Coluna de arte cristã
Por Rodolfo Papa*
ROMA, quinta-feira, 28 de outubro de 2010 – Vivemos em um momento histórico apaixonante, porque estamos na fronteira de um século que acaba de passar e de um novo em vias de edificação. Ainda que pôr limites cronológicos nunca foi muito frutífero no âmbito historiográfico, como tampouco o é contrapor uma época a outra, no entanto devemos reconhecer que o balanço do século passado e a abertura do novo alimenta o entusiasmo e obriga a renovações e um compromisso revigorado.
O próprio fato de que muitas das experiências artísticas do século XX estejam irremediavelmente a nossas costas obriga à reflexão, com o fim não de compreender as dinâmicas das diversas fases de desenvolvimento, mas também de verificar se o que se prometeu no século passado se realizou efeticamente. É necessário estudar quais resultados estéticos e efeitos sociológicos foram obtidos de algumas experiências artísticas que dominaram o panorama mediático nos anos sessenta e setenta. É interessante, por exemplo, verificar quais relações se instituíram entre o “consumismo de massas” e algumas experiências artísticas dos anos sessenta, e quais relações se estabeleceram com o mundo da publicidade. A reflexão sobre o século XX abre enfim um capítulo importante para redefinir o âmbito da arte em geral e de cada uma das artes, e em particular estimula a reflexão sobre a relação entre as artes e o contexto em que nascem e do qual se nutrem, direta ou indiretamente.
No entanto, esta é só uma parte do interesse atual pela arte. A dimensão contemporânea não esgota o panorama da arte. Um aspecto importante desta transição de século está constituído, de fato, pelo interesse crescente pela arte do passado, que se encontra no centro de um verdadeiro fenômeno mediático, de dimensões crescentes: algumas mostras, como a dedicada a Caravaggio, obtiveram um êxito surpreendente. Isso abre a questões do que é contemporâneo na arte, faz refletir sobre como os grandes artistas do passado fizeram história, mas sobretudo testemunha um amor, nunca morto, pela arte da pintura no sentido tradicional e próprio do termo.
Neste contexto de transição e de reflexão sobre a própria transição, torna-se importante refletir sobre a ideia de progresso. Por um lado, há que evitar identificar todo progresso com uma tipologia evolucionista segundo a qual o que vem depois supera e melhora o que veio antes. Por outro, há que evitar também pôr todos os artistas e todas as obras em um mesmo plano, caindo na falta de crítica e na ausência de juízos de valor. No entanto, neste defeito cai paradoxalmente Gombrich, precisamente analisando a arte segundo a ideia de progresso, em seu conhecido texto Arte e progresso, de 1971.
Se se busca, em contrapartida, olhar a arte com olhos inocentes, pode-se descobrir que o caminho da arte move-se dentro do âmbito de um potencial que está implícito desde o início, como se todos os desenvolvimentos estivessem de algum modo compreendidos nas formas já dadas. Podemos dizer que os artistas, quando “inventam”, atendendo a sua própria criatividade, permanecem sempre fiéis ao que a arte implicitamente põe à sua disposição e esse é todo seu “potencial”. Sucede como na linguagem, que tem tantas formas e uma longa história, mas tanto as formas como a história são linguísticas, porque estão dentro das possibilidades abertas da própria linguagem. Utilizando uma imagem geométrica, podemos dizer que a evolução da arte não é uma linha reta, que implicaria um progresso constante, nem tampouco uma senóide, que implicaria ciclos obrigatórios de crise e de desenvolvimento, mas sobretudo uma linha mista irregular, correspondente a uma evolução vital, feita de inovações e continuidade. Toda inovação real, de fato, apoia-se na tradição: como escreveu o Papa Estevão I, nihil innovetur nisi quod traditum est. Devemos ver também a história da arte a partir da perspectiva da “hermenêutica da renovação e da continuidade”, aplicada por Bento XVI nas interpretações do Concílio.
O crescimento da arte implica uma apropriação da tradição passada e uma renovação, ambas realizadas em primeira pessoa. Todos os grandes artistas sempre aconselharam a aprender com os mestres do passado, antes de realizar as próprias inovações. Começa-se a aprender copiando as grandes obras e depois, aprendida a linguagem, começa-se a falar e a inventar novas palavras. Basta ver a relação de continuidade e superação vivida por Caravaggio frente a Michelângelo, cuja pintura revive e toma novo significado com respeito e audácia. Leonardo afirmava: “triste é o discípulo que não avança seu mestre”, colocando a arte em uma relação de continuidade entre aluno e mestre, de modo que quem aprenda busque fazê-lo melhor do que quem ensina.
A arte, portanto, como todo âmbito propriamente “humanístico”, quer dizer, dirigido à promoção do humano, cresce de uma maneira não mecânica e não sofre a obsessão de incorrer na acumulação da novidade, mas que está dirigida à busca do melhor fazer e do melhorar-se a si mesmo. Não está fora de lugar, portanto, concluir com uma reflexão sobre a educação, proposta por Bento XVI na Carta à diocese de Roma sobre a tarefa urgente da formação, no dia 21 de janeiro de 2008: “Contrariamente a quanto acontece em campo técnico ou econômico, onde os progressos de hoje se podem somar aos do passado, no âmbito da formação e do crescimento moral das pessoas não existe uma semelhante possibilidade de acumulação, porque a liberdade do homem é sempre nova e portanto cada pessoa e cada geração deve tomar de novo, e diretamente, as suas decisões. Também os maiores valores do passado não podem simplesmente ser herdados, devem ser feitos nossos e renovados através de uma, muitas vezes difícil, escolha pessoal”.
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* Rodolfo Papa é historiador da arte, professor de história das teorias estéticas na Faculdade de Filosofia da Pontifícia Universidade Urbaniana, em Roma; presidente da Accademia Urbana delle Arti. Pintor, autor de ciclos pictóricos de arte sacra em várias basílicas e catedrais. Especialista em Leonardo Da Vinci e Caravaggio, é autor de livros e colaborar de revistas. Desde 2000, assina uma coluna de história da arte cristã na Rádio Vaticano.
Fonte: Zenit