa não impede a concessão do benefício. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
§ 2o A execução da pena privativa de liberdade, não superior a quatro anos, poderá ser suspensa, por quatro a seis anos, desde que o condenado seja maior de setenta anos de idade, ou razões de saúde justifiquem a suspensão. (Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998)
Diante disto, note-se as jurisprudências, com melhor juízo:
PENAL - PROCESSO PENAL - TRIBUNAL DO JURI - ABORTO PROVOCADO PELA GESTANTE OU COM SEU CONSENTIMENTO - ARTIGO 124, CAPUT, NA FORMA DO ARTIGO 29, TODOS DO CÓDIGO PENAL - DOSIMETRIA DA PENA - PENA BASE - REDIMENSIONAMENTO - SUBSTITUIÇÃO DE PENA - IMPOSSIBILIDADE. 1. Em havendo circunstâncias judiciais desfavoráveis ao Agente, não há que se falar em pena base no mínimo legal. Porém, quando à análise de algumas delas se mostrar equivocada, há se proceder ao afastamento do exame negativo. Observância do Enunciado de Súmula 444 do Superior Tribunal de Justiça. 2. O benefício da substituição de pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos não deve ser deferido quando a medida não se mostrar socialmente recomendável e nem suficiente à reprimenda do delito. 3. Recurso conhecido e parcialmente provido. (20060910000775APR, Relator ALFEU MACHADO, 2ª Turma Criminal, julgado em 23/09/2010, DJ 06/10/2010 p. 156).
Ora, supondo que o agente, in casu¸ entende de medicamentos ou procedimentos abortivos, e os usa para provocar o crime de aborto, não se pode minimizar a gravidade de seu comportamento, sendo a pena privativa de liberdade suficiente à reprimenda do delito.
Note-se na jurisprudência a seguir o sucesso na comprovação da materialidade do crime, bem como a competência do Tribunal do Júri para julgá-lo:
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. PRONÚNCIA. ABORTO. MANUTENÇÃO. COMPROVAÇÃO. AUTORIA DO CRIME. MATERIALIDADE. COMPETÊNCIA. JULGAMENTO. DELITO. TRIBUNAL DO JÚRI. 1) Os depoimentos prestados por testemunhas em conjunto com os demais elementos de prova carreados ao processo, mormente com o Laudo Cadavérico, que atesta a morte prematura do feto por insuficiência respiratória, são hábeis a provar a materialidade do crime de aborto. 2) A pronúncia da ré pela prática do crime previsto no artigo 124 do Código Penal é medida que se impõe por ser o Tribunal do Júri o juízo competente para julgamento de crimes dolosos contra vida quando comprovadas a materialidade e autoria do delito. 3 Recurso conhecido e desprovido.(20080610055325RSE, Relator ALFEU MACHADO, 2ª Turma Criminal, julgado em 09/09/2010, DJ 22/09/2010 p. 243)
Já no caso adiante, no tocante ao pedido de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, note-se que o pleito também não foi acolhido, tendo em conta que o crime foi praticado com violência contra o nascituro. Resta, assim, comprovado que o crime foi praticado com violência contra a pessoa, descrita no inciso I, do art. 44 do Código Penal, o que inviabilizou a substituição da pena corporal por restritiva de direitos, tampouco a suspensão condicional da pena, na exata dicção do art. 77, III, do Código Penal:
PENAL E PROCESSO PENAL. TRIBUNAL DO JÚRI. ABORTO COM CONSENTIMENTO DA GESTANTE. PENA BASE. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS REAVALIADAS. REVISÃO NA DOSIMETRIA. SUBSTITUIÇÃO DA PENA CORPORAL POR RESTRITIVA DE DIREITOS. INADMISSÍVEL. VIOLÊNCIA CONTRA A PESSOA. SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA. INVIÁVEL. 1. A circunstância judicial da culpabilidade deve ser valorada negativamente quando a soma de todas as demais circunstâncias judiciais desfavoráveis à agente, não sendo suficiente a fundamentação baseada em argumentos axiológicos, tampouco no conhecimento da ilicitude da conduta. 2. Das circunstâncias judiciais analisadas, somente o motivo do crime se mostra desfavorável, na medida em que a agente o praticou por dinheiro. 3. A pena base deve guardar coerência com a avaliação das circunstâncias judiciais, sendo estas reavaliadas favoravelmente à ré, deve a pena base ser mitigada, em obediência ao Princípio da Proporcionalidade. 4. É inviável a substituição da pena corporal pela restritiva de direitos em razão do crime ter sido cometido com violência contra a pessoa (art. 44, I do CP), o que torna inadmissível também a concessão de sursis (art. 77, III). 5. Apelação conhecida e parcialmente provida.(20080710308818APR, Relator ALFEU MACHADO, 2ª Turma Criminal, julgado em 03/03/2011, DJ 16/03/2011 p. 192).
Tanto no delito de autoaborto (ou mesmo quando a gestante consente que nela seja realizado o aborto por terceiro) como no de aborto provocado por terceiro, com a anuência da gestante, em virtude da pena mínima cominada a essas duas infrações penais, tipificadas nos artigos 124 e 126 do Código Penal Brasileiro, será permitida a proposta de suspensão condicional do processo, presentes seus requisitos legais.
Referências
[1] ÉPOCA. Fala, Brasil. Datafolha: 71% afirmam que lei sobre aborto deve continuar como está. Disponível em: <http://colunas.revistaepoca.globo.com/falabrasil/2010/10/11/datafolha-71-afirmam-que-lei-sobre-aborto-deve-continuar-como-esta/>. Acesso em: 08 de maio de 2012.
[2] ACIDIGITAL. Mentiras e verdades sobre o aborto. Disponível em <http://www.acidigital.com/vida/aborto/mentiras.htm>. Acesso em: 03 de abril de 2012.
Fonte: DireitoNET