Segunda, 15 Novembro 2010 12:30

Reflexão: O que é o fim do mundo?

O que é o fim do mundo? Quando será? De que forma? A última resposta cinematográfica a tivemos no filme 1012, onde nada e ninguém escapa, a não ser um pequeno grupo que consegue entrar dentro de uma aeronave onde já se encontram alguns espécimes do animais de nossa fauna global. Já no final do filme, qual nova Arca de Noé, a aeronave pousa numa porção emersa do continente asiático. Saímos do cinema com o sentimento de que tudo começará de novo. Fim e reinício!

Mas a pergunta sobre o fim do mundo continua e até agora nenhuma resposta satisfez e nehuma das possíveis ameaças abordadas pela mídia, apesar de levadas a sério por algumas pessoas, se concretizaram.

Poderíamos encarar a idéia fim do mundo de modo mais natural e sereno. Do mesmo modo que o dia termina e depois amanhece outro dia, do mesmo modo que vejo em meus filhos a renovação de minha família e minha continuação sobre a terra, o fim do mundo certamente será a redimensão desta vida, totalmente restaurada, redmida pela paixão e ressurreição de Jesus Cristo. Será tudo muito natural sem concretizar as expectativas catastróficas da imaginação literária e cinematográfica.
Catástrofes, já tivemos com terremotos, tsunamis, cataclismas e outras situações trágicas. Infelizmente, porque o homem ainda não transformou e dominou toda a natureza e alguns desses movimentos são tidos como insuperáveis pelo conhecimento limitado de nossas ciências e também por causa do egoísmo presente em nossa civilização essa situação ainda terá lugar em nosso mundo.
O Evangelho de hoje foi escrito cinquenta anos depois da morte e ressurreição de Jesus. Lucas nos fala da experiência vivida pelas primeiras comunidades cristãs: destruição do Templo de Jerusalém, perseguição aos cristãos, guerras, catástrofes, acontecimentos já anunciados pelo Senhor. A reação da comunidade é de lamentação, perturbação, preocupação. Jesus diz para eles que tudo isso é apenas o início da dores – como em um parto - , mas o importante virá mais tarde e será a Vida plena, verdadeira. Portanto, as perseguições e todas as dores atuais não levarão à morte, mas sim à Vida! Importa não se preocupar, mas ser firme na fé, na fidelidade a Deus e na confiança de que a Providência age.
O Templo de Jerusalém, onde um sistema opressor havia se instalado, é destruído pelos romanos, mas o pobre, que sofria as violências decorrentes das injustiças praticadas pelos dirigentes do Templo, continua vivo. Os sistemas iníquos caem, mas os perseguidos por eles, sobrevivem.

Os sistemas de morte são desbaratados pela atuação inteligente dos cristãos. As mortes de Estêvão, de Tiago, a resistência de Paulo, mesmo sendo ocasiões de grande sofrimento, anunciam uma sociedade nova que vai surgindo, com seu modo de ser e de agir próprios.
Neste momento podemos recordar a paixão que há duas semanas sofrem nossos irmãos que estão no Iraque e que constituem a Igreja naquele país do Golfo Pérsico.

Finalizando nossa reflexão, temos a frase do Senhor, que encerra o Evangelho de Hoje: “É permanecendo firmes que ireis ganhar a vida!”

Fonte: Rádio Vaticana

“A pobreza sociológica não é proclamada bem-aventurada por si mesma. Considerada em si mesma e como tal, ela seria um verdadeiro mal”, afirma o cardeal Geraldo Majella Agnelo.

O arcebispo de Salvador e primaz do Brasil comenta nesta segunda-feira, em artigo enviado à imprensa, sobre o Discurso da Montanha, no âmbito da leitura evangélica da liturgia desse domingo.

De acordo com Dom Geraldo Agnelo, a pobreza que é chamada bem-aventurada é a que vem da “simplicidade do coração, da convicção profunda da necessidade que o homem tem de Deus, da integridade da vida e da abertura aos outros”.

Ao abordar a bem-aventurança dos “mansos”, o arcebispo explica que “se trata de uma atitude muito vizinha da primeira bem-aventurança”, já que traz o sentido de “humildes, pobres, necessitados, pequenos”.

“A vida de Jesus é uma ilustração prática dessa bem-aventurança: Ele lutou contra a enfermidade, a fome e a dor, e ao mesmo tempo caminhou com segurança para a ressurreição”, explica.

Já a bem-aventurança dos “aflitos”, segundo o cardeal, deve ser compreendida “partindo do prêmio que a justifica: a consolação”. “A consolação é uma realidade messiânica, trazida pelo Messias, e abraça toda a dor pela qual o homem tem necessidade de ser consolado”.

Sobre os que têm fome e sede de justiça, Dom Geraldo explica que, “mais que uma atitude, aqui é chamada bem aventurada a tendência para desejar receber alguma coisa”.

“Homens que procuram a justiça, Deus a concederá aos que agora são oprimidos pela injustiça. A recompensa não é esperada somente para o momento do juízo final. A fome e a sede de justiça gritam para que cesse a atual injustiça. A esperança se vê satisfeita unicamente na aparição do Messias, que é chamado ‘Javé-nossa-justiça’”.

Ao abordar a bem-aventurança dos misericordiosos, o cardeal explica que sua conduta “está sobre a mesma linha da conduta de Deus: amor, compaixão, perdão, compreensão, ajuda”.

Bem-aventurados são ainda os puros de coração, pois Deus “está aberto a quem tem as mãos e o coração puros, uma pureza de vida, sem intenções distorcidas e inconfessáveis”.

“Os que trabalham pela paz entre os homens agem como Deus mesmo, porque Deus é o Deus da paz, que oferece a reconciliação ao pecador.”

E “os perseguidos por causa da justiça: a sorte que tocou ao Mestre toca também a seus discípulos, em todos os tempos”, afirma o cardeal.

Fonte: Zenit 

Segunda, 01 Novembro 2010 23:06

Reflexão: Dia de Finados

Cidade do Vaticano, 1º nov - De acordo com a Liturgia, Domingo próximo refletiremos sobre nossa vocação à santidade, nosso último destino. Amanhã ela irá nos propor a reflexão sobre nossa finitude, que nasce em nossa mente e em nosso coração, quando perdemos alguém querido.

Faz parte de nossa natureza, de nosso modo de existir, algo que é antagônico entre si, ou seja nosso desejo de plenitude, de sermos eternos e ao mesmo tempo nossa incapacidade de pensarmos fora da categoria tempo. É impossível ao ser humano pensar no eterno, porque sempre vai se perguntar pelo depois, vai questionar se não será monótono. Ora, ao fazer essa pergunta ele demonstra sua incapacidade ontológica de usar o espaço mental para pensar no eterno, não como categoria, mas como sua própria realidade existencial.

Comemorar os fieis defuntos é refletir sobre nosso fim, ao mesmo tempo sobre nosso desejo de eternidade, como desejo profundo, como ânsia, inextirpável de nossa natureza, apesar de finita.
O livro do Apocalipse nos fala do fim da morte, do luto, das lágrimas, do fim do que era finito. Agora, pelo poder da ressurreição de Jesus Cristo, nossos anseios foram realizados, tornaram-se reais. Somos eternos! “Eis que faço novas todas as coisas”, isto é, eternas, sem caducar, sem envelhecer, sem a ação do tempo, que não existe mais.

São Paulo, na carta aos Romanos diz que fomos batizados na morte de Cristo e acrescenta: “Se, pois, se morremos com Cristo, cremos que também viveremos com ele. Sabemos que Cristo ressuscitado dos mortos não morre mais; a morte já não tem poder sobre ele. Por isso, sendo Cristo a Vida, todo nosso anseio de eternidade faz sentido e será realizado. Viveremos eternamente o amor, a alegria, na companhia de nossos entes queridos, porque do contrário não será felicidade.

