Espiritualidade (74)
São Domingos de Gusmão - Catequese do Papa Bento XVI
Escrito por Trídia CriaçãoSão Domingos de Gusmão
Caros irmãos e irmãs
Na semana passada apresentei a figura luminosa de Francisco de Assis, e hoje gostaria de vos falar de outro santo que, na mesma época, ofereceu uma contribuição fundamental para a renovação da Igreja do seu tempo. Trata-se de São Domingos, fundador da Ordem dos Pregadores, também conhecidos como Padres Pregadores.
O seu sucessor na orientação da Ordem, Beato Jordão da Saxónia, oferece um retrato completo de São Domingos no texto de uma oração famosa: "Inflamado de zelo por Deus e de ardor sobrenatural, pela tua caridade sem confins e o fervor do espírito veemente, consagraste-te inteiramente com o voto da pobreza perpétua à observância apostólica e à pregação evangélica". É ressaltada precisamente esta característica fundamental do testemunho de Domingos: ele falava sempre com Deus e de Deus. Na vida dos santos, o amor pelo Senhor e pelo próximo, a busca da glória de Deus e da salvação das almas caminham sempre juntos.
Domingos nasceu em Caleruega, na Espanha, por volta de 1170. Pertencia a uma nobre família da Velha Castilha e, ajudado por um tio sacerdote, formou-se numa célebre escola de Palência. Distinguiu-se imediatamente pelo interesse no estudo da Sagrada Escritura e pelo amor aos pobres, a tal ponto que chegou a vender os livros, que na sua época constituíam um bem de grande valor, para socorrer com o lucro as vítimas de uma carestia.
Tendo sido ordenado sacerdote, foi eleito cónego do cabido da Catedral na sua Diocese de origem, Osma. Embora esta nomeação pudesse representar para ele algum motivo de prestígio na Igreja e na sociedade, ele não a interpretou como um privilégio pessoal, nem como o início de uma carreira eclesiástica brilhante, mas como um serviço a prestar com dedicação e humildade. Não é porventura uma tentação, a da carreira, do poder, uma tentação da qual não estão imunes nem sequer aqueles que desempenham um papel de animação e de governo na Igreja? Recordei-o há alguns meses, durante a consagração de alguns Bispos: "Não procuremos o poder, o prestígio e a estima para nós mesmos... Sabemos como as coisas na sociedade civil e, com frequência, também na Igreja sofrem pelo facto de que muitos deles, aos quais foi conferida uma responsabilidade, trabalham para si mesmos e não para a comunidade" (Homilia durante a Capela Papal para a Ordenação episcopal de cinco Excelentíssimos Prelados, 12 de Setembro de 2009).
O Bispo de Osma, que se chamava Diogo, um pastor verdadeiro e zeloso, observou depressa as qualidades espirituais de Domingos, e quis valer-se da sua colaboração. Juntos, partiram para o Norte da Europa a fim de realizar missões diplomáticas que lhes eram confiadas pelo rei de Castilha. Viajando, Domingos descobriu dois desafios enormes para a Igreja do seu tempo: a existência de povos ainda não evangelizados, nas extremidades setentrionais do continente europeu, e a laceração religiosa que debilitava a vida cristã no Sul da França, onde a acção de alguns grupos heréticos criava confusão e o afastamento da verdade da fé. A acção missionária a favor daqueles que não conheciam a luz do Evangelho e a obra de reevangelização das comunidades cristãs tornaram-se assim as metas apostólicas que Domingos se propôs alcançar. O Papa, que o Bispo Diogo e Domingos visitaram para pedir conselho, pediu a este último que se dedicasse à pregação aos Albigenses, um grupo herético que defendia uma concepção dualista da realidade, ou seja, com dois princípios criadores igualmente poderosos, o Bem e o Mal. Por conseguinte, este grupo desprezava a matéria como proveniente do princípio do mal, rejeitando até o matrimónio, chegando mesmo a negar a encarnação de Cristo, os sacramentos em que o Senhor nos "toca" através da matéria, e a ressurreição dos corpos. Os Albigenses apreciavam a vida pobre e austera – neste sentido, eram também exemplares – e criticavam a riqueza do Clero daquela época. Domingos aceitou com entusiasmo esta missão, que realizou precisamente com o exemplo da sua existência pobre e austera, com a pregação do Evangelho e com debates públicos. A esta missão de pregar a Boa Nova ele dedicou o resto da sua vida. Os seus filhos teriam realizado inclusive os outros sonhos de São Domingos: a missão ad gentes, ou seja, àqueles que ainda não conheciam Jesus, e a missão àqueles que viviam nas cidades, sobretudo nas universitárias, onde as novas tendências intelectuais eram um desafio para a fé dos cultos.
Este grande santo recorda-nos que no coração da Igreja deve sempre arder um fogo missionário, que impele incessantemente a fazer o primeiro anúncio do Evangelho e, onde for necessário, a uma nova evangelização: com efeito, Cristo é o bem mais precioso que os homens e as mulheres de todos os tempos e lugares têm o direito de conhecer e de amar! E é consolador ver que até na Igreja de hoje são muitos – pastores e fiéis leigos, membros de antigas ordens religiosas e de novos movimentos eclesiais – que com alegria despendem a sua vida por este ideal supremo: anunciar e testemunhar o Evangelho!
Depois, a Domingos de Gusmão uniram-se outros homens, atraídos pela mesma aspiração. Deste modo, progressivamente, da primeira fundação de Toulouse teve origem a Ordem dos Pregadores. Com efeito, Domingos em plena sintonia com as directrizes dos Papas do seu tempo, Inocêncio III, Honório III, adoptou a antiga Regra de Santo Agostinho, adaptando-a às exigências de vida apostólica que o levaram, bem como os seus companheiros, a pregar passando de um lugar para outro, mas depois voltando aos próprios conventos, lugares de estudo, oração e vida comunitária. De modo particular, Domingos quis dar relevo a dois valores considerados indispensáveis para o bom êxito da missão evangelizadora: a vida comunitária na pobreza e o estudo.
Antes de tudo, Domingos e os Padres Pregadores apresentavam-se como mendicantes, isto é, sem vastas propriedades de terrenos para administrar. Este elemento tornava-os mais disponíveis ao estudo e à pregação itinerante, e constituía um testemunho concreto para as pessoas. O governo interno dos conventos e das províncias dominicanas estruturou-se segundo o sistema de cabidos, que elegiam os seus próprios Superiores, sucessivamente confirmados pelos Superiores maiores; portanto, uma organização que estimulava a vida fraterna e a responsabilidade de todos os membros da comunidade, exigindo fortes convicções pessoais. A escolha deste sistema nascia precisamente do facto que os Dominicanos, como pregadores da verdade de Deus, tinham que ser coerentes com quanto anunciavam. A verdade estudada e compartilhada na caridade com os irmãos constitui o fundamento mais profundo da alegria. O Beato Jordão da Saxónia diz de São Domingos: "Ele acolhia cada homem no grande seio da caridade e, dado que amava todos, todos o amavam. Fez para si uma lei pessoal de se alegrar com as pessoas felizes e de chorar com aqueles que choravam" (Libellus de principiis Ordinis Praedicatorum autore Iordano de Saxonia, ed. H. C. Scheeben [Monumenta Historica Sancti Patris Nostri Dominici, Romae, 1935]).
Em segundo lugar, com um gesto intrépido, Domingos quis que os seus seguidores adquirissem uma formação teológica sólida e não hesitou em enviá-los às Universidades dessa época, embora não poucos eclesiásticos vissem com desconfiança estas instituições culturais. As Constituições da Ordem dos Pregadores atribuem muita importância ao estudo como preparação para o apostolado. Domingos queria que os seus Padres se dedicassem a isto sem poupar esforços, com diligência e piedade; um estudo fundado na alma de todo o saber teológico, ou seja, na Sagrada Escritura, e respeitador das interrogações formuladas pela razão. O desenvolvimento da cultura impõe àqueles que desempenham o ministério da Palavra, a vários níveis, que sejam bem preparados. Portanto exorto todos, pastores e leigos, a cultivar esta "dimensão cultural" da fé, a fim de que a beleza da verdade cristã possa ser melhor compreendida e a fé seja verdadeiramente alimentada, fortalecida e também defendida. Neste Ano sacerdotal, convido os seminaristas e os sacerdotes e estimar o valor espiritual do estudo. A qualidade do ministério sacerdotal depende também da generosidade com que se aplica ao estuo das verdades reveladas.
Domingos, que quis fundar uma Ordem religiosa de pregadores-teólogos, lembra-nos que a teologia tem uma dimensão espiritual e pastoral, que enriquece a alma e a vida. Os presbíteros, os consagrados e também todos os fiéis podem encontrar uma profunda "alegria interior" na contemplação da beleza da verdade que vem de Deus, verdade sempre actual e viva. O lema dos Padres Pregadores – contemplata aliis tradere – ajuda-nos a descobrir, além disso, um anseio pastoral no estudo contemplativo de tal verdade, pela exigência de comunicar aos outros o fruto da própria contemplação.
Quando Domingos faleceu, em 1221 em Bolonha, a cidade que o declarou padroeiro, a sua obra já tinha alcançado grande sucesso. A Ordem dos Pregadores, com o apoio da Santa Sé, difundiu-se em muitos países da Europa, em benefício da Igreja inteira. Domingos foi canonizado em 1234, e é ele mesmo que, com a sua santidade, nos indica dois meios indispensáveis a fim de que acção apostólica seja incisiva. Em primeiro lugar, a devoção mariana, que ele cultivou com ternura e deixou como herança preciosa aos seus filhos espirituais, que na história da Igreja tiveram o grande mérito de difundir a recitação do santo Rosário, tão querida ao povo cristão e tão rica de valores evangélicos, uma autêntica escola de fé e de piedade. Em segundo lugar Domingos, que assumiu o cuidado de alguns mosteiros femininos na França e em Roma, acreditou até ao fundo no valor da oração de intercessão pelo bom êxito do afã apostólico. Só no Paraíso compreenderemos quão eficazmente a oração das irmãs claustrais acompanham a obra apostólica! A cada uma delas dirijo o meu pensamento grato e carinhoso.
Estimados irmãos e irmãs, a vida de Domingos de Gusmão estimule todos nós a sermos fervorosos na oração, corajosos na vivência da fé e profundamente apaixonados por Jesus Cristo. Por sua intercessão, peçamos a Deus que enriqueça sempre a Igreja com autênticos pregadores do Evangelho.
Audiência de 3 de fevereiro de 2010.
Fonte: www.vatican.va
Santo Antônio de Pádua - Catequese do Papa Bento XVI
Escrito por Trídia CriaçãoSão Antônio de Pádua
Queridos irmãos e irmãs!