O dia de amanhã, dedicado à reflexão sobre o término de nossa caminhada nesta vida, longe de nos tirar a alegria de ser, nos aumenta o júbilo porque não só fomos criados á imagem da Vida, que é Jesus, mas fomos resgatados, recriados, por sua morte e ressurreição, para a Vida eterna com Ele e com nossos entes queridos.

Fonte: Radio Vaticana

Domingo, 24 Outubro 2010 15:15

30º Domingo do Tempo Comum - Reflexão

Evangelho do domingo: comprar Deus?

 

Por Dom Jesús Sanz Montes, ofm, arcebispo de Oviedo

 

OVIEDO, sexta-feira, 22 de outubro de 2010 - Apresentamos a meditação escrita por Dom Jesús Sanz Montes, OFM, arcebispo de Oviedo, administrador apostólico de Huesca e Jaca, sobre o Evangelho deste domingo (Lucas 18, 9-14), 30º do Tempo Comum.

* * *

Quem se encontrou com o Deus vivo alguma vez, desfrutou da sua amizade e saboreou seu amor, nunca se terá por justo, porque só Deus é justo; e aproximar-se do único Justo supõe fazer a experiência de comprovar nossa desproporcional diferença com relação a Ele. Saber-se pecador, reconhecer-se como não justo, não significa viver tristes, sem paz ou sem esperança, mas situar a segurança em Deus e não nas próprias forças ou em uma virtude hipócrita.

Alguém que verdadeiramente não orou nunca continuará precisando afirmar-se e convencer-se de sua própria segurança, já que a de Deus, a única fidedigna, não foi sequer intuída. E quando alguém se tem por justo e está inchado de sua própria segurança, isto é, quando vive em sua mentira, costuma maltratar seus próximos, desprezá-los "porque não chegam à sua altura", porque não estão no nível da "sua" santidade.

Temos, então, o retrato robô de quem, estando incapacitado para orar por estas três atitudes incompatíveis com a autêntica oração, como o fariseu da parábola, chega a acreditar que pode comprar de Deus a salvação. A moeda do pagamento seria sua arrogante virtude, sua santidade postiça. Até aqui o fariseu.

Mas havia outro personagem na parábola: o publicano, ou seja, um proscrito da legalidade, alguém que não fazia parte do censo dos bons. E, como em outras vezes, Jesus o mostrará como exemplo, não para ressaltar morbosamente sua condição pecadora, mas para que nela resplandeça a graça que pode fazer novas todas as coisas.

Aquele publicano não se sentia junto diante de Deus, nem tinha segurança em sua própria coerência, tampouco desprezava ninguém. Nem sequer a si mesmo. Ele só disse uma frase, lá do fundo do templo, na penumbra dos seus pecados: "Meu Deus, tem piedade de mim que sou pecador!". Belíssima oração, tantas vezes repetida pelos muitos peregrinos que, em sua vida de escuridão, de erros, de horrores, talvez também tenham começado a receber gratuitamente uma salvação que não se pode comprar.

Jesus nos ensina a orar vivendo na verdade, não no disfarce de uma vida enganosa e enganada diante de todos, menos de Deus. Tratar de amizade com quem nos ama é reconhecer que só Ele é Deus, que nós somos uns pobres pecadores que receberam o dom de voltar a começar sempre, de voltar à luz, à alegria verdadeira, à esperança, para refazer aquilo que em nós e entre nós possa ter manchado a glória de Deus, o nome de um irmão ou a nossa dignidade.

Fonte: Zenit

Sábado, 16 Outubro 2010 15:47

29º Domingo do Tempo Comum

Evangelho de domingo: o horário de Deus

 

Por Dom Jesús Sanz Montes, ofm

 

OVIEDO, sábado, 16 de outubro de 2010 – Publicamos o comentário ao Evangelho do próximo domingo, 17 de outubro, XXIX do Tempo Comum (Lc 18, 1-8), redigido por Dom Jesús Sanz Montes, ofm, arcebispo de Oviedo (Espanha).

* * *

O ensinamento de Jesus sobre a oração não era uma questão banal. Ele queria ensinar seus discípulos a orar de tal maneira que permanentemente pudessem estar falando com e escutando Quem está permanentemente disposto a acolher nossas palavras e nos dirigir as suas.

O Mestre lhes propõe uma parábola com dois personagens curiosos: um juiz e uma viúva. A pessoa mais desprotegida que demanda ajuda ao juiz menos indicado. Como se resolveria a demanda da pobre mulher perante a falta de misericórdia do injusto juiz?

Disse Jesus que aquele juiz de muita lei e pouco coração terminou por ceder à viúva e determinou fazer justiça perante o adversário desta. Mas não porque houvesse mudado no seu interior, simplesmente para proteger o seu exterior, quer dizer, por puro temor e para que o deixassem em paz. Aqui para o Senhor e diz aos discípulos: “escutai bem o que diz esse juiz iníquo!” Ao final fez justiça a uma pobre mulher que suplicava. Um homem que não foi capaz de fazer isso pela verdadeira razão: o serviço ao outro, o direito do outro, o amor ao outro, o fez por egoísmo, por amor a si mesmo... mas fez. E Deus, que fará? Como se comportará perante seus eleitos que dia e noite gritam a Ele e suplicam?

O cristão é aquele que precisamente aprende a viver a partir da inesgotável relação com seu Deus e Senhor, em um contínuo face a face perante seu bendito Rosto, com um constante saber-se visto pelos olhos do Outro. Esta Presença que é sempre companhia e jamais foge. Não tira dos cristãos a fadiga apaixonante do viver cada dia com suas luzes e sombras, mas permite vivê-lo de outro modo, a partir de outros Olhos que nos veem, a partir de outro Coração que nos ama e por nós palpita, e a partir de outra Vida que nos acolhe, presenteando-nos a felicidade.

A oração, como certeza de uma companhia daquela que nos fala e olha, é uma educação para a vida: também nós, cristão, podemos sofrer todas as provações, mas nunca com tristeza e desesperança. A circunstância pode não mudar, mas o nosso modo de olhá-la e vivê-la sim, porque sabemos que Deus nos acompanha sem interrupção, em horário completo e sem declínio.

Fonte: Zenit

Segunda, 11 Outubro 2010 10:17

Os dez leprosos, a gratidão do samaritano

Juiz de Fora, 10 outubro - No Evangelho de domingo, Lc 17, 11-19, o ponto alto da narrativa é a fé do samaritano. O samaritano tem uma fé madura, que nasce da esperança, cresce na obediência à Palavra de Jesus e se manifesta na gratidão. Com isso, ele não só recebe a cura, mas é salvo. Sua vida chega à plenitude, ao reconhecer que, em Jesus, o amor de Deus leva os homens a viver na alegria da gratidão. A vida que Deus dá em Jesus Cristo é gratuita, é graça.
No tempo de Jesus, havia rivalidades entre os habitantes da Samaria (samaritanos) e os judeus. Estes desprezavam aqueles acirradamente. Esse ressentimento era infundado e Jesus quer mostrar que pessoas de bem não são, necessariamente, apenas os judeus. Aqueles de quem não gostamos ou que desprezamos, pode, de repente, ser melhor do que nós.
Há várias parábolas em que Jesus coloca o samaritano como aquele que age melhor, que está mais perto de Deus. Somos todos irmãos e precisamos agradecer a Deus, a cada manhã, pela oportunidade de mais um dia de vida.
Jesus não quer que desprezemos as pessoas, mas que entendamos que aquele que desprezamos pode nos dar uma lição de vida muito mais bonita do que a que levamos.
Os dez leprosos viram-se "curados" da sua doença, mas só um foi "salvo": aquele que, movido pela sua fé, deu glória a Deus e agradeceu a Jesus. São Lucas põe em relevo o fato de o leproso salvo ser um estrangeiro. Como estrangeiro era também Naamã, comandante do exército dos Arameus mas ferido de lepra. Naamã ficou curado quando, obedecendo à palavra do profeta Eliseu, foi lavar-se nas águas do rio Jordão. A Palavra de Deus põe em evidência que "a salvação do Senhor é para todos os povos". O destino universal da salvação e a fidelidade a Israel, que à primeira vista podem parecer em contradição, são na realidade dois aspectos inseparáveis e recíprocos do mesmo mistério salvífico: é precisamente a intensidade e a solidez do amor de Deus pelo povo por Ele escolhido que torna este amor uma "bênção" para todos os povos (cf. Gn 12, 3). A manifestação mais alta disto mesmo está na cruz de Cristo, o máximo sinal da sua dedicação às ovelhas perdidas da Casa de Israel e, simultaneamente, da redenção da humanidade inteira.
São Paulo nos diz que, quando ele está fraco, aí é que se torna forte porque é na fraqueza que mais precisamos da graça e da força de Deus. E é então que a recebemos em toda a sua plenitude.
No cumprimento das leis e prescrições mosaicas, os leprosos que encontram Cristo param "à distância", sentem-se impuros, fora da convivência humana; quem os toca também ficará impuro. O Senhor cura-os e manifesta-lhes a sua vontade salvífica com as palavras e com dois sinais muito consistentes: estende as mãos e toca-os. Cristo não aceita somente aproximar-se aos leprosos mas estende a sua mão, recebe-os e toca-os. Cristo identifica-se com o leproso, torna-se completamente solidário com eles. Destrói a impureza e a marginalização deles, manifesta a sua plena solidariedade com eles.
A solidariedade coincide com a autêntica espiritualidade, ou seja: a ação do Espírito Santo, o amor. O Espírito Santo é o amor de Deus que se faz história na misericórdia solidária do Pai Eterno que nos envia o seu Filho redentor através da sua encarnação pascal. O Espírito Santo é a intercomunicação trinitária infinita no amor. A Terceira Pessoa da Santíssima Trindade mostra-nos a natureza divina de Deus como Amor; um amor que é a entrega total do Pai ao seu Filho e do Filho ao seu Pai que, na sua total dedicação, fazem proceder deles a pessoa Amor, a pessoa Dom, que é o Espírito Santo. Portanto, o Espírito Santo significa a infinita posse pessoal individual tanto do Pai como do Filho em si próprios, posse que o coloca em condição de se poder doar de modo absoluto. Aqui encontra-se a essência da solidariedade. Quando falamos da solidariedade humana, esta é autêntica somente quando é feita à imagem de Deus. O homem torna-se filho de Deus somente através da solidariedade, que significa receber numa doação gratuita plena tudo aquilo que é e doá-lo também sem medida a Deus e aos outros.
Somente sob esta luz se pode entender o mistério da solidariedade redentora: de fato, a maior doação que se possa pensar é a doação até à morte: "Ninguém tem mais amor do que quem dá a vida pelos seus amigos" (Jo 15, 13). Desta doação, até à morte, o Pai cria a solidariedade da humanidade redimida. Consequentemente, a autêntica solidariedade é aquela a que não importa o risco da perda da vida até ao ponto de poder dar a vida pelos outros.

+ Eurico dos Santos VelosoArcebispo Emérito de Juiz de Fora, MG.

Fonte: Rádio Vaticana

Sábado, 02 Outubro 2010 18:30

Munus Regendi - Catequese do Papa Bento XVI

Munus regendi

Amados irmãos e irmãs!

O Ano sacerdotal está para terminar; por isso comecei nas últimas catequeses a falar sobre as tarefas essenciais do sacerdote, ou seja: ensinar, santificar e governar. Já falei disto em duas catequeses, numa sobre o ministério da santificação, sobretudo os Sacramentos, e noutra sobre o do ensino. Portanto, hoje vou falar sobre a missão do sacerdote de governar, de guiar, com a autoridade de Cristo, não com a própria, a porção do Povo que Deus lhe confiou.

Como compreender na cultura contemporânea tal dimensão, que implica o conceito de autoridade e tem origem no próprio mandato do Senhor de apascentar o rebanho? O que é realmente, para nós cristãos, a autoridade? As experiências culturais, políticas e históricas do passado recente, sobretudo as ditaduras na Europa do Leste e do Oeste no século XX, tornaram o homem contemporâneo suspeitoso em relação a este conceito. Uma suspeita que, com frequência, se traduz em defender como necessário o abandono de qualquer autoridade, que não provenha exclusivamente dos homens, lhes seja submetida e por eles controlada. Mas precisamente o olhar sobre os regimes que, no século passado, semearam terror e morte, recorda com vigor que a autoridade, em qualquer âmbito, quando é exercida sem uma referência ao Transcendente, se prescindir da Autoridade suprema, que é Deus, acaba inevitavelmente por se voltar contra o homem. É importante então reconhecer que a autoridade humana nunca é um fim, mas sempre e só um meio e que, necessariamente e em cada época, o fim é sempre a pessoa, criada por Deus com a própria intangível dignidade e chamada a realizar-se com o próprio Criador, no caminho terreno da existência e na vida eterna; é uma autoridade exercida na responsabilidade diante de Deus, do Criador. Uma autoridade tão intensa, que tenha como única finalidade servir o verdadeiro bem das pessoas e ser transparência do único Bem Supremo que é Deus, não só é alheia aos homens, mas, ao contrário, é uma preciosa ajuda no caminho para a plena realização em Cristo, rumo à salvação.

A Igreja está chamada e compromete-se a exercer este tipo de autoridade que é serviço, e exerce-a não em seu nome, mas no de Jesus Cristo, que do Pai recebeu todo o poder no Céu e na terra (cf. Mt 28, 18). De facto, através dos Pastores da Igreja Cristo apascenta a sua grei: é Ele quem a guia, protege e corrige, porque a ama profundamente. Mas o Senhor Jesus, Pastor supremo das nossas almas, quis que o Colégio Apostólico, hoje os Bispos, em comunhão com o Sucessor de Pedro, e os sacerdotes, seus mais preciosos colaboradores, participassem nesta sua missão de se ocupar do Povo de Deus, de ser educadores na fé, orientando, animando e apoiando a comunidade cristã ou, como diz o Concílio, cuidassem "para que cada fiel seja levado, no Espírito Santo, a cultivar a própria vocação segundo o Evangelho, a uma caridade sincera e activa e à liberdade com que Cristo nos libertou" (Presbyterorum ordinis, 6). Portanto, cada Pastor é o meio através do qual o próprio Cristo ama os homens: é mediante o nosso ministério – queridos sacerdotes – é através de nós que o Senhor alcança as almas, as instrui, guarda e guia. Santo Agostinho, no seu Comentário ao Evangelho de São João, diz: "Seja portanto empenho de amor apascentar o rebanho do Senhor" (123, 5); esta é a norma suprema dos ministros de Deus, um amor incondicionado, como o do Bom Pastor, cheio de alegria, aberto a todos, atento ao próximo e solícito em relação aos distantes (cf. S. Agostinho, Discurso 340, 1; Discurso 46, 15), delicado para com os mais débeis, os pequeninos, os simples, os pecadores, para manifestar a misericórdia infinita de Deus com as palavras alentadoras da esperança (cf. Id., Carta 95, 1).

Se esta tarefa pastoral se funda no Sacramento, contudo a sua eficácia não é independente da existência pessoal do presbítero. Para ser Pastor segundo o coração de Deus (cf. Jr 3, 15) é preciso um radicamento profundo na amizade viva com Cristo, não só da inteligência, mas também da liberdade e da vontade, uma consciência clara da identidade recebida na Ordenação sacerdotal, uma disponibilidade incondicionada a conduzir o rebanho confiado aonde o Senhor quer e não na direcção que, aparentemente, parece mais conveniente ou mais fácil. Antes de tudo, isto exige a contínua e progressiva disponibilidade para deixar que o próprio Cristo governe a existência sacerdotal dos presbíteros. De facto, ninguém é realmente capaz de apascentar a grei de Cristo, se não viver uma obediência profunda e real a Cristo e à Igreja, e a própria docilidade do Povo aos seus sacerdotes depende da docilidade dos presbíteros a Cristo; por isso, na base do ministério pastoral está sempre o encontro pessoal e constante com o Senhor, o conhecimento profundo d'Ele, o conformar a própria vontade com a vontade de Cristo.