Há duas semanas apresentei a figura de São Francisco de Assis. Esta manhã gostaria de falar de outro santo pertencente à primeira geração dos Frades Menores: António de Pádua ou, como é também chamado, de Lisboa, referindo-se à sua cidade natal. Trata-se de um dos santos mais populares de toda a Igreja Católica, venerado não só em Pádua, onde foi construída uma maravilhosa Basílica que conserva os seus despojos mortais, mas em todo o mundo. São queridas aos fiéis as imagens e as imagens que o representam com o lírio, símbolo da sua pureza, ou com o Menino Jesus no colo, em recordação de uma milagrosa aparição mencionada por algumas fontes literárias.
António contribuiu de modo significativo para o desenvolvimento da espiritualidade franciscana, com os seus salientes dotes de inteligência, equilíbrio, zelo apostólico e, principalmente, fervor místico.
Nasceu em Lisboa numa família nobre, por volta de 1195, e foi baptizado com o nome de Fernando. Uniu-se aos cónegos que seguiam a regra monástica de Santo Agostinho, primeiro no mosteiro de São Vicente em Lisboa e, sucessivamente, no da Santa Cruz em Coimbra, famoso centro cultural de Portugal. Dedicou-se com interesse e solicitude ao estudo da Bíblia e dos Padres da Igreja, adquirindo aquela ciência teológica que fez frutificar na actividade do ensino e da pregação. Aconteceu em Coimbra o episódio que contribuiu para uma mudança decisiva na sua vida: ali, em 1220 foram expostas as relíquias dos primeiros cinco missionários franciscanos, que tinham ido a Marrocos, onde encontraram o martírio. A sua vicissitude fez nascer no jovem Fernando o desejo de os imitar e de progredir no caminho da perfeição cristã: então, pediu para deixar os Cónegos agostinianos e para se tornar Frade Menor. O seu pedido foi aceite e, tomando o nome de António, partiu também ele para Marrocos, mas a Providência divina dispôs de outro modo. Após uma doença, foi obrigado a partir para a Itália e, em 1221, participou no famoso "Capítulo das Esteiras" em Assis, onde encontrou também São Francisco. Em seguida, viveu algum tempo no escondimento total num convento de Forli, no norte da Itália, onde o Senhor o chamou para outra missão. Enviado, por circunstâncias totalmente casuais, a pregar por ocasião de uma ordenação sacerdotal, mostrou ser dotado de ciência e eloquência, e os Superiores destinaram-no à pregação. Começou assim na Itália e na França, uma actividade apostólica tão intensa e eficaz que induziu muitas pessoas que se tinham afastado da Igreja a reconsiderar a sua decisão. António foi também um dos primeiros mestres de teologia dos Frades Menores, ou até o primeiro. Iniciou o seu ensino em Bolonha, com a bênção de São Francisco, o qual, reconhecendo as virtudes de António, lhe enviou uma breve carta, que iniciava com estas palavras: "Agrada-me que ensines teologia aos frades". António lançou as bases da teologia franciscana que, cultivada por outras insignes figuras de pensadores, teria conhecido o seu ápice com São Boaventura de Bagnoregio e com o beato Duns Escoto.
Tornando-se Superior dos Frades Menores da Itália setentrional, continuou o ministério da pregação, alternando-o com as funções de governo. Concluído o cargo de Provincial, retirou-se para perto de Pádua, aonde já tinha ido outras vezes. Após um ano, faleceu nas portas da cidade, a 13 de Junho de 1231. Pádua, que o tinha acolhido com afecto e veneração durante a vida, tributou-lhe para sempre honra e devoção. O próprio Papa Gregório IX, que depois de o ter ouvido pregar o tinha definido "Arca do Testamento", canonizou-o só um ano depois da morte, em 1232, também após os milagres que se verificaram por sua intercessão.
No último período de vida, António pôs por escrito dois ciclos de "Sermões", intitulados respectivamente "Sermões dominicais" e "Sermões sobre os Santos", destinados aos pregadores e aos professores dos estudos teológicos da Ordem franciscana. Nestes Sermões ele comentava os textos da Escritura apresentados pela Liturgia, utilizando a interpretação patrístico-medieval dos quatro sentidos, o literal ou histórico, o alegórico ou cristológico, o antropológico ou moral, e o analógico, que orienta para a vida eterna. Hoje redescobre-se que estes sentidos são dimensões do único sentido da Sagrada Escritura e que é justo interpretar a Sagrada Escritura procurando as quatro dimensões da sua palavra. Estes Sermões de Santo António são textos teológico-homiléticos, que reflectem a pregação bíblica, na qual António propõe um verdadeiro itinerário de vida cristã. É tanta a riqueza de ensinamentos espirituais contida nos "Sermões", que o Venerável Papa Pio XII, em 1946, proclamou António Doutor da Igreja, atribuindo-lhe o título de "Doutor evangélico", porque desses escritos sobressai o vigor e a beleza do Evangelho; ainda hoje os podemos ler com grande proveito espiritual.
Nestes Sermões Santo António fala da oração como de uma relação de amor, que estimula o homem a dialogar docilmente com o Senhor, criando uma alegria inefável, que suavemente envolve a alma em oração. António recorda-nos que a oração precisa de uma atmosfera de silêncio que não coincide com o desapego do rumor externo, mas é experiência interior, que tem por finalidade remover as distracções causadas pelas preocupações da alma, criando o silêncio na própria alma. Segundo o ensinamento deste insigne Doutor franciscano, a oração é articulada em quatro atitudes indispensáveis que, no latim de António, são assim definidas: obsecratio, oratio, postulatio, gratiarum actio. Poderíamos traduzi-las do seguinte modo: abrir com confiança o próprio coração a Deus; é este o primeiro passo do rezar, não simplesmente colher uma palavra, mas abrir o coração à presença de Deus; depois, dialogar afectuosamente com Ele, vendo-o presente comigo; e depois muito natural apresentar-lhe as nossas necessidades; por fim, louvá-lo e agradecer-lhe.
Deste ensinamento de Santo António sobre a oração captamos uma das características específicas da teologia franciscana, da qual ele foi o iniciador, isto é, o papel atribuído ao amor divino, que entra na esfera dos afectos, da vontade, do coração, e que é também a fonte da qual brota uma consciência espiritual, que supera qualquer conhecimento. De facto, amando, conhecemos.
Escreve ainda António: "A caridade é a alma da fé, torna-a viva; sem o amor, a fé esmorece" (Sermomes Dominicales et Festivi II, Messaggero, Pádua 1979, p. 37).
Só uma alma que reza pode realizar progressos na vida espiritual: é este o objecto privilegiado da pregação de Santo António. Ele conhece bem os defeitos da natureza humana, a nossa tendência a cair no pecado, e portanto exorta a continuar a combater a inclinação da avidez, do orgulho, da impureza, e a praticar as virtudes da pobreza e da generosidade, da humildade e da obediência, da castidade e da pureza. No início do século XVIII, no contexto do renascimento das cidades e do florescer do comércio, crescia o número de pessoas insensíveis às necessidades dos pobres. Por este motivo, António convidou várias vezes os fiéis a pensar na verdadeira riqueza, a da cruz, que tornando bons e misericordiosos, faz acumular tesouros para o Céu. "Ó ricos assim exorta ele tornai-vos amigos... dos pobres, acolhei-os nas vossas casas: serão depois eles, os pobres, quem vos acolherão nos eternos tabernáculos, onde há a beleza da paz, a confiança da consciência, a opulenta tranquilidade da eterna saciedade" (Ibid., p. 29).
Não é porventura este, queridos amigos, um ensinamento muito importante também hoje, quando a crise financeira e os graves desequilíbrios económicos empobrecem não poucas pessoas, e criam condições de miséria? Na minha Encíclica Caritas in veritate recordo: "A economia tem necessidade da ética para o seu correcto funcionamento não de uma ética qualquer, mas de uma ética amiga da pessoa" (n. 45).
António, na escola de Francisco, coloca sempre Cristo no centro da vida e do pensamento, da acção e da pregação. Esta é outra característica típica da teologia franciscana: o cristocentrismo. Ela contempla benevolamente, e convida a contemplar, os mistérios da humanidade do Senhor, o homem Jesus, de modo particular, o mistério da Natividade, Deus que se fez Menino, se entregou nas nossas mãos: um mistério que suscita sentimentos de amor e de gratidão para com a bondade divina.
Por um lado a Natividade, ponto central do amor de Cristo pela humanidade, mas também a visão do Crucifixo inspira em António pensamentos de reconhecimento para com Deus e de estima pela dignidade da pessoa humana, de modo que todos, crentes e não-crentes, possam encontrar no Crucificado e na sua imagem um significado que enriquece a vida. Escreve Santo António: "Cristo, que é a tua vida, está pendurado diante de ti, para que tu olhes para a cruz como para um espelho. Nela poderás conhecer quanto mortais foram as tuas feridas, que nenhum remédio teria podido curar, a não ser o do sangue do Filho de Deus. Se olhares bem, poderás dar-te conta de como são grandes a tua dignidade humana e o teu valor... Em nenhum outro lugar o homem pode aperceber-se melhor do seu valor, a não ser olhando para o espelho da cruz" (Sermones Dominicales et Festivi III, pp. 213-214).
Meditando estas palavras podemos compreender melhor a importância da imagem do Crucifixo para a nossa cultura, para o nosso humanismo nascido da fé cristã. Precisamente olhando para o Crucifixo vemos, como diz Santo António, como é grande a dignidade humana e o valor do homem. Em nenhum outro ponto se pode compreender quanto o homem vale, precisamente porque Deus nos torna tão importantes, nos vê tão importantes, que somos, para Ele, dignos do seu sofrimento; assim, toda a dignidade humana aparece no espelho do Crucifixo e olhar em sua direcção é sempre fonte do reconhecimento da dignidade humana.
Queridos amigos, possa António de Pádua, tão venerado pelos fiéis, interceder pela Igreja inteira, e sobretudo por aqueles que se dedicam à pregação; oremos ao Senhor para que nos ajude a aprender um pouco desta arte de Santo António. Os pregadores, inspirando-se no seu exemplo, tenham a preocupação de unir doutrina sólida e sã, piedade sincera, incisiva na comunicação. Neste Ano sacerdotal, rezemos para que os sacerdotes e os diáconos desempenhem com solicitude este ministério de anúncio e de actualização da Palavra de Deus aos fiéis, sobretudo através das homilias litúrgicas. Sejam elas uma apresentação eficaz da eterna beleza de Cristo, precisamente como António recomendava: "Se pregas Jesus, Ele comove os corações duros; se o invocas, alivia das tentações amargas; se o pensas, ilumina o teu coração; se o lês, sacia-te a mente" (Sermones Dominicales et Festivi III, p. 59).
Audiência de 10 de fevereiro de 2010.