Nos últimos decénios, utilizou-se muitas vezes o adjectivo "pastoral" quase em oposição ao conceito de "hierárquico", assim como, na mesma contraposição, foi interpretada também a ideia de "comunhão". Talvez seja este o ponto sobre o qual pode ser útil uma breve observação sobre a palavra "hierarquia", que é a designação tradicional da estrutura de autoridade sacramental na Igreja, ordenada segundo os três níveis do Sacramento da Ordem: episcopado, presbiterado, diaconado. Prevalece na opinião pública, para esta realidade "hierárquica", os elementos de subordinação e jurídico; por isso para muitos a ideia de hierarquia parece estar em contraste com a flexibilidade e com a vitalidade do sentido pastoral e também ser contrária à humildade do Evangelho. Mas este é um sentido da hierarquia compreendido mal, historicamente também causado por abusos de autoridade e por carreirismo, que são precisamente abusos e não derivam do ser próprio da realidade "hierárquica". A opinião comum é que "hierarquia" é sempre algo relacionado com o domínio e assim não correspondente ao verdadeiro sentido da Igreja, da unidade no amor de Cristo. Mas, como eu disse, esta é uma interpretação errada, que tem origem em abusos da história, mas não corresponde ao verdadeiro significado daquilo que é a hierarquia. Comecemos com a palavra. Geralmente, diz-se que o significado da palavra hierarquia seria "domínio sagrado", mas o verdadeiro significado não é este, é "origem sagrada", ou seja: esta autoridade não provém do próprio homem, mas tem origem no sagrado, no Sacramento; submete portanto a pessoa à vocação, ao mistério de Cristo; faz do indivíduo um servo de Cristo e só como servo de Cristo ele pode governar, guiar para Cristo e com Cristo. Por isso quem entra na Ordem sagrada do Sacramento, a "hierarquia", não é um autocrata, mas entra num vínculo novo de obediência a Cristo: está ligado a Ele em comunhão com os outros membros da Ordem sagrada, do Sacerdócio. E também o Papa ponto de referência de todos os outros Pastores e da comunhão da Igreja não pode fazer o que quiser; ao contrário, o Papa é guardião da obediência a Cristo, à sua palavra resumida na "regula fidei", no Credo da Igreja, e deve preceder na obediência a Cristo e à sua Igreja. Hierarquia implica por conseguinte um tríplice vínculo: antes de tudo com Cristo e com a ordem dada pelo Senhor à sua Igreja; depois o vínculo com os outros Pastores na única comunhão da Igreja; e, por fim, o vínculo com os fiéis confiados a cada um, na ordem da Igreja.

Compreende-se portanto que comunhão e hierarquia não são contrárias uma à outra, mas condicionam-se. São juntas uma só coisa (comunhão hierárquica). Portanto, o Pastor é tal precisamente guiando e guardando a grei, e por vezes impedindo que ela se disperse. Fora de uma visão clara e explicitamente sobrenatural, não é compreensível a tarefa de governar, própria dos sacerdotes. Ela, ao contrário, apoiada pelo verdadeiro amor à salvação de cada fiel, é particularmente preciosa e necessária também no nosso tempo. Se a finalidade é levar o anúncio de Cristo e guiar os homens ao encontro salvífico com Ele para que tenham vida, a tarefa de guiar configura-se como um serviço vivido numa doação total para a edificação do rebanho na verdade e na santidade, muitas vezes indo contracorrente e recordando que quem é o maior deve fazer-se como o mais pequeno, e quem governa, como aquele que serve (cf. Lumen gentium, 27).

De onde pode tirar hoje um sacerdote a força para a prática do próprio ministério, em plena fidelidade a Cristo e à Igreja, com uma dedicação total à grei? A resposta é uma só: em Cristo Senhor. O modo de governar de Jesus não é o do domínio, mas é o serviço humilde e amoroso do Lava-pés, e a realeza de Cristo sobre o universo não é um triunfo terreno, mas encontra o seu ápice no madeiro da Cruz, que se torna juízo para o mundo e ponto de referência para a prática da autoridade, que seja verdadeira expressão da caridade pastoral. Os santos, e entre eles São João Maria Vianney, exerceram com amor e dedicação a tarefa de cuidar da porção do Povo de Deus que lhes foi confiada, mostrando também que eram homens fortes e determinados, com o único objectivo de promover o verdadeiro bem das almas, capazes de pagar em primeira pessoa, até ao martírio, para permanecer fiéis à verdade e à justiça do Evangelho.

Queridos sacerdotes, "apascentai o rebanho que Deus vos confiou, velando por ele, não constrangidos, mas de boa vontade [...], como modelos do vosso rebanho" (1 Pd 5, 2). Portanto, não tenhais medo de guiar para Cristo cada um dos irmãos que Ele vos confiou, na certeza de que cada palavra e atitude, se vierem da obediência à vontade de Deus, darão fruto; sabei viver apreciando as qualidades e reconhecendo os limites da cultura na qual estamos inseridos, com a firme certeza de que o anúncio do Evangelho é o maior serviço que se pode prestar ao homem. De facto, não há bem maior, nesta vida terrena, do que conduzir os homens para Deus, despertar a fé, elevar o homem da inércia e do desespero, dar a esperança que Deus está próximo e guia a história pessoal e do mundo: é este, em suma, o sentido profundo e último da tarefa de governar que o Senhor nos confiou. Trata-se de formar Cristo nos crentes, através daquele processo de santificação que é conversão dos critérios, da escala de valores, de atitudes, para deixar que Cristo viva em cada fiel. São Paulo resume assim a sua acção pastoral: "Filhinhos meus, por quem de novo sinto as dores de parto, até que Cristo seja formado em vós" (Gl 4, 19).

Queridos irmãos e irmãs, gostaria de vos convidar a rezar comigo, Sucessor de Pedro, que tenho uma tarefa específica no governar a Igreja de Cristo, assim como por todos os vosos Bispos e sacerdotes. Rezai por que saibamos ocupar-nos de todas as ovelhas, também das perdidas, da grei que nos foi confiada. A vós, queridos sacerdotes, dirijo um cordial convite para as Celebrações conclusivas do Ano sacerdotal, nos próximos dias 9, 10 e 11 de Junho, aqui em Roma: meditaremos sobre a conversão e missão, sobre o dom do Espírito Santo e sobre a relação com Maria Santíssima, e renovaremos as nossas promessas sacerdotais, apoiados por todo o Povo de Deus. Obrigado!

Audiência de 26 de maio de 2010.

Fonte: www.vatican.va

As Ordens Mendicantes

Caros irmãos e irmãs

No início do novo ano olhemos para a história do Cristianismo, para ver como se desenvolve uma história e como ela pode ser renovada. Nela podemos ver que os santos, guiados pela luz de Deus, são os autênticos reformadores da vida da Igreja e da sociedade. Mestres com a palavra e testemunhas com o exemplo, eles sabem promover uma renovação eclesial estável e profunda, porque eles mesmos são profundamente renovados, estão em contacto com a verdadeira novidade: a presença de Deus no mundo. Esta realidade consoladora, ou seja, que em cada geração nascem santos e trazem a criatividade da renovação, acompanha constantemente a história da Igreja no meio das tristezas e dos aspectos negativos do seu caminho. Com efeito, século após século vemos nascer também as forças da reforma e da renovação, porque a novidade de Deus é inexorável e dá sempre nova força para ir em frente. Assim aconteceu também no século XIII, com o nascimento e o desenvolvimento extraordinário das Ordens Mendicantes: um modelo de grande renovação numa nova época histórica. Elas foram chamadas assim, pela sua característica de "mendigar", ou seja, de recorrer humildemente ao sustento económico das pessoas para viver o voto da pobreza e desempenhar a sua missão evangelizadora. Das Ordens Mendicantes que surgiram naquele período, as mais famosas e as mais importantes são os Frades Menores e os Padres Pregadores, conhecidos como Franciscanos e Dominicanos. Eles foram chamados assim pelo nome dos seus Fundadores, respectivamente Francisco de Assis e Domingos de Guzman. Estes dois grandes Santos tiveram a capacidade de ler com inteligência "os sinais dos tempos", intuindo os desafios que a Igreja do seu tempo devia enfrentar.

Um primeiro desafio era representado pela expansão de vários grupos e movimentos de fiéis que, embora inspirados por um desejo legítimo de vida cristã autêntica, se punham com frequência fora da comunhão eclesial. Estavam em profunda oposição com a Igreja rica e bonita que se tinha desenvolvido precisamente com o florescimento do monaquismo. Nas recentes Catequeses reflecti sobre a comunidade monástica de Cluny, que atraía cada vez mais jovens e portanto forças vitais, assim como bens e riquezas. Logicamente, num primeiro momento desenvolveu-se assim uma Igreja rica de propriedades e inclusive de imóveis. A esta Igreja opôs-se a ideia de que Cristo veio à terra pobre e que a verdadeira Igreja deveria ser precisamente a Igreja dos pobres; assim, o desejo de uma verdadeira autenticidade cristã opôs-se à realidade da Igreja empírica. Trata-se dos chamados movimentos pauperistas da Idade Média. Eles contestavam asperamente o modo de viver dos sacerdotes e dos monges dessa época, acusados de ter traído o Evangelho e de não praticar a pobreza como os primeiros cristãos, e estes movimentos opuseram ao ministério dos Bispos uma sua "hierarquia paralela". Além disso, para justificar as próprias escolhas, difundiram doutrinas incompatíveis com a fé católica. Por exemplo, o movimento dos Cátaros ou Albigenses voltou a propor antigas heresias, como a desvalorização e o desprezo do mundo material – a oposição contra a riqueza torna-se rapidamente oposição contra a realidade material enquanto tal – a negação da vontade livre, e depois o dualismo, a existência de um segundo princípio do mal equiparado com Deus. Estes movimentos tiveram sucesso, especialmente na França e na Itália, não só pela sua organização sólida, mas também porque denunciavam uma desordem real na Igreja, causada pelo comportamento pouco exemplar de vários representantes do clero.

Na esteira dos seus Fundadores, os Franciscanos e os Dominicanos mostraram, ao contrário, a verdade do Evangelho como tal, sem se separar da Igreja; mostraram que a Igreja permanece o verdadeiro e autêntico lugar do Evangelho e da Escritura. Aliás, Domingos e Francisco hauriram a força do seu testemunho precisamente da sua comunhão com a Igreja e com o papado. Com uma escolha totalmente original na história da vida consagrada, os Membros destas Ordens não só renunciavam à posse de bens pessoais, como faziam os mongens desde a antiguidade, mas nem sequer queriam que terrenos e bens imóveis passassem para o nome da comunidade. Assim tencionavam dar testemunho de uma vida extremamente sóbria, para ser solidários com os pobres e confiar apenas na Providência, viver todos os dias da Providência, da confiança de se colocar nas mãos de Deus. Este estilo pessoal e comunitário das Ordens Mendicantes, unido à adesão total ao ensinamento da Igreja e à sua autoridade, foi muito apreciado pelos Pontífices dessa época, como Inocêncio III e Honório III, que ofereceram o seu pleno apoio a estas novas experiências eclesiais, reconhecendo nelas a voz do Espírito. E os frutos não faltaram: os grupos pauperistas que se tinham separado da Igreja voltaram a entrar na comunhão eclesial ou, lentamente, redimensionaram-se até desaparecer. Também hoje, embora vivamos numa sociedade em que muitas vezes prevalece o "ter" sobre o "ser", somos muito sensíveis aos exemplos de pobreza e de solidariedade, que os crentes oferecem com opções intrépidas. Também hoje não faltam iniciativas semelhantes: os movimentos, que começam realmente a partir da novidade do Evangelho e vivem-no com radicalidade no hoje, colocando-se nas mãos de Deus, para servir o próximo. O mundo, como recordava Paulo VI na Evangelii nuntiandi, ouve de bom grado os mestres, quando eles são também testemunhas. Trata-se de uma lição que nunca pode ser esquecida na obra de difusão do Evangelho: viver primeiro aquilo que se anuncia, ser espelho da caridade divina.

Franciscanos e Dominicanos foram testemunhas, mas inclusive mestres. Com efeito, outra exigência difundida na sua época era a da educação religiosa. Não poucos fiéis leigos, que habitavam nas cidades em vias de grande expansão, desejavam praticar uma vida cristã espiritualmente intensa. Portanto, procuravam aprofundar o conhecimento da fé e ser orientados no árduo mas entusiasmante caminho da santidade. Felizmente, as Ordens Mendicantes souberam ir ao encontro também desta necessidade: o anúncio do Evangelho na simplicidade e na sua profundidade e grandeza erra uma finalidade, talvez a finalidade principal deste movimento. Efectivamente, dedicaram-se à pregação com grande zelo. Os fiéis eram muito numerosos, com frequência verdadeiras multidões, que se congregavam para ouvir os pregadores nas igrejas e nos lugares ao ar livre, pensemos por exemplo em Santo Agostinho. Tratavam-se temas próximos da vida das pessoas, sobretudo a prática das virtudes teologais e morais, com exemplos concretos, facilmente compreensíveis. Além disso, ensinavam-se formas para alimentar a vida de oração e de piedade. Por exemplo, os Franciscanos difundiram muito a devoção à humanidade de Cristo, com o compromisso de imitar o Senhor. Então, não surpreende o facto de que os fiéis eram numerosos, homens e mulheres que escolhiam fazer-se acompanhar no caminho cristão por frades Franciscanos e Dominicanos, directores espirituais e confessores procurados e estimados. Assim nasceram associações de fiéis leigos que se inspiravam na espiritualidade de São Francisco e de São Domingos, adaptada à sua condição de vida. Trata-se da Terceira Ordem, tanto franciscana como dominicana. Por outros termos, a proposta de uma "santidade laica" conquistou muitas pessoas. Como recordou o Concílio Ecuménico Vaticano II, o chamamento à santidade não está reservado a alguns, mas é universal (cf. Lumen gentium, 40). Em todas as condições de vida, segundo as exigências de cada uma delas, encontra-se a possibilidade de viver o Evangelho. Também hoje cada cristão deve tender para a "medida alta da vida cristã", seja qual for a condição de vida a que pertence!

A importância das Ordens Mendicantes aumentou tanto na Idade Média, que Instituições laicas, com as organizações do trabalho, as antigas corporações e as próprias autoridades civis recorriam com frequência aos conselhos espirituais dos Membros de tais Ordens para a redacção dos seus regulamentos e, às vezes, para a solução de contrastes internos ou externos. Os Franciscanos e os Dominicanos tornaram-se os animadores espirituais da cidade medieval. Com grande intuição, eles puseram em acção uma estratégia pastoral adequada às transformações da sociedade. Dado que muitas pessoas se transferiam dos campos para as cidades, eles construíram os seus conventos já não em áreas rurais, mas urbanas. Além disso, para desempenhar a sua actividade em benefício das almas, era necessário deslocar-se em conformidade com as exigências pastorais. Com outra escolha totalmente inovativa, as Ordens Mendicantes abandonaram o princípio de estabilidade, clássico do monaquismo antigo, para escolher outro modo. Menores e Pregadores viajavam de um lugar para outro, com fervor missionário. Por conseguinte, organizaram-se de modo diverso em relação à maior parte das Ordens monásticas. No lugar da autonomia tradicional de que gozava cada mosteiro, eles deram mais importância à Ordem enquanto tal e ao Superior-Geral, bem como à estrutura das províncias. Assim os Mendicantes estavam mais dispostos às exigências da Igreja Universal. Esta flexibilidade tornou possível o envio dos frades mais preparados para o cumprimento de missões específicas e as Ordens Mendicantes chegaram à África setentrional, ao Médio Oriente e ao Norte da Europa. Com esta flexibilidade, o dinamismo missionário foi renovado.