Fonte: www.vatican.va
Santo Alberto Magno - Catequese do Papa Bento XVI
Escrito por Trídia CriaçãoSanto Alberto Magno
Estimados irmãos e irmãs!
Um dos maiores mestres da teologia medieval é Santo Alberto Magno. O título de "grande" (magnus), com o qual ele passou para a história, indica a vastidão e a profundidade da sua doutrina, que ele associou à santidade da vida. Mas já os seus contemporâneos não hesitavam em atribuir-lhe títulos excelentes; um dos seus discípulos, Ulrico de Estrasburgo, definiu-o "enlevo e milagre da nossa época".
Nasceu na Alemanha, no início do século XIII, e ainda muito jovem partiu para a Itália, Pádua, sede de uma das mais famosas universidades da Idade Média. Dedicou-se ao estudo das chamadas "artes liberais": gramática, retórica, dialéctica, aritmética, geometria, astronomia e música, ou seja, da cultura geral, manifestando aquele interesse típico pelas ciências naturais, que depressa se teria tornado o campo predilecto da sua especialização. Durante a permanência em Pádua, frequentou a igreja dos Dominicanos, aos quais se uniu depois com a profissão dos votos religiosos. As fontes hagiográficas deixam compreender que Alberto amadureceu gradualmente esta decisão. A intensa relação com Deus, o exemplo de santidade dos Padres dominicanos, a escuta dos sermões do Beato Jordão da Saxónia, sucessor de São Domingos na chefia da Ordem dos Pregadores, foram os factores decisivos que o ajudaram a superar todas as dúvidas, vencendo também resistências familiares. Com frequência, nos anos da juventude, Deus fala-nos e indica-nos o desígnio da nossa vida. Como para Alberto, também para todos nós a oração pessoal alimentada pela Palavra do Senhor, a frequência dos Sacramentos e a direcção espiritual de homens iluminados são os meios para descobrir e seguir a voz de Deus. Recebeu o hábito religioso das mãos do Beato Jordão da Saxónia.
Depois da ordenação sacerdotal, os Superiores destinaram-no ao ensino em vários centros de estudos teológicos anexos aos conventos dos Padres Dominicanos. As brilhantes qualidades intelectuais permitiram-lhe aperfeiçoar o estudo da teologia na universidade mais célebre dessa época, a de Paris. A partir de então, Santo Alberto empreendeu aquela extraordinária actividade de escritor, que depois teria continuado durante toda a vida.
Foram-lhe confiadas tarefas prestigiosas. Em 1248, foi encarregado de abrir um estúdio teológico em Colónia, uma das capitais mais importantes da Alemanha, onde ele viveu durante vários períodos, e que se tornou a sua cidade de adopção. De Paris, levou consigo para Colónia um discípulo extraordinário, Tomás de Aquino. Só o mérito de ter sido mestre de S. Tomás seria suficiente para nutrir profunda admiração por Santo Alberto. Entre estes dois grandes teólogos instaurou-se um relacionamento de estima e amizade recíproca, atitudes humanas que contribuem muito para o desenvolvimento da ciência. Em 1254, Alberto foi eleito Provincial da "Provincia Teutoniae" – teutónica – dos Padres Dominicanos, que incluía comunidades difundidas num vasto território da Europa Central e do Norte. Ele distinguiu-se pelo zelo com que exerceu tal ministério, visitando as comunidades e exortando constantemente os irmãos de hábito à fidelidade, aos ensinamentos e aos exemplos de São Domingos.
Os seus dotes não passaram despercebidos ao Papa daquela época, Alexandre iv, que quis Alberto por um certo período ao seu lado em Anagni – aonde os Papas iam com frequência – também em Roma e em Viterbo, para se valer da sua consulta teológica. O mesmo Sumo Pontífice nomeou-o Bispo de Regensburg, uma diocese grande e famosa, que contudo se encontrava num momento difícil. De 1260 a 1262, Alberto desempenhou este ministério com dedicação incansável, conseguindo levar paz e concórdia à cidade, reorganizar paróquias e conventos, e dar um novo impulso às actividades caritativas.
Nos anos de 1263-1264 Alberto pregava na Alemanha e na Boémia, encarregado pelo Papa Urbano IV, para voltar depois para Colónia e retomar a sua missão de docente, estudioso e escritor. Dado que era um homem de oração, ciência e caridade, gozava de grande autoridade nas suas intervenções, em várias vicissitudes da Igreja e da sociedade do tempo: foi sobretudo homem de reconciliação e de paz em Colónia, onde o Arcebispo tinha entrado em dura oposição com as instituições municipais; prodigalizou-se durante a realização do II Concílio de Lião, em 1274, convocado pelo Papa Gregório X para favorecer a união entre as Igrejas latina e grega, depois da separação do grande cisma do Oriente, de 1054; ele esclareceu o pensamento de Tomás de Aquino, que tinha sido alvo de objecções e até de condenações, totalmente injustificáveis.
Faleceu na cela do seu convento da Santa Cruz em Colónia, em 1280, e foi imediatamente venerado pelos seus irmãos de hábito. A Igreja propô-lo ao culto dos fiéis com a beatificação, em 1622, e com a canonização, em 1931, quando o Papa Pio XI o proclamou Doutor da Igreja. Tratava-se de um reconhecimento indubitavelmente apropriado a este grande homem de Deus e insigne estudioso, não apenas das verdades da fé, mas de muitíssimos outros sectores do saber; com efeito, observando os títulos das suas numerosíssimas obras, damo-nos conta de que a sua cultura possui algo de prodigioso, e que os seus interesses enciclopédicos o levaram a ocupar-se não só de filosofia e de teologia, como outros contemporâneos, mas também de todas as outras disciplinas então conhecidas, da física à química, da astronomia à mineralogia, da botânica à zoologia. Por este motivo, o Papa Pio XII nomeou-o padroeiro dos cultores das ciências naturais e é chamado também "Doctor universalis", precisamente pela vastidão dos seus interesses e do seu saber.
Sem dúvida, os métodos científicos utilizados por Santo Alberto Magno não são aqueles que se teriam afirmado ao longo dos séculos seguintes. O seu método consistia simplesmente na observação, na descrição e na classificação dos fenómenos estudados, mas assim abriu a porta aos trabalhos futuros.
Ele ainda tem muito para nos ensinar. Sobretudo, Santo Alberto demonstra que entre fé e ciência não existe oposição, não obstante alguns episódios de incompreensão que se verificaram na história. Um homem de fé e de oração, como foi Santo Alberto Magno, pode cultivar tranquilamente o estudo das ciências naturais e progredir no conhecimento do microcosmos e do macrocosmos, descobrindo as leis próprias da matéria, porque tudo isto concorre para alimentar a sede e o amor de Deus. A Bíblia fala-nos da criação como da primeira linguagem através da qual Deus – que é suma inteligência, que é Logos – nos revela algo de si mesmo. O livro da Sabedoria, por exemplo, afirma que os fenómenos da natureza, dotados de grandeza e beleza, são como as obras de um artista, através das quais, por analogia, nós podemos conhecer o Autor da criação (cf. Sb 13, 5). Com uma similitude clássica na Idade Média e no Renascimento pode-se comparar o mundo natural com um livro escrito por Deus, que nós lemos com base nas diferentes abordagens das ciências (cf. Discurso aos participantes na Sessão Plenária da Pontifícia Academia das Ciências, 31 de Outubro de 2008). Com efeito, quantos cientistas, no sulco de Santo Alberto Magno, fizeram progredir as suas investigações inspirados pelo enlevo e pela gratidão diante do mundo que, aos seus olhos de estudiosos e de crentes, parecia e parece a obra boa de um Criador sábio e amoroso! O estudo científico transforma-se, então, num hino de louvor. Compreendeu-o bem um grande astrofísico dos nossos tempos, cuja causa de beatificação foi iniciada, Enrico Medi, que escreveu: "Oh, vós misteriosas galáxias... eu vejo-vos, calculo-vos, entendo-vos, estudo-vos e descubro-vos, penetro-vos e reúno-vos. De vós tomo a luz e dela faço ciência, tomo o movimento e faço dele sabedoria, tomo o brilho das cores e dele faço poesia; tomo-vos, a vós estrelas, nas minhas mãos e, tremendo na unidade do meu ser, elevo-vos acima de vós mesmas, e em oração apresento-vos ao Criador, que somente através de mim vós estrelas podeis adorar" (Le opere, Inno alla creazione).
Santo Alberto Magno recorda-nos que entre ciência e fé existe amizade, e que os homens de ciência podem percorrer, através da sua vocação para o estudo da natureza, um autêntico e fascinante percurso de santidade.
A sua extraordinária abertura de mente revela-se também uma realização cultural, que ele empreendeu com sucesso, ou seja, o acolhimento e a valorização do pensamento de Aristóteles. Com efeito, na época de Santo Alberto estava-se a difundir o conhecimento de numerosas obras deste grande filósofo grego, que viveu no século IV antes de Cristo, sobretudo no âmbito da ética e da metafísica. Elas demonstravam a força da razão, explicavam com lucidez e clareza o sentido e a estrutura da realidade, a sua inteligibilidade, o valor e a finalidade das obras humanas. Santo Alberto Magno abriu a porta para a recepção completa da filosofia de Aristóteles na filosofia e teologia medieval, uma recepção elaborada depois de modo definitivo por S. Tomás. Esta recepção de uma filosofia, digamos, pagã pré-cristã, foi uma autêntica revolução cultural para aquela época. E no entanto, muitos pensadores cristãos temiam a filosofia de Aristóteles, a filosofia não cristã, sobretudo porque ela, apresentada pelos seus comentadores árabes, tinha sido interpretada de modo que parecia, pelo menos sob alguns pontos, totalmente irreconciliável com a fé cristã. Isto é, apresentava-se um dilema: fé e razão estão em contraste entre si, ou não?
Eis um dos grandes méritos de Santo Alberto: com rigor científico, ele estudou as obras de Aristóteles, convencido de que tudo aquilo que é realmente racional é compatível com a fé revelada nas Sagradas Escrituras. Em síntese, Santo Alberto Magno contribuiu assim para a formação de uma filosofia autónoma, distinta da teologia e a ela vinculada só pela unidade da verdade. Assim nasceu, no século XIII, uma clara distinção entre estes dois saberes, filosofia e teologia que, em diálogo entre si, cooperam harmoniosamente para a descoberta da autêntica vocação do homem, sequioso de verdade e de bem-aventurança: e é sobretudo a teologia, definida por Santo Alberto "ciência afectiva", aquela que indica ao homem a sua vocação à alegria eterna, um júbilo que brota da plena adesão à verdade.
Santo Alberto foi capaz de comunicar estes conceitos de modo simples e compreensível. Autêntico filho de São Domingos, pregava de bom grado ao povo de Deus, que permanecia conquistado pela sua palavra e pelo exemplo da sua vida.