Outro grande desafio era representado pelas transformações culturais em curso naquele período. Novas questões estimularam o debate nas universidades, que nasceram no final do século XII. Menores e Pregadores não hesitaram em assumir também este compromisso e, como estudantes e professores, entraram nas universidades mais famosas dessa época, erigiram centros de estudos, produziram textos de grande valor, deram vida a verdadeiras escolas de pensamento, foram protagonistas da teologia escolástica no seu período melhor e incidiram significativamente no desenvolvimento do pensamento. Os maiores pensadores, S. Tomás de Aquino e São Boaventura, eram mendicantes e trabalharam precisamente com este dinamismo na nova evangelização, que renovou também a coragem do pensamento, do diálogo entre razão e fé. Também hoje existe uma "caridade da e na verdade", uma "caridade intelectual" a exercer, para iluminar as inteligências e conjugar a fé com a cultura. Caros fiéis, o compromisso assumido pelos Franciscanos e pelos Dominicanos nas universidades medievais é um convite a tornar-se presente nos lugares de elaboração do saber, para propor, com respeito e convicção, a luz do Evangelho sobre as questões fundamentais que se referem ao homem, à sua dignidade e ao seu destino eterno. Pensando no papel dos Franciscanos e Dominicanos na Idade Média, na renovação espiritual que suscitaram, no sopro de vida nova que comunicaram no mundo, um monge disse: "Naquela época o mundo envelhecia. Surgiram duas Ordens na Igreja, cuja juventude renovaram, como a de uma águia" (Burchard d'Ursperg, Chronicon).

Estimados irmãos e irmãs, invoquemos precisamente no início deste ano o Espírito Santo, eterna juventude da Igreja: ele faça com que todos sintam a urgência de oferecer um testemunho coerente e corajoso do Evangelho, a fim de que nunca faltem santos, que façam resplandecer a Igreja como esposa sempre pura e bela, sem manchas nem rugas, capaz de atrair irresistivelmente o mundo para Cristo, para a sua salvação.

Audiência de 13 de janeiro de 2010.

Sábado, 02 Outubro 2010 17:31

Munus Docendi - Catequese do Papa Bento XVI

Munus docendi

Queridos amigos!

Neste período pascal, que nos guia ao Pentecostes e nos prepara também para as celebrações de encerramento do Ano sacerdotal, que terão lugar nos dias 9, 10 e 11 de Junho próximo, apraz-me dedicar ainda algumas reflexões ao tema do Ministério ordenado, detendo-me sobre a realidade fecunda da configuração do sacerdote com Cristo Cabeça, no exercício dos tria munera que recebe, isto é, dos três ofícios de ensinar, santificar e governar.

Para entender o que significa agir in persona Christi Capitis – na pessoa de Cristo Cabeça por parte do sacerdote, e para compreender inclusive quais consequências derivam da tarefa de representar o Senhor, especialmente no exercício destes três ofícios, antes de tudo é preciso esclarecer o que se entende por "representação". O sacerdote representa Cristo. O que quer dizer, o que significa "representar" alguém? Na linguagem comum, quer dizer geralmente receber uma delegação de uma pessoa para estar presente no seu lugar, falar e agir no seu lugar, porque quem é representado está ausente da acção concreta. Perguntamo-nos: o sacerdote representa o Senhor do mesmo modo? A resposta é não, porque na Igreja Cristo nunca está ausente, a Igreja é o seu corpo vivo e a Cabeça da Igreja é Ele, presente e em acção nela. Cristo nunca está ausente, aliás está presente de um modo totalmente livre dos limites de espaço e tempo, graças ao evento da Ressurreição, que contemplamos de maneira especial neste período de Páscoa.

Portanto, o sacerdote que age in persona Christi Capitis e em representação do Senhor, nunca age em nome de um ausente, mas na própria Pessoa de Cristo Ressuscitado, que se torna presente com a sua acção realmente eficaz. Age de facto e realiza o que o sacerdote não poderia fazer: a consagração do vinho e do pão para que sejam realmente presença do Senhor, a absolvição dos pecados. O Senhor torna presente a sua própria acção na pessoa que realiza tais gestos. Estas três tarefas do sacerdote que a Tradição identificou nas diversas palavras de missão do Senhor: ensinar, santificar e governar na sua distinção e profunda unidade são uma especificação desta representação eficaz. São na verdade as três acções do Cristo Ressuscitado, o mesmo que hoje na Igreja e no mundo ensina e assim cria fé, reúne o seu povo, cria presença da verdade e constrói realmente a comunhão da Igreja universal; e santifica e guia.

A primeira tarefa sobre a qual gostaria de falar hoje é o munus docendi, isto é, ensinar. Hoje, em plena emergência educativa, o munus docendi da Igreja, exercido concretamente através do ministério de cada sacerdote, resulta particularmente importante. Vivemos numa grande confusão acerca das escolhas fundamentais da nossa vida e das interrogações sobre o que é o mundo, de onde vimos, para onde vamos, o que devemos fazer para fazer o bem, como devemos viver, quais são os valores realmente pertinentes. Em relação a tudo isto existem muitas filosofias contrastantes, que nascem e desaparecem, criando confusão sobre as decisões fundamentais, como viver, porque já não sabemos, comummente, do que e para que somos feitos e para onde vamos. Nesta situação realiza-se a palavra do Senhor, que teve compaixão da multidão porque eram como ovelhas sem pastor (cf. Mc 6, 34). O Senhor tinha feito esta constatação quando viu os milhares de pessoas que o seguiam no deserto porque, na diversidade das correntes daquele tempo, já não sabiam qual fosse o verdadeiro sentido da Escritura, o que dizia Deus. O Senhor, movido pela compaixão, interpretou a palavra de Deus, ele mesmo é a palavra de Deus, e assim deu uma orientação. Esta é a função in persona Christi do sacerdote: tornar presente, na confusão e na desorientação dos nossos tempos, a luz da palavra de Deus, a luz que é o próprio Cristo neste nosso mundo. Por conseguinte, o sacerdote não ensina as próprias ideias, uma filosofia que ele mesmo inventou, encontrou ou que gosta; o sacerdote não fala de si mesmo, não fala por si mesmo, talvez para criar admiradores ou um partido próprio; não diz coisas próprias, invenções suas mas, na confusão de todas as filosofias, o sacerdote ensina em nome de Cristo presente, propõe a verdade que é o próprio Cristo, a sua palavra, o seu modo de viver e de ir em frente. Para o sacerdote vale o que Cristo disse sobre si mesmo: "A minha doutrina não é minha" (Jo 7, 16); isto é, Cristo não se propõe a si mesmo, mas, como Filho, é a voz, a palavra do Pai. Também o sacerdote deve sempre dizer e agir assim: "a minha doutrina não é minha, não difundo as minhas ideias ou o que me agrada, mas são boca e coração de Cristo e torno presente esta única e comum doutrina, que criou a Igreja universal e que cria vida eterna".

Este facto, que o sacerdote não inventa, não cria e não proclama ideias próprias porque a doutrina que anuncia não é sua, mas de Cristo, por outro lado, não significa que ele seja neutro, quase como um porta-voz que lê um texto do qual, talvez, nem se apropria. Também neste caso, vale o modelo de Cristo, que disse: Eu não sou para mim e não vivo para mim, mas venho do Pai e vivo para o Pai. Portanto, nesta identificação profunda, a doutrina de Cristo é a do Pai e Ele mesmo é um só com o Pai. O sacerdote que anuncia a palavra de Cristo, a fé da Igreja e não as próprias ideias, deve dizer também: Eu não vivo por mim e para mim, mas vivo com Cristo e para Cristo e portanto tudo aquilo que Cristo nos disse torna-se a minha palavra não obstante não seja minha. A vida do sacerdote deve identificar-se com Cristo e, deste modo, a palavra não própria torna-se, contudo, uma palavra profundamente pessoal. Santo Agostinho, sobre este tema, falando acerca dos sacerdotes, disse: "E nós o que somos? Ministros (de Cristo), seus servidores; porque o que distribuímos a vós não é nosso, mas tiramo-lo da sua despensa. E inclusive nós vivemos dela, porque somos servos como vós" (Discurso 229/e, 4).

O ensinamento que o sacerdote é chamado a oferecer, as verdades da fé, devem ser interiorizadas e vividas num intenso caminho espiritual pessoal, de forma que realmente o sacerdote entre numa profunda, interior comunhão com o próprio Cristo. O sacerdote crê, acolhe e procura viver, antes de tudo como próprio, quanto o Senhor ensinou e a Igreja transmitiu, naquele percurso de identificação com o próprio ministério do qual São João Maria Vianney é testemunha exemplar (cf. Carta para a proclamação do Ano sacerdotal). "Unidos na mesma caridade afirma ainda Santo Agostinho todos somos auditores daquele que é para nós no céu o único Mestre" (Enarr. in Ps. 131, 1, 7).

Por conseguinte, com frequência a voz do sacerdote poderia parecer "a de um que grita no deserto" (Mc 1, 3), mas exactamente nisto consiste a sua força profética: em nunca ser homologado, nem homologável, a alguma cultura ou mentalidade dominante, mas em mostrar a única novidade capaz de produzir uma autêntica e profunda renovação do homem, ou seja, que Cristo é o Vivente, é o Deus próximo, o Deus que age na vida e para a vida do mundo e nos doa a verdade, o modo de viver.

Na preparação atenta da pregação festiva, sem excluir a dos dias úteis, no esforço de formação catequética, nas escolas, nas instituições académicas e, de modo especial, através daquele livro não escrito que é a própria vida, o sacerdote é sempre "professor", ensina. Mas não com a presunção de quem impõe as próprias verdades, mas com a humilde e jubilosa certeza de quem encontrou a Verdade, foi capturado e transformado por ela, e por conseguinte não pode deixar de a anunciar. Com efeito, ninguém pode escolher o sacerdócio por si mesmo, não é um modo para alcançar a segurança na vida, para conquistar uma posição social: ninguém pode obtê-lo nem procurá-lo sozinho. O sacerdócio é resposta ao chamamento do Senhor, à sua vontade, para se tornar anunciadores não de uma verdade pessoal, mas da sua verdade.

Queridos irmãos sacerdotes, o Povo cristão pede para escutar dos nossos mestres a genuína doutrina eclesial, através da qual se possa renovar o encontro com Cristo que doa a alegria, a paz e a salvação. A Sagrada Escritura, os escritos dos Padres e dos Doutores da Igreja e o Catecismo da Igreja Católica constituem, a este propósito, pontos de referência imprescindíveis no exercício do munus docendi, tão essencial para a conversão, o caminho de fé e a salvação dos homens. "Ordenação sacerdotal significa: estar imersos (...) na Verdade" (Homilia da Missa Crismal, 9 de Abril de 2009), aquela Verdade que não é simplesmente um conceito ou um conjunto de ideias a transmitir e assimilar, mas que é a Pessoa de Cristo, com a qual, pela qual e na qual viver e assim, necessariamente, nasce também a actualidade e a compreensão do anúncio. Só esta consciência de uma Verdade feita Pessoa na Encarnação do Filho justifica o mandato missionário: "Ide pelo mundo inteiro e anunciai a Boa Nova a toda a humanidade" (Mc 15, 16). Só se se trata da Verdade ela está destinada a toda a humanidade, não é uma imposição de algo, mas a abertura do coração àquilo pelo qual se foi criado.

Queridos irmãos e irmãs, o Senhor confiou aos Sacerdotes uma grande tarefa: ser anunciadores da Sua Palavra, da Verdade que salva; ser a sua voz no mundo para levar aquilo que beneficia o bem verdadeiro das almas e o autêntico caminho de fé (cf. 1 Cor 6, 12). São João Maria Vianney seja exemplo para todos os Sacerdotes. Ele era homem de grande sabedoria e heróica força ao resistir às pressões culturais e sociais do seu tempo para poder guiar as almas para Deus: simplicidade, fidelidade e proximidade eram as características essenciais da sua pregação, transparência da sua fé e da sua santidade. O Povo cristão era edificado e, como acontece para os autênticos mestres de todos os tempos, reconhecia nele a luz da Verdade. Em definitiva, reconhecia nele o que se deveria reconhecer sempre num sacerdote: a voz do Bom Pastor.

Audiência de 14 de abril de 2010.

Fonte: www.vatican.va

Munus sanctificandi

Prezados irmãos e irmãs!

No domingo passado, na minha Visita Pastoral a Turim, tive a alegria de me deter em oração diante do Santo Sudário, unindo-me aos mais de dois milhões de peregrinos que, durante a solene Ostensão destes dias, puderam contemplá-lo. Aquele santo Pano pode nutrir e alimentar a fé e revigorar a piedade cristã, porque encoraja a orientar-se para o Rosto de Cristo, para o Corpo de Cristo crucificado e ressuscitado, a fim de contemplar o Mistério pascal, centro da Mensagem cristã. Do Corpo de Cristo ressuscitado, vivo e activo na história (cf. Rm 12, 5) nós, queridos irmãos e irmãs, somos membros vivos, cada qual segundo a própria função, ou seja, com a tarefa que o Senhor quis confiar-nos. Hoje, nesta catequese, gostaria de reflectir de novo sobre as tarefas específicas dos sacerdotes que, segundo a tradição, são essencialmente três:  ensinar, santificar e governar. Numa das catequeses precedentes falei sobre a primeira destas três missões:  o ensino, o anúncio da verdade, o anúncio do Deus revelado em Cristo, ou – com outras palavras – a tarefa profética de pôr o homem em contacto com a verdade, de ajudá-lo a conhecer o essencial da sua vida, da própria realidade.

Hoje, gostaria de reflectir brevemente convosco sobre a segunda tarefa que o sacerdote tem, a de santificar os homens, sobretudo mediante os Sacramentos e o culto da Igreja. Aqui devemos perguntar-nos antes de tudo:  o que quer dizer a palavra "Santo"? A resposta é:  "Santo" é a qualidade específica do ser de Deus, ou seja, absoluta verdade, bondade, amor e beleza – luz pura. Portanto, santificar uma pessoa significa colocá-la em contacto com Deus, com este seu ser luz, verdade, amor puro. É óbvio que este contacto transforma a pessoa. Na antiguidade havia esta firme convicção:  ninguém pode ver Deus, sem morrer imediatamente. A força da verdade e da luz é demasiado grande! Se o homem toca esta corrente absoluta, não sobrevive. Por outro lado, havia também esta convicção:  sem um contacto mínimo com Deus, o homem não pode viver. Verdade, bondade e amor são condições fundamentais do seu ser. A questão é:  como pode o homem encontrar aquele contacto com Deus, que é fundamental, sem morrer esmagado pela grandeza do ser divino? A fé da Igreja diz-nos que o próprio Deus cria este contacto, que nos transforma gradualmente em verdadeiras imagens de Deus.

Assim, chegamos de novo à tarefa do sacerdote de "santificar". Nenhum homem por si mesmo, a partir da sua própria força, pode pôr o outro em contacto com Deus. Uma parte essencial da graça do sacerdócio é o dom, a tarefa de criar este contacto. Isto realiza-se no anúncio da palavra de Deus, na qual a sua luz vem ao nosso encontro. Realiza-se de um modo particularmente denso nos Sacramentos. A imersão no Mistério pascal de morte e ressurreição de Cristo verifica-se no Baptismo, é revigorada na Confirmação e na Reconciliação, é alimentada pela Eucaristia, Sacramento que edifica a Igreja como Povo de Deus, Corpo de Cristo, Templo do Espírito Santo (cf. João Paulo II, Exortação Apostólica Pastores gregis, 32). Portanto, é o próprio Cristo que santifica, ou seja, que nos atrai para a esfera de Deus. Mas como acto da sua misericórdia infinita chama alguns a "permanecer" com Ele (crf. Mc 3, 14) e a tornar-se, mediante o Sacramento da Ordem, não obstante a pobreza humana, partícipes do seu próprio Sacerdócio, ministros desta santificação, dispensadores dos seus mistérios, "pontes" do encontro com Ele, da sua mediação entre Deus e os homens, e entre os homens e Deus (cf. Presbyterorum ordinis, 5).