Caros irmãos e irmãs, oremos ao Senhor a fim de que na Igreja nunca venham a faltar teólogos doutos, piedosos e sábios, como Santo Alberto Magno, e ajude cada um de nós a fazer nossa a "fórmula da santidade" que ele seguiu na sua vida: "Desejar tudo aquilo que eu quero para a glória de Deus, como Deus deseja para a sua glória tudo o que Ele quer", ou seja, conformar-se sempre com a vontade de Deus para desejar e fazer tudo unicamente e sempre pela sua glória.
Audiência de 24 de março de 2010.
Fonte: www.vatican.va
São Leonardo Murialdo e São José Bento Cottolengo - Catequese do Papa Bento XVI
Escrito por Trídia CriaçãoSão Leonardo Murialdo e São José Bento Cottolengo
Queridos irmãos e irmãs!
Estamos a aproximar-nos da conclusão do Ano sacerdotal e, nesta última quarta-feira de Abril, gostaria de falar de dois santos sacerdotes, exemplares na sua entrega a Deus e no testemunho de caridade, vivida na Igreja e para a Igreja, pelos irmãos mais necessitados: São Leonardo Murialdo e São José Bento Cottolengo. Do primeiro recordamos os 110 anos da morte e os 40 anos da canonização; do segundo iniciaram as celebrações para o segundo centenário de Ordenação sacerdotal.
Murialdo nasceu em Turim, a 26 de Outubro de 1828: é a Turim de São João Bosco, do próprio São José Cottolengo, terra fecundada por tantos exemplos de santidade de fiéis leigos e de sacerdotes. Leonardo é o oitavo filho de uma família simples. Quando era criança, juntamente com o irmão, entrou no colégio dos Padres Escolápios de Savona para a escola primária, preparatória e secundária; aí encontrou educadores preparados, num clima de religiosidade fundado sobre uma catequese séria, com práticas de piedade regulares. Durante a adolescência viveu porém uma profunda crise existencial e espiritual que o levou a antecipar o regresso à família e a concluir os estudos em Turim, inscrevendo-se no biénio de filosofia. O "regresso à luz" aconteceu como ele narra depois de alguns meses, com a graça de uma confissão geral, na qual redescobriu a imensa misericórdia de Deus; amadureceu então, com 17 anos, a decisão de se fazer sacerdote, como resposta de amor a Deus que o tinha envolvido com o seu amor. Foi ordenado no dia 20 de Setembro de 1851. Precisamente naquele período, como catequista do Oratório do Anjo da Guarda, foi conhecido e estimado por Dom Bosco, que o convenceu a aceitar a gestão do novo Oratório de São Luís em Porta Nova, que ele geriu até 1865. Ali entrou em contacto com os graves problemas das classes mais pobres e visitou as suas casas, amadurecendo uma profunda sensibilidade social, educativa e apostólica, que o levou a dedicar-se autonomamente a múltiplas iniciativas a favor da juventude. Catequese, escola e actividades recreativas foram os fundamentos do seu método educativo no Oratório. Dom Bosco desejou novamente que ele estivesse ao seu lado por ocasião da audiência que lhe fora concedida pelo beato Pio IX em 1858.
Em 1873 fundou a Congregação de São José, cuja finalidade apostólica foi, deste o início, a formação da juventude, especialmente a mais pobre e abandonada. O ambiente turinês dessa época caracterizou-se pelo intenso florescimento de obras e de actividades caritativas promovidas por Murialdo até à sua morte, ocorrida no dia 30 de Março em 1900.
Apraz-me sublinhar que o núcleo da espiritualidade de Murialdo é a convicção do amor misericordioso de Deus: um Pai sempre bom, paciente e generoso, que revela a grandeza e a imensidão da sua misericórdia com o perdão. São Leonardo experimentou esta realidade não no plano intelectual, mas existencial, mediante o encontro vivo com o Senhor. Ele considerou-se sempre um homem abençoado por Deus misericordioso: por isso, viveu o sentido jubiloso da gratidão ao Senhor, a consciência tranquila do próprio limite, o desejo fervoroso de penitência, o compromisso constante e generoso de conversão. Ele via toda a sua existência não apenas iluminada, orientada e sustentada por este amor, mas continuamente imersa na misericórdia infinita de Deus. No seu Testamento espiritual ele escreveu: "A tua misericórdia circunda-me, ó Senhor... Como Deus está sempre e em toda a parte, assim também o amor se encontra sempre e em toda a parte, e a misericórdia está sempre e em toda a parte". Recordando o momento de crise que teve na juventude, anotava: "Eis que o bom Deus queria fazer resplandecer ainda a sua bondade e generosidade, de maneira totalmente singular. Ele não só me admitiu de novo na sua amizade, mas chamou-me a uma escolha de predilecção ao sacerdócio, e isto somente poucos meses depois do meu retorno para Ele". Por isso, São Leonardo viveu a vocação sacerdotal como dom gratuito da misericórdia de Deus, com sentido de reconhecimento, alegria e amor. Escreveu ainda: "Deus escolheu-me! Ele chamou-me, chegou até a obrigar-me à honra, à glória e à felicidade inefável de ser seu ministro, de ser "outro Cristo"... E onde eu estava, quando me procuraste, meu Deus? No fundo do abismo! Eu estava lá, e foi ali que Deus me veio procurar; ali fez-me ouvir a sua voz...".
Ressaltando a grandeza da missão do presbítero, que deve "continuar a obra da redenção, a grande obra de Jesus Cristo, a obra do Salvador do mundo", ou seja, de "salvar as almas", São Leonardo recordava sempre a si mesmo e aos irmãos de hábito a responsabilidade de uma vida coerente com o sacramento recebido. Amor de Deus e amor a Deus: foi esta a força do seu caminho de santidade, a lei do seu sacerdócio, o significado mais profundo do seu apostolado entre os jovens pobres e a fonte da sua oração. São Leonardo Murialdo abandonou-se com confiança à Providência, cumprindo generosamente a vontade divina, no contacto com Deus e dedicando-se aos jovens pobres. Deste modo, ele uniu o silêncio contemplativo com o ardor incansável da acção, a fidelidade aos deveres de cada dia com a genialidade das iniciativas, a força nas dificuldades com a tranquilidade do espírito. Este é o seu caminho de santidade para viver o mandamento do amor a Deus e ao próximo.
Com o mesmo espírito de caridade viveu, quarenta anos antes de Murialdo, São José Bento Cottolengo, fundador da obra por ele mesmo denominada "Pequena Casa da Providência Divina" e hoje chamada também "Cottolengo". No próximo domingo, na minha Visita pastoral a Turim, terei a ocasião de venerar os despojos deste Santo e de me encontrar com os hóspedes da "Pequena Casa".
José Bento Cottolengo nasceu em Bra, cidadezinha da província de Cuneo, a 3 de Maio de 1786. Primogénito de doze filhos, dos quais seis morreram em tenra idade, mostrou desde criança uma grande sensibilidade para com os pobres. Abraçou o caminho do sacerdócio, imitado também por dois irmãos. Os anos da sua juventude foram os da aventura napoleónica e das consequentes dificuldades nos campos religioso e social. Cottolengo tornou-se um bom sacerdote, procurado por muitos penitentes e, na Turim daquela época, pregador de exercícios espirituais e conferências junto dos estudantes universitários, onde tinha sempre um êxito notável. Com 32 anos de idade foi nomeado cónego da Santíssima Trindade, uma Congregação de sacerdotes que tinha a tarefa de celebrar na igreja do Corpus Domini e de conferir decoro às cerimónias religiosas da cidade, mas naquela situação ele sentia-se inquieto. Deus estava a prepará-lo para uma missão particular e, precisamente com um encontro inesperado e decisivo, fez-lhe compreender qual teria sido o seu futuro destino no exercício do ministério.
O Senhor põe sempre sinais no nosso caminho para nos orientar segundo a sua vontade rumo ao nosso verdadeiro bem. Para Cottolengo isto aconteceu, de modo dramático, na manhã de domingo 2 de Setembro de 1827. Proveniente de Milão, chegou a Turim a diligência, cheia como nunca, onde se encontrava apinhada uma inteira família francesa cuja esposa, com cinco filhos, estava em estado de gravidez avançada e com febre alta. Depois de ter passado por vários hospitais, a família encontrou alojamento num dormitório público, mas a situação para a mulher foi-se agravando e algumas pessoas puseram-se em busca de um sacerdote. Por um misterioso desígnio, cruzaram-se com Cottolengo e foi precisamente ele, com o coração amargurado e oprimido, que acompanhou essa jovem mãe até à morte, entre a angústia de toda a família. Depois de ter cumprido este doloroso dever, com o sofrimento no coração, foi diante do Santíssimo Sacramento e rezou: "Meu Deus, por quê? Por que quiseste que eu fosse uma testemunha? O que queres de mim? É necessário fazer algo!". Levantou-se, mandoubadalar todos os sinos, acendeu as velas e, recebendo os curiosos na igreja, disse: "A graça foi concedida!Agraça foi concedida!". A partir daquele momento, Cottolengo foi transformado: todas as suas capacidades, especialmente a sua habilidade económica e organizativa, foram utilizadas para dar vida a iniciativas em defesa dos mais necessitados.
Ele soube empenhar no seu empreendimento dezenas e dezenas de colaboradores e voluntários. Transferindo-se para a periferia de Turim, para ampliar a sua obra, criou uma espécie de povoado, no qual a cada edifício que conseguiu construir, atribuiu um nome significativo: "casa da fé", "casa da esperança", "casa da caridade". Pôs em acto o estilo das "famílias", constituindo verdadeiras comunidades de pessoas, voluntários e voluntárias, homens e mulheres, religiosos e leigos, unidos para enfrentar e superar em conjunto as dificuldades que se apresentavam. Cada um, naquela Pequena Casa da Providência Divina, tinha uma tarefa específica: alguns trabalhavam, outros rezavam, uns serviam, alguns educavam e outros ainda administravam. Pessoas sadias e doentes compartilhavam todas o mesmo peso da vida quotidiana. Também a vida religiosa se definiu no tempo, segundo as necessidades e as exigências particulares. Pensou também num seminário próprio, para uma formação específica dos sacerdotes da Obra. Estava sempre pronto a seguir e a servir a Providência Divina, nunca a interrogá-la. Dizia: "Sou inútil e nem sei o que faço. Porém, a Providência Divina certamente sabe o que quer. Quando a mim, cabe-me apenas secundá-la. Para a frente, in Domino". Para os seus pobres e mais necessitados, definir-se-á sempre "o operário da Providência Divina".
Ao lado das pequenas cidadelas quis fundar também cinco mosteiros de irmãs contemplativas e um de eremitas, e ali considerou entre as realizações mais importantes: uma espécie de "coração" que devia pulsar por toda a Obra. Faleceu a 30 de Abril de 1842, pronunciando estas palavras: "Misericordia, Domine; Misericordia, Domine. Boa e Santa Providência... Santa Virgem, agora é a vossa vez". A sua vida, como escreveu um jornal dessa época, tinha sido inteiramente "um intenso dia de amor".
Estimados amigos, estes dois santos sacerdotes, dos quais apresentei alguns traços, viveram o seu ministério no dom total da vida aos mais pobres, aos mais necessitados, aos últimos, encontrando sempre a raiz profunda, a fonte inesgotável da sua obra na relação com Deus, haurindo do seu amor, na profunda convicção de que não é possível exercer a caridade sem viver em Cristo e na Igreja. A sua intercessão e o seu exemplo continuem a iluminar o ministério de numerosos sacerdotes que se despendem com generosidade por Deus e pela grei que lhes foi confiada, e ajudem cada cada um a doar-se com alegria e magnanimidade a Deus e ao próximo.
Audiência de Quarta-feira, 28 de Abril de 2010.
Fonte: www.vatican.va
São Tomás de Aquino - 3 Catequeses do Papa Bento XVI
Escrito por Trídia CriaçãoSão Tomás de Aquino
Estimados irmãos e irmãs!
Depois de algumas catequeses a propósito do sacerdócio e das minhas últimas viagens, hoje voltemos ao nosso tema principal, ou seja, à meditação sobre alguns dos grandes pensadores da Idade Média. Ultimamente, tínhamos reflectido sobre a grande figura de São Boaventura, franciscano, e agora gostaria de falar daquele ao qual a Igreja chama o Doctor communis: isto é, São Tomás de Aquino. O meu venerado Predecessor, Papa João Paulo II, na sua Encíclica Fides et ratio recordava que São Tomás "foi sempre proposto pela Igreja como mestre de pensamento e modelo do modo recto de fazer teologia" (n. 43). Não surpreende que, depois de Santo Agostinho, entre os escritores eclesiásticos mencionados no Catecismo da Igreja Católica, São Tomás seja citado mais do que todos os outros, por sessenta e uma vezes! Ele foi denominado também o Doctor Angelicus, talvez pelas suas virtudes, de modo particular pela sublimidade do pensamento e pureza da vida.
Tomás nasceu entre os anos de 1224 e 1225, no castelo que a sua família, nobre e abastada, possuía em Roccasecca, nos arredores de Aquino, perto da célebre abadia de Montecassino, aonde tinha sido enviado pelos seus pais para receber os primeiros elementos da sua instrução. Alguns anos mais tarde transferiu-se para a capital do Reino da Sicília, Nápoles, onde Frederico II tinha fundado uma prestigiosa Universidade. Nela ensinava-se, sem os limites em vigor alhures, o pensamento do filósofo grego Aristóteles, no qual o jovem Tomás foi introduzido, e de quem intuiu imediatamente o grande valor. Mas sobretudo, nesses anos transcorridos em Nápoles, nasceu a sua vocação dominicana. Com efeito, Tomás sentiu-se atraído pelo ideal do Oriente, fundado não muitos anos antes de São Domingos. Todavia, quando vestiu o hábito dominicano, a sua família opôs-se a esta escolha, e ele foi obrigado a deixar o convento e a transcorrer um pouco de tempo com a família.
Em 1245, já de maior idade, pôde retomar o seu caminho de resposta ao chamamento de Deus. Foi enviado a Paris, para estudar teologia sob a guia de outro santo, Alberto Magno, sobre o qual falei recentemente. Alberto e Tomás estreitaram uma amizade verdadeira e profunda, e aprenderam a estimar-se e a respeitar-se um ao outro, a tal ponto que Alberto quis que o seu discípulo o seguisse também até Colónia, onde ele tinha sido convidado pelos Superiores da Ordem para fundar uma Casa de estudos teológicos. Então, Tomás entrou em contacto com todas as obras de Aristóteles e dos seus comentadores árabes, que Alberto ilustrava e explicava.
Naquele período, a cultura do mundo latino tinha sido profundamente estimulada pelo encontro com as obras de Aristóteles, que permaneceram desconhecidas por muito tempo. Tratava-se de escritos sobre a natureza do conhecimento, as ciências naturais, a metafísica, a alma e a ética, ricos de informações e de intuições que pareciam válidas e convincentes. Era toda uma visão completa do mundo, desenvolvida sem e antes de Cristo, com a mera razão, e parecia impor-se à razão como "a" própria visão; por conseguinte, ver e conhecer esta filosofia era para os jovens um fascínio incrível. Muitos acolheram com entusiasmo, aliás com entusiasmo acrítico, esta enorme bagagem do saber antigo, que parecia poder renovar vantajosamente a cultura, abrir horizontes totalmente novos. Porém, outros temiam que o pensamento pagão de Aristóteles estivesse em oposição à fé cristã e rejeitavam estudá-lo. Encontraram-se duas culturas: a cultura pré-cristã de Aristóteles, com a sua racionalidade radical, e a cultura clássica cristã. Determinados ambientes eram impelidos à rejeição de Aristóteles também pela apresentação que se fizera deste filósofo por parte dos comentadores árabes Avicena e Averroes. Com efeito, foram eles que transmitiram ao mundo latino a filosofia aristotélica. Por exemplo, estes comentadores tinham ensinado que os homens não dispõem de uma inteligência pessoal, mas que só existe um único intelecto universal, uma só substância espiritual, comum a todos, que age em todos como "única": portanto, uma despersonalização do homem. Outro ponto questionável, veiculado pelos comentadores árabes era aquele segundo o qual o mundo é eterno, como Deus. Compreensivelmente, desencadearam-se disputas infinitas nos mundos universitário e eclesiástico. A filosofia aristotélica ia-se difundindo até entre as pessoas simples.
Na escola de Alberto Magno, Tomás de Aquino desempenhou um trabalho de importância fundamental para a história da filosofia e da teologia, diria para a história da cultura: estudou profundamente Aristóteles e os seus intérpretes, encontrando novas traduções latinas dos textos originais em grego. Assim, não se apoiava mais unicamente nos comentadores árabes, mas podia ler pessoalmente os textos originais, e comentou uma boa parte das obras aristotélicas, distinguindo nelas aquilo que era válido daquilo que era duvidoso, ou que devia ser totalmente rejeitado, demonstrando a consonância com os dados da Revelação cristã e utilizando ampla e perspicazmente o pensamento aristotélico na exposição dos escritos teológicos que ele mesmo compôs. Em última análise, Tomás de Aquino mostrou que entre fé cristã e razão subsiste uma harmonia natural. E foi esta a grande obra de Tomás, que naquele momento de desencontro entre duas culturas – naquele momento em que parecia que a fé devia render-se perante a razão – demonstrou que elas caminham a par e passo, que quanto parecia ser razão não compatível com a fé não era razão; e aquilo que parecia ser fé não era tal, enquanto se opunha à verdadeira racionalidade; deste modo, ele criou uma nova síntese, que veio a formar a cultura dos séculos seguintes.
Em virtude das suas excelentes qualidades intelectuais, Tomás foi chamado novamente a Paris como professor de teologia na cátedra dominicana. Ali começou também a sua produção literária, que continuou até à morte, e que contém algo de prodigioso: comentários à Sagrada Escritura, porque o professor de teologia era sobretudo intérprete da Sagrada Escritura, comentários aos escritos de Aristóteles, obras sistemáticas imponentes, entre as quais sobressai a Summa Theologiae, tratados e discursos sobre vários argumentos. Na composição dos seus escritos, era coadjuvado por alguns secretários, entre os quais o irmão dominicano Reginaldo de Piperno, que o acompanhou fielmente e com o qual o ligava uma amizade fraterna e sincera, caracterizada por uma grande confidência e confiança. Trata-se de uma característica dos santos: cultivam a amizade, porque ela é uma das manifestações mais nobres do coração humano, e contém em si algo de divino, como o próprio Tomás explicou em algumas quaestiones da Summa Theologiae, onde escreve: "A caridade é principalmente a amizade do homem com Deus, e com os seres que Lhe pertencem" (II, q. 23, a.1).
Não permaneceu prolongada e estavelmente em Paris. Em 1259 participou no Capítulo Geral dos Dominicanos em Valenciennes, onde foi membro de uma comissão que estabeleceu o programa de estudos na Ordem. Depois, de 1261 a 1265, Tomás esteve em Orvieto. O Pontífice Urbano IV, que nutria uma grande estima por ele, comissionou-lhe a composição dos textos litúrgicos para a festa do Corpus Christi, que celebramos amanhã, instituída a seguir ao milagre eucarístico de Bolsena. Tomás tinha uma alma requintadamente eucarística. Os lindos hinos que a liturgia da Igreja entoa, para celebrar o mistério da presença real do Corpo e do Sangue do Senhor na Eucaristia são atribuídos à sua fé e à sua sabedoria teológica. De 1265 a 1268 Tomás residiu em Roma onde, provavelmente, dirigia um Studium, ou seja uma Casa de estudos da Ordem, e onde começou a escrever a sua Summa Theologiae (cf. Jean-Pierre Torrell, Tommaso d'Aquino. L'uomo e il teologo, Casale Monf., 1994, págs. 118-184).
Em 1269 foi chamado novamente a Paris, para um segundo ciclo de ensino. Os estudantes – pode-se compreender – entusiasmavam-se com as suas lições. Um dos seus ex-alunos declarou que uma enorme multidão de estudantes seguia os cursos de Tomás, a tal ponto que as salas tinham dificuldades em contê-los e, com um apontamento pessoal, acrescentava que "ouvi-lo era para ele uma profunda felicidade". A interpretação de Aristóteles formulada por Tomás não era aceite por todos, mas até os seus adversários no campo académico, como Gofredo de Fontaines, por exemplo, admitiam que a doutrina de frei Tomás era superior a outras pela sua utilidade e valor, e servia como correctivo para aquelas de todos os outros doutores. Talvez também para o subtrair dos intensos debates em curso, os Superiores enviaram-no novamente a Nápoles, para permanecer à disposição do rei Carlos I, que tencionava reorganizar os estudos universitários.
Além do estudo e do ensino, Tomás dedicou-se inclusive à pregação pública. E também o povo ia ouvi-lo de bom grado. Diria que é verdadeiramente uma grande graça, quando os teólogos sabem falar com simplicidade e fervor aos fiéis. Por outro lado, o ministério da pregação ajuda os próprios estudiosos de teologia a ter um sadio realismo pastoral, e enriquece a sua investigação com estímulos intensos.
Os últimos meses da vida terrena de Tomás permanecem circundados por uma atmosfera particular, diria misteriosa. Em Dezembro de 1273 ele chamou o seu amigo e secretário Reginaldo para lhe comunicar a decisão de interromper todos os trabalhos porque, durante a celebração da Missa, tinha compreendido, a seguir a uma revelação sobrenatural, que tudo aquilo que tinha escrito até então era apenas "um monte de palha". É um episódio misterioso, que nos ajuda a compreender não só a humildade pessoal de Tomás, mas também o facto de que tudo o que conseguimos pensar e dizer sobre a fé, por mais elevado e puro que seja, é infinitamente ultrapassado pela grandeza e pela beleza de Deus, que nos será revelada plenamente no Paraíso. Alguns meses depois, cada vez mais absorvido numa meditação reflexiva, Tomás faleceu enquanto viajava para Lião, aonde ia para participar no Concílio Ecuménico proclamado pelo Papa Gregório X. Veio a falecer na Abadia cisterciense de Fossanova, depois de ter recebido o Viático com sentimentos de grande piedade.
A vida e o ensinamento de São Tomás de Aquino poder-se-iam resumir num episódio transmitido pelos antigos biógrafos. Enquanto o Santo, como fazia habitualmente, estava em oração diante do Crucifixo, de manhã cedo na Capela de São Nicolau em Nápoles, Domingos de Caserta, o sacristão da igreja, ouviu um diálogo. Tomás perguntava, preocupado, se aquilo que tinha escrito sobre os mistérios da fé cristã era correcto. E o Crucificado respondeu-lhe:"Tu falaste bem de mim, Tomás. Qual será a tua recompensa?". E a resposta que Tomás deu é aquela que também nós, amigos e discípulos de Jesus, sempre gostaríamos de lhe dizer: "Nada mais do que Tu, Senhor!" (Ibid., pág. 320).
Audiência de 02 de junho de 2010.
São Tomás de Aquino (2)
Estimados irmãos e irmãs!
Hoje gostaria de continuar a apresentação de São Tomás de Aquino, um teólogo de valor tão grande que o estudo do seu pensamento foi explicitamente recomendado pelo Concílio Vaticano II em dois documentos, o decreto Optatam totius, sobre a formação para o sacerdócio, e a declaração Gravissimum educationis, que fala a respeito da educação cristã. De resto, já em 1880 o Papa Leão XIII, seu grande apreciador e promotor de estudos tomistas, quis declarar São Tomás Padroeiro das Escolas e das Universidades católicas.
O motivo principal deste apreço reside não só no conteúdo do seu ensinamento, mas também no método por ele adoptado, sobretudo a sua nova síntese e distinção entre filosofia e teologia. Os Padres da Igreja encontravam-se confrontados com várias filosofias de tipo platónico, nas quais se apresentava uma visão completa do mundo e da vida, incluindo a questão de Deus e da religião. No confronto com estas filosofias, eles mesmos tinham elaborado uma visão completa da realidade, começando a partir da fé e utilizando elementos do platonismo, para responder às interrogações essenciais dos homens. Esta visão, assente na revelação bíblica e elaborada com um platonismo correcto à luz da fé, era por eles denominada a "nossa filosofia". Portanto, a palavra "filosofia" não era expressão de um sistema puramente racional e, como tal, distinto da fé, mas indicava uma visão global da realidade, construída à luz da fé, mas tornada própria e pensada pela razão; uma visão que, sem dúvida, ia além das capacidades próprias da razão mas que, como tal, era também satisfatória para ela. Para São Tomás de Aquino, o encontro com a filosofia pré-cristã de Aristóteles (falecido por volta de 322 a.c.) abria uma nova perspectiva. A filosofia aristotélica era, obviamente, uma filosofia elaborada sem conhecimento do Antigo e do Novo Testamento, uma explicação do mundo sem revelação, unicamente pela razão. E esta racionalidade consequente era convincente. Assim, a antiga forma da "nossa filosofia" dos Padres já não funcionava. A relação entre filosofia e teologia, entre fé e razão, devia ser reconsiderada. Existia uma "filosofia" completa e convincente em si mesma, uma racionalidade precedente à fé, e depois a "teologia", um pensar com a fé e na fé. A questão urgente era esta: o mundo da racionalidade, a filosofia pensada sem Cristo e o mundo da fé são compatíveis? Ou então excluem-se? Não faltavam elementos que afirmavam a incompatibilidade entre os dois mundos, mas São Tomás estava firmemente convencido da sua compatibilidade aliás, que a filosofia elaborada sem o conhecimento de Cristo praticamente esperava a luz de Jesus para ser completa. Esta foi a grande "surpresa" de São Tomás, que determinou o seu caminho de pensador. Mostrar esta independência de filosofia e teologia e, ao mesmo tempo, a sua relacionalidade recíproca, foi a missão histórica do grande mestre. E assim compreende-se porque no século XIX, quando se declarava fortemente a incompatibilidade entre razão moderna e fé, o Papa Leão XIII indicou São Tomás como guia no diálogo entre uma e outra. No seu trabalho teológico, São Tomás supõe e concretiza esta relacionalidade. A fé consolida, integra e ilumina o património de verdade que a razão humana adquire. A confiança que São Tomás concede a estes dois instrumentos do conhecimento – a fé e a razão – pode ser reconduzida à convicção de que ambas derivam da única nascente de toda a verdade, o Logos divino que age tanto no âmbito da criação, como no contexto da redenção.
Além do acordo entre razão e fé, deve-se reconhecer, por outro lado, que elas se valem de procedimentos cognoscitivos diferentes. A razão acolhe uma verdade em virtude da sua evidência intrínseca, mediata ou imediata; a fé, ao contrário, aceita uma verdade com base na autoridade da Palavra de Deus que se revela. São Tomás escreve no início da sua Summa Theologiae: "É dúplice a ordem das ciências; algumas procedem de princípios conhecidos mediante a luz natural da razão, como a matemática, a geometria e semelhantes; outras procedem de princípios conhecidos através de uma ciência superior: como a perspectiva procede de princípios conhecidos mediante a geometria, e a música de princípios conhecidos através da matemática. E deste modo, a doutrina sagrada (ou seja, a teologia) é ciência porque procede dos princípios conhecidos através da luz de uma ciência superior, isto é, a ciência de Deus e dos Santos" (I, q. 1, a. 2).
Esta distinção assegura a autonomia, tanto das ciências humanas como das ciências teológicas. Porém, ela não equivale à separação, mas implica sobretudo uma colaboração recíproca e vantajosa. Com efeito, a fé protege a razão de toda a tentação de desconfiança nas próprias capacidades, estimula-a a abrir-se a horizontes mais vastos, mantém viva nela a busca dos fundamentos e, quando a própria razão se aplica à esfera sobrenatural da relação entre Deus e homem, enriquece o seu trabalho. Segundo São Tomás, por exemplo, a razão humana pode chegar indubitavelmente à afirmação da existência de um único Deus, mas só a fé, que acolhe a Revelação divina, é capaz de haurir do mistério do Amor de Deus Uno e Trino.
Por outro lado, não é apenas a fé que ajuda a razão. Também a razão, com os seus meios, pode fazer algo de importante para a fé, prestando-lhe um tríplice serviço, que São Tomás resume no proémio do seu comentário ao De Trinitate, de Boécio: "Demonstrar os fundamentos da fé; explicar mediante semelhanças as verdades da fé; rejeitar as objecções que se levantam contra a fé" (q. 2, a. 2). Toda a história da teologia é, no fundo, o exercício deste compromisso da inteligência, que mostra a inteligibilidade da fé, a sua articulação e harmonia interna, o seu bom senso e a sua capacidade de promover o bem do homem. A exactidão dos raciocínios teológicos e o seu significado cognoscitivo real fundamentam-se no valor da linguagem teológica que, segundo São Tomás, é principalmente uma linguagem analógica. A distância entre Deus, o Criador e o ser das suas criaturas é infinita; a dessemelhança é sempre maior do que a semelhança (cf. DS 806). Não obstante, em toda a diferença entre Criador e criatura, existe uma analogia entre o ser criado e o ser do Criador, que nos permite falar sobre Deus com palavras humanas.
São Tomás fundou a doutrina da analogia sobre argumentações puramente filosóficas, e também sobre o facto de que, com a Revelação, foi o próprio Deus quem nos falou e, portanto, nos autorizou a falar dele. Considero importante evocar esta doutrina. Com efeito, ela ajuda-nos a superar algumas objecções do ateísmo contemporâneo, o qual nega que a linguagem religiosa possui um significado objectivo, e afirma ao contrário que só tem um valor subjectivo, ou simplesmente emotivo. Esta objecção deriva do facto que o pensamento positivista está convencido de que o homem não conhece o ser, mas somente as funções experimentáveis da realidade. Com São Tomás e com a grande tradição filosófica, estamos persuadidos de que, na realidade, o homem não conhece apenas as funções, objecto das ciências naturais, mas conhece algo do próprio ser por exemplo, conhece a pessoa, o Tu do outro, e não apenas o aspecto físico e biológico do seu ser.
À luz deste ensinamento de São Tomás, a teologia afirma que, por mais limitada que seja, a linguagem religiosa é dotada de sentido – porque nos referimos ao ser – como uma seta que se dirige rumo à realidade que ela significa. Este acordo fundamental entre razão humana e fé cristã entrevê-se num outro princípio basilar do pensamento do Aquinate: a Graça divina não anula, mas supõe e aperfeiçoa a natureza humana. Com efeito, esta última, mesmo depois do pecado, não é completamente corrupta, mas ferida e debilitada. A Graça, concedida por Deus e comunicada através do Mistério do Verbo encarnado, é uma dádiva absolutamente gratuita com que a natureza é curada, fortalecida e ajudada a perseguir o desejo inato no coração de cada homem e de cada mulher: a felicidade. Todas as faculdades do ser humano são purificadas, transformadas e elevadas pela Graça divina.
Reconhece-se uma aplicação importante desta relação entre a natureza e a Graça na teologia moral de São Tomás de Aquino, que é de grande actualidade. No centro do seu ensinamento neste campo, ele insere a lei nova, que é a lei do Espírito Santo. Com um olhar profundamente evangélico, insiste sobre o facto de que esta lei é a Graça do Espírito Santo, concedida a todos aqueles que acreditam em Cristo. A tal Graça une-se o ensinamento escrito e oral das verdades doutrinais e morais, transmitido pela Igreja. Sublinhando o papel fundamental, na vida moral, da acção do Espírito Santo, da Graça, da qual brotam as virtudes teologais e morais, São Tomás faz compreender que cada cristão pode alcançar as elevadas perspectivas do "Sermão da Montanha", se viver uma autêntica relação de fé em Cristo, se se abrir à acção do seu Espírito Santo. Porém – acrescenta o Aquinate – "embora a Graça seja mais eficaz do que a natureza, todavia a natureza é mais essencial para o homem" (Summa Theologiae, I-II, q. 94, a. 6, ad 2), pelo que, na perspectiva moral cristã existe um espaço para a razão, que é capaz de discernir a lei moral natural. A razão pode reconhecê-la, considerando o que é bom fazer e o que é bom evitar, para a consecução daquela felicidade que está a peito de cada um, e que impõe uma responsabilidade para com os demais e, portanto, a busca do bem comum. Em síntese, as virtudes do homem, teologais e morais, estão arraigadas na natureza humana. A Graça divina acompanha, sustém e incentiva o compromisso ético mas, por si só, segundo São Tomás, todos os homens, crentes e não-crentes, são chamados a reconhecer as exigências da natureza humana e a inspirar-se nela na formulação das leis positivas, ou seja, daquelas que são emanadas pelas autoridades civis e políticas para regular a convivência humana.
Quando a lei natural e a responsabilidade que ela implica são negadas, abre-se dramaticamente o caminho ao relativismo ético no plano individual e ao totalitarismo do Estado a nível político. A defesa dos direitos universais do homem e a afirmação do valor absoluto da dignidade da pessoa postulam um fundamento. Não é precisamente a lei natural, este fundamento com os valores não negociáveis que ela indica? O Venerável João Paulo II escrevia na sua Encíclica Evangelium vitae palavras que permanecem de grande actualidade: "Para o bem do futuro da sociedade e do progresso de uma democracia sadia, urge pois redescobrir a existência de valores humanos e morais essenciais e naturais, que derivam da própria verdade do ser humano, e exprimem e tutelam a dignidade da pessoa: valores que nenhum indivíduo, nenhuma maioria e nenhum estado jamais poderá criar, modificar ou destruir, mas apenas os deverá reconhecer, respeitar e promover" (n. 71).
Concluindo, São Tomás propõe-nos um conceito amplo e confiante da razão humana: amplo, porque não está limitado aos espaços da chamada razão empírito-científica, mas aberto a todo o ser e por conseguinte também às questões fundamentais e irrenunciáveis do viver humano; e confiante, porque a razão humana, sobretudo se acolhe as aspirações da fé cristã, é promotora de uma civilização que reconhece a dignidade da pessoa, a intangibilidade dos seus direitos e a improrrogabilidade dos seus deveres. Não surpreende que a doutrina acerca da dignidade da pessoa, fundamental para o reconhecimento da inviolabilidade dos direitos do homem, tenha amadurecido em ambientes de pensamento que recolheram a herança de São Tomás de Aquino, que tinha um conceito extremamente elevado da criatura humana. Definiu-a, com a sua linguagem rigorosamente filosófica, como "aquilo que de mais perfeito se encontra em toda a natureza, ou seja, um sujeito subsistente numa natureza racional" (Summa Theologiae, I a, q. 29, a. 3).
A profundidade do pensamento de São Tomás de Aquino brota – nunca o esqueçamos – da sua fé viva e da sua piedade fervorosa, que expressava em orações inspiradas, como esta em que pede a Deus: "Concedei-me, suplico-vos, uma vontade que vos procure, uma sabedoria que vos encontre, uma vida que vos agrade, uma perseverança que vos espere confiadamente e uma confiança que no final chegue a possuir-vos".
Audiência de 16 de junho de 2010.
São Tomás de Aquino (3)
Estimados irmãos e irmãs
Hoje gostaria de completar, com uma terceira parte, as minhas catequeses sobre São Tomás de Aquino. Até a mais de setecentos anos de distância da sua morte, podemos aprender muito dele. Recordava-o inclusive o meu Predecessor, o Papa Paulo VI que, num discurso pronunciado em Fossanova no dia 14 Setembro de 1974, por ocasião do sétimo centenário da morte de São Tomás, se interrogava: "Mestre Tomás, que lição nos pode dar?". E respondia com estas palavras: "A confiança na verdade do pensamento religioso católico, como foi por ele defendido, exposto e aberto à capacidade cognoscitiva da mente humana" (Insegnamenti di Paolo VI, XII [1974], págs. 833-834). E, nesse mesmo dia, em Aquino, referindo-se ainda a São Tomás, ele afirmava: "Todos nós que somos filhos da Igreja podemos e devemos, pelo menos em certa medida, ser seus discípulos!" (Ibid., pág. 836).
Por conseguinte, coloquemo-nos também nós na escola de São Tomás e da sua obra-prima, a Summa Theologiae. Ela permaneceu incompleta, e todavia é uma obra monumental: contém 512 questões e 2.669 artigos. Trata-se de um raciocínio cerrado, em que a aplicação da inteligência humana aos mistérios da fé procede com clareza e profundidade, enlaçando perguntas e respostas, nas quais São Tomás aprofunda o ensinamento que deriva da Sagrada Escritura e dos Padres da Igreja, principalmente de Santo Agostinho. Nesta reflexão, no encontro com verdadeiras interrogações do seu tempo, que são muitas vezes também as nossas, São Tomás, utilizando inclusive o método e o pensamento dos filósofos antigos, de modo particular de Aristóteles, chega desta maneira a formulações exactas, lúcidas e pertinentes das verdades de fé, onde a verdade é um dom da fé, resplandece e torna-se acessível para nós, para a nossa reflexão. No entanto, este esforço da mente humana – recorda o Aquinate, com a sua própria vida – é sempre iluminado pela oração, pela luz que procede do Alto. Só quem vive com Deus e com os mistérios pode compreender também o que eles dizem.
Na Summa Theologiae, São Tomás começa a partir do facto que há três diversos modos do ser e da essência de Deus: Deus existe em si mesmo, é o princípio e o fim de todas as coisas, pelo que todas as criaturas procedem e dependem dele; em seguida, Deus está presente através da sua Graça na vida e na actividade do cristão, dos santos; por fim, Deus está presente de maneira totalmente especial na Pessoa de Cristo, aqui unido realmente com o homem Jesus, e activo nos Sacramentos, que brotam da sua obra redentora. Por este motivo, a estrutura desta obra monumental (cf. Jean-Pierre Torrell, La "Summa" di San Tommaso, Milão 2003, págs. 29-75), uma busca com um "olhar teológico" da plenitude de Deus (cf. Summa Theologiae, I a, q. I, a. 7), subdivide-se em três partes e é explicada pelo próprio Doctor Communis – São Tomás – com as seguintes palavras: "A finalidade principal da sagrada doutrina consiste em fazer com que Deus seja conhecido, e não só em si mesmo, mas também como é princípio e fim das coisas, de maneira especial da criatura racional. Com a intenção de expor esta doutrina, nós falaremos em primeiro lugar sobre Deus; em segundo, sobre o movimento da criatura para Deus; e em terceiro lugar sobre Cristo que, enquanto homem, é para nós o caminho para ascender até Deus" (Ibid., i, q. 2). Trata-se de um círculo: Deus em si mesmo, que sai de si próprio e nos toma pela mão, de tal maneira que assim, com Cristo, voltemos para Deus, permaneçamos unidos a Deus, e Deus será tudo em todos.
Por conseguinte, a primeira parte da Summa Theologiae indaga a propósito de Deus em si mesmo, sobre o mistério da Trindade e acerca da actividade criadora de Deus. Nesta parte encontramos também uma profunda reflexão sobre a realidade autêntica do ser humano enquanto derivado das mãos criadoras de Deus, fruto do seu amor. Por um lado, somos seres criados, dependentes, não derivamos de nós mesmos; mas por outro, gozamos de uma verdadeira autonomia, de tal forma que não somos só aparência – como dizem alguns filósofos platónicos – mas uma realidade desejada por Deus como tal, e com um valor em si mesma.
Na segunda parte, São Tomás considera o homem, impelido pela Graça, na sua aspiração a conhecer e a amar Deus para ser feliz no tempo e na eternidade. Em primeiro lugar, o Autor apresenta os princípios teológicos do agir moral, estudando como, na livre escolha do homem de realizar actos bons, se integram a razão, a vontade e as paixões, às quais se acrescenta a força que confere a Graça de Deus através das virtudes e das dádivas do Espírito Santo, como também a ajuda que é oferecida inclusive pela lei moral. Portanto, o ser humano é um ser dinâmico que se põe em busca de si mesmo, procura tornar-se ele mesmo e, neste sentido, tenta realizar actos que o edificam, que o tornam verdadeiramente homem; e aqui entra a lei moral, entram a Graça e a própria razão, a vontade e as paixões. Sobre este fundamento, São Tomás delineia a fisionomia do homem que vive em conformidade com o Espírito e que, deste modo, se torna um ícone de Deus. Aqui, o Aquinate detém-se para estudar as três virtudes teologais – fé, esperança e caridade – seguidas pelo exame perspicaz de mais de cinquenta virtudes morais, organizadas em volta das quatro virtudes cardeais – a prudência, a justiça, a temperança e a fortaleza. Em seguida, termina com a reflexão a respeito das diversas vocações existentes na Igreja.
Na terceira parte da Summa Theologiae, São Tomás estuda o Mistério de Cristo – o caminho e a verdade – por meio do qual nós podemos unir-nos a Deus Pai. Nesta secção, ele escreve páginas praticamente insuperadas a propósito do Mistério da Encarnação e da Paixão de Jesus, acrescentando depois um vasto estudo sobre os sete Sacramentos, porque neles o Verbo divino encarnado dilata os benefícios da Encarnação para a nossa salvação, em vista do nosso caminho de fé rumo a Deus e à vida eterna, permanece materialmente quase presente com as realidades da criação, tocando-nos deste modo no nosso íntimo.
Falando sobre os Sacramentos, São Tomás reflecte de modo particular sobre o Mistério da Eucaristia, pelo qual alimentou uma enorme devoção, a tal ponto que, segundo os antigos biógrafos, costumava aproximar a sua cabeça do Tabernáculo, como que para sentir palpitar o Coração divino e humano de Jesus. Numa das suas obras de comentário à Escritura, São Tomás ajuda-nos a compreender a excelência do Sacramento da Eucaristia, quando escreve: "Dado que a Eucaristia é o Sacramento da Paixão de nosso Senhor, contém em si mesma Jesus Cristo que padeceu por nós. Portanto, tudo aquilo que é efeito da Paixão de nosso Senhor, é também efeito deste Sacramento, uma vez que ele não é outra coisa senão a aplicação em nós da Paixão do Senhor" (In Ioannem, c. 6, lect. 6, n. 963). Assim compreendemos bem por que motivo São Tomás e outros santos celebraram a Santa Missa vertendo lágrimas de compaixão pelo Senhor, que se oferece em sacrifício por nós, lágrimas de alegria e de gratidão.
Prezados irmãos e irmãs, na escola dos santos, apaixonemo-nos por este Sacramento! Participemos na Santa Missa com recolhimento, para alcançar os seus frutos espirituais, nutramo-nos do Corpo e do Sangue de Senhor, para sermos incessantemente alimentados pela Graça divina! Permaneçamos de bom grado e frequentemente, tu a tu, em companhia do Santíssimo Sacramento!
Aquilo que São Tomás explicou com rigor científico nas suas obras teológicas principais, como precisamente a Summa Theologiae e também a Summa contra Gentiles, foi exposto inclusive na sua pregação, dirigida aos estudantes e aos fiéis. Em 1273, um ano antes da sua morte, durante a Quaresma inteira, ele fez pregações na igreja de São Domingos Maior, em Nápoles. O conteúdo destes sermões foi recolhido e conservado: trata-se dos Opúsculos em que ele explica o Símbolo dos Apóstolos, interpreta a oração do Pai-Nosso, ilustra o Decálogo e comenta a Ave-Maria. O conteúdo da pregação do Doctor Angelicus corresponde quase inteiramente à estrutura do Catecismo da Igreja Católica. Com efeito, na catequese e na pregação, numa época como a nossa, de renovado compromisso em benefício da evangelização, nunca deveriam faltar estes argumentos fundamentais: aquilo em que cremos, eis o Símbolo da fé; aquilo que nós oramos, eis o Pai-Nosso e a Ave-Maria; e aquilo que nós vivemos, como nos ensina a Revelação bíblica, eis a lei do amor a Deus e ao próximo, e dos Dez Mandamentos, como explicação deste mandato do amor.
Gostaria de propor alguns exemplos do conteúdo, simples, essencial e convincente, do ensinamento de São Tomás. No seu Opúsculo sobre o Símbolo dos Apóstolos, ele explica o valor da fé. Por meio dela, diz, a alma une-se a Deus e brota como que um rebento de vida eterna; a vida recebe uma orientação certa e nós superamos agilmente as tentações. Àqueles que objectam que a fé é uma estultice, porque faz acreditar em algo que não faz parte da experiência dos sentidos, São Tomás oferece uma resposta muito elaborada, e recorda que se trata de uma dúvida inconsistente, porque a inteligência humana é limitada e não pode conhecer tudo. Só se pudéssemos conhecer perfeitamente todas as coisas visíveis e invisíveis, então seria uma autêntica estultice aceitas verdades por pura fé. De resto, é impossível viver, observa São Tomás, sem confiar na experiência dos outros, aonde o conhecimento pessoal não chega. Por conseguinte, é racional ter fé em Deus que se revela e no testemunho dos Apóstolos: eles eram poucos, simples e pobres, amargurados por causa da Crucifixão do seu Mestre; e no entanto, muitas pessoas sábias, nobres e ricas se converteram em pouco tempo à escuta da sua pregação. Com efeito, trata-se de um fenómeno historicamente prodigioso, ao qual é difícil poder dar outra resposta racional, a não ser a do encontro dos Apóstolos com o Senhor Ressuscitado.
Comentando o artigo do Símbolo sobre a Encarnação do Verbo divino, São Tomás faz algumas considerações. Afirma que a fé cristã, tendo em conta a mistério da Encarnação, é revigorada; a esperança eleva-se com maior confiança, ao pensamento de que o Filho de Deus veio entre nós, como um de nós, para comunicar aos homens a sua própria divindade; a caridade é reavivada, porque não existe sinal mais evidente do amor de Deus por nós, do que ver o Criador do universo fazer-se Ele mesmo uma criatura, um de nós. Finalmente, considerando o mistério da Encarnação de Deus, sentimos inflamar-se o nosso desejo de alcançar Cristo na glória. Recorrendo a uma comparação simples e eficaz, São Tomás observa: "Se o irmão de um rei estivesse distante, certamente desejaria poder viver ao lado dele. Pois bem, Cristo é nosso irmão: por conseguinte, temos que desejar a sua companhia, tornando-nos um só coração com Ele" (Opuscoli teologico-spirituali, Roma 1976, pág. 64).
Apresentando a oração do Pai-Nosso, São Tomás mostra que ela é em si mesma perfeita, pois possui as cinco características que uma oração bem recitada deveria possuir: abandono confiante e tranquilo: conveniência do seu conteúdo, porque – observa São Tomás – "é assaz difícil saber precisamente o que é oportuno pedir e o que não o é, a partir do momento que nos sentimos em dificuldade diante da selecção dos desejos" (Ibid., pág. 120); e além disso, ordem apropriada dos pedidos, fervor de caridade e sinceridade da humildade.
Como todos os santos, também São Tomás foi um grande devoto de Nossa Senhora. Ele definiu-a com um apelativo maravilhoso: Triclinium totius Trinitatis, triclínio, ou seja, lugar onde a Trindade encontra o seu descanso porque, em virtude da Encarnação, em nenhuma criatura como nela as três Pessoas divinas habitam e sentem a delícia e a alegria por viver na sua alma cheia de Graça. Pela sua intercessão, nós podemos obter todo o auxílio.
Com uma oração, que tradicionalmente é atribuída a São Tomás e que, de qualquer maneira, reflecte os elementos da sua profunda devoção mariana, digamos nós também: "Ó bem-aventurada e doce Virgem Maria, Mãe de Deus... confio ao teu Coração misericordioso toda a minha vida... Obtém-me, ó minha doce Senhora, verdadeira caridade, com a qual eu possa amar de todo o coração o teu santíssimo Filho e a Ti, depois dele, acima de todas as coisas, e o próximo em Deus e por Deus".
Audiência de 23 de junho de 2010.
Fonte: www.vatican.va
São José Cafasso
Queridos irmãos e irmãs!
Concluímos há pouco o Ano sacerdotal: um tempo de graça, que deu e dará frutos preciosos à Igreja; uma oportunidade para recordar na oração todos os que responderam a esta particular vocação. Acompanharam-nos neste caminho, como modelos e intercessores, o Santo Cura d'Ars e outras figuras de santos sacerdotes, verdadeiras luzes na história da Igreja. Hoje, como anunciei na quarta-feira passada, gostaria de recordar outra figura, que sobressai sobre o grupo dos "Santos sociais" na Turim do século XIX: trata-se de São José Cafasso.
É obrigatório recordá-lo porque precisamente há uma semana celebrou-se o 150º aniversário da morte, ocorrida na cidade piemontesa a 23 de Junho de 1860, com 49 anos de idade. Além disso, apraz-me recordar que o Papa Pio XI, a 1 de Novembro de 1924, aprovando os milagres para a canonização de São João Maria Vianney e publicando o decreto de autorização para a beatificação de Cafasso, comparou estas duas figuras de sacerdotes com as seguintes palavras: "Não sem uma especial e benéfica disposição da Bondade Divina assistimos a este surgir no horizonte da Igreja católica de novos astros, o pároco de Ars, e o Venerável Servo de Deus, Giuseppe Cafasso. Precisamente estas duas belas, queridas, providamente oportunas figuras se apresentaram hoje; pequena e humilde, pobre e simples, mas de igual modo gloriosa a figura do pároco de Ars, e a outra bela, grande, complexa, rica figura de sacerdote, mestre e formador de sacerdotes, o Venerável Giuseppe Cafasso". Trata-se de circunstâncias que nos oferecem a ocasião para conhecer a mensagem, viva e actual, que sobressai da vida deste santo. Ele não foi pároco como o cura d'Ars, mas foi sobretudo formador de párocos e sacerdotes diocesanos, aliás de sacerdotes santos, entre os quais São João Bosco. Não fundou, como os outros santos sacerdotes do século XIX do Piemonte, institutos religiosos, porque a sua "fundação" foi a "escola de vida e de santidade sacerdotal" que realizou, com o exemplo e o ensinamento, no "Colégio Eclesiástico de São Francisco de Assis", em Turim.
José Cafasso nasceu em Castelnuovo d'Asti, o mesmo povoado de São João Bosco, no dia 15 de Janeiro de 1811. Era o terceiro de quatro filhos. A última, irmã Marianna, será a mãe do Beato José Allamano, fundador dos Missionários e das Missionárias da Consolata. Nasceu na Piemonte do século XIX, caracterizada por graves problemas sociais, mas também por muitos Santos que se comprometiam na busca da solução dos mesmos. Eles viviam unidos entre si pelo amor a Cristo e por uma profunda caridade para com os pobres: a graça do Senhor sabe difundir e multiplicar as sementes de santidade! Cafasso fez os estudos secundários e o biénio de filosofia no Colégio de Chieri e, em 1830, passou para o Seminário teológico onde, em 1833, foi ordenado sacerdote. Quatro meses mais tarde entrou no lugar que para ele permanecerá a "etapa" fundamental e única da sua vida sacerdotal: o "Colégio Eclesiástico de São Francisco de Assis", em Turim. Tendo entrado ali para se aperfeiçoar na pastoral, aí fez frutificar os seus dotes de director espiritual e o seu grande espírito de caridade. Com efeito, o Colégio não era apenas uma escola de teologia moral, onde os jovens sacerdotes, provenientes principalmente do campo, aprendiam a confessar e a pregar, mas era também uma verdadeira escola de vida sacerdotal, onde os presbíteros se formavam na espiritualidade de Santo Inácio de Loyola e na teologia moral e pastoral do grande Bispo Santo Afonso Maria de Ligório. O tipo de sacerdote que Cafasso encontrou no Colégio e que ele mesmo contribuiu para fortalecer sobretudo como Reitor era o do verdadeiro pastor, com uma rica vida interior e um profundo zelo no cuidado pastoral: fiel à oração, comprometido na pregação, na catequese, dedicado à celebração da Eucaristia e ao ministério da Confissão, segundo o modelo encarnado por São Carlos Borromeu e por São Francisco de Sales, e promovido pelo Concílio de Trento. Uma feliz expressão de São João Bosco resume o sentido do trabalho educativo realizado naquela Comunidade: "No Colégio aprendia-se a ser sacerdote".
São José Cafasso procurou realizar este modelo na formação dos jovens presbíteros a fim de que, por sua vez, eles se tornassem formadores de outros sacerdotes, religiosos e leigos, segundo uma corrente especial e eficaz. Da sua cátedra de teologia moral, educava a ser bons confessores e directores espirituais, preocupados com o verdadeiro bem espiritual da pessoa, animados por um grande equilíbrio ao fazer sentir a misericórdia de Deus e, ao mesmo tempo, um sentido perspicaz e vivo do pecado. Eram três as virtudes do professor Cafasso, como recorda São João Bosco: calma, sagacidade e prudência. Para ele, a verificação do ensinamento transmitido era constituída pelo ministério da Confissão, à qual ele mesmo dedicava muitas horas do dia; procuravam-no bispos, sacerdotes, religiosos, leigos eminentes e pessoas simples: a todos ele sabia oferecer o tempo necessário. Além disso, de muitos que se tornaram santos e fundadores de institutos religiosos, ele foi um sábio conselheiro espiritual. O seu ensinamento nunca era abstracto, assente apenas nos livros que se utilizavam naquela época, mas nascia da experiência viva da misericórdia de Deus e do profundo conhecimento da alma humana, adquirida ao longo do tempo