Nas últimas décadas, houve tendências orientadas para fazer prevalecer, na identidade e na missão do sacerdote, a dimensão do anúncio, desligando-a daquela da santificação; afirmou-se muitas vezes que seria necessário superar uma pastoral meramente sacramental. Mas é possível exercer de forma autêntica o Ministério sacerdotal, "superando" a pastoral sacramental? O que significa propriamente para os sacerdotes evangelizar, em que consiste a chamada primazia do anúncio? Como narram os Evangelhos, Jesus afirma que o anúncio do Reino de Deus é a finalidade da sua missão; porém, este anúncio não é apenas um "discurso" mas inclui, ao mesmo tempo, o seu próprio agir; os sinais, os milagres que Jesus realiza, indicam que o Reino vem como realidade presente e que no final coincide com a sua própria pessoa, com o dom de si, como ouvimos hoje na leitura do Evangelho. E o mesmo é válido para o ministro ordenado:  ele, o sacerdote, representa Cristo, o Enviado do Pai e continua a sua missão, mediante a "palavra" e o "sacramento", nesta totalidade de corpo e alma, de sinal e palavra. Santo Agostinho, numa carta enviada ao Bispo Honorato de Tiabes, referindo-se aos sacerdotes, afirma:  "Portanto, os servos de Cristo, os ministros da palavra e do Seu sacramento façam aquilo que Ele ordenou ou permitiu" (Epist. 228, 2). É necessário reflectir se, em certos casos, o facto de ter subestimado o exercício fiel do munus sanctificandi, não representou talvez uma debilitação da própria fé na eficácia salvífica dos Sacramentos e, de modo definitivo, na obra actual de Cristo e do seu Espírito, através da Igreja, no mundo.

Portanto, quem salva o mundo e o homem? A única resposta que podemos dar é:  Jesus de Nazaré, Senhor e Cristo, crucificado e ressuscitado. E onde se actualiza o Mistério da morte e ressurreição de Cristo, que traz a salvação? Na acção de Cristo, mediante a Igreja, de modo particular no Sacramento da Eucaristia, que torna presente a oferenda sacrifical redendora do Filho de Deus, no Sacramento da Reconciliação, em que da morte do pecado se volta à vida nova, e em todos os outros actos sacramentais de santificação (cf. Presbyterorum ordinis, 5). Portanto, é importante promover uma catequese adequada para ajudar os fiéis a compreender o valor dos Sacramentos, mas é igualmente necessário, a exemplo do Santo Cura d'Ars, estarmos disponíveis, sermos generosos e atentos a transmitir aos irmãos os tesouros de graça que Deus depositou nas nossas mãos, e dos quais não somos os "senhores", mas guardiães e administradores. Sobretudo neste nosso tempo em que, por um lado, parece que a fé se vai debilitando e, por outro, sobressaem uma profunda necessidade e uma difundida busca de espiritualidade, é necessário que cada sacerdote se recorde que na sua missão o anúncio missionário, o culto e os sacramentos nunca estão separados, e promova uma pastoral sacramental sadia, para formar o Povo de Deus e para o ajudar a viver plenamente a Liturgia, o culto da Igreja e os Sacramentos como dons gratuitos de Deus, gestos livres e eficazes da sua acção de salvação.

Como eu recordava na Santa Missa Crismal deste ano:  "O centro do culto da Igreja é o Sacramento. Sacramento significa que, em primeiro lugar, não somos nós homens que realizamos algo, mas é Deus que vem antes ao nosso encontro com o seu agir, que nos olha e nos conduz para junto de Si (...) Deus toca-nos por meio de realidades materiais (...) que Ele assume ao seu serviço, transformando-as em instrumentos do encontro entre nós e Ele mesmo" (Homilia na Santa Missa Crismal, 1 de Abril de 2010). A verdade segundo a qual no Sacramento "não somos nós homens que realizamos algo" refere-se, e deve referir-se, também à consciência sacerdotal:  cada presbítero sabe bem que é um instrumento necessário para o agir salvífico de Deus, contudo é sempre instrumento. Tal consciência deve tornar-nos humildes e generosos na administração dos Sacramentos, no respeito pelas normas canónicas, mas também na profunda convicção de que a própria missão é fazer com que todos os homens, unidos a Cristo, possam oferecer-se a Deus como hóstia viva e santa do seu agrado (cf. Rm 12, 1). Acerca do primado do munus sanctificandi e da justa interpretação da pastoral sacramental, é novamente exemplar São João Maria Vianney que um dia, a um homem que dizia que não tinha fé e desejava discutir com ele, retorquiu:  "Oh, meu amigo, orientas-te muito mal, eu não sei raciocinar... mas se tiveres necessidade de alguma consolação, põe-te acolá... (o seu dedo indicava o inexorável banco [do confessionário] e, acredita-me, muitos outros se puseram ali antes de ti, e não se arrependeram" (cf. Monnin A., Il curato d'Ars. Vita di Gian-Battista-Maria Vianney, vol. I, Turim 1870, págs. 163-164).

Estimados sacerdotes, vivei com alegria e com amor a Liturgia e o culto:  é um gesto que o Ressuscitado cumpre no poder do Espírito Santo em nós, connosco e por nós. Gostaria de renovar o convite feito recentemente a "voltar ao confessionário, como lugar onde celebrar o Sacramento da Reconciliação, mas também como lugar onde "habitar" com mais frequência, para que o fiel possa encontrar misericórdia, sentir-se amado e compreendido por Deus e experimentar a presença da Misericórdia Divina ao lado da Presença real na Eucaristia" (Discurso à Penitenciaria Apostólica, 11 de Março de 2010). E quereria convidar também cada sacerdote a celebrar e viver com intensidade a Eucaristia, que está no coração da tarefa de santificar; é Jesus que quer estar connosco, viver em nós, doar-se-nos, mostrar-nos a misericórdia e a ternura infinitas de Deus; é o único Sacrifício de amor de Cristo que se torna presente, se realiza entre nós e chega até ao trono da Graça, à presença de Deus, abrange a humanidade e nos une a Ele (cf. Discurso ao Clero de Roma, 18 de Fevereiro de 2010). E o sacerdote está chamado a ser ministro deste grande Mistério, no Sacramento e na vida. Se "a grande tradição eclesial justamente desligou a eficácia sacramental da situação existencial concreta de cada sacerdote, e assim as legítimas expectativas dos fiéis são adequadamente salvaguardadas", isto em nada diminui "a necessária, aliás indispensável, tensão para a perfeição moral, que deve habitar em cada coração autenticamente sacerdotal":  há também um exemplo de fé e de testemunho de santidade, que o Povo de Deus justamente espera dos seus Pastores (cf. Bento XVI, Discurso à Plenária da Congregação para o Clero, 16 de Março de 2009). E é na celebração dos Santos Mistérios que o presbítero encontra a raiz da sua santificação (cf. Presbyterorum ordinis, 12-13).

Caros amigos, sede conscientes do grande dom que os sacerdotes são para a Igreja e para o mundo; através do seu ministério, o Senhor continua a salvar os homens, a tornar-se presente, a santificar. Sabei dar graças a Deus, e sobretudo estai próximos dos vossos sacerdotes com a oração e o apoio, de maneira especial nas dificuldades, a fim de que haja cada vez mais Pastores segundo o Coração de Deus. Obrigado!

Audiência da Quarta-feira, 05 de maio de 2010.

Fonte: www.vatican.va

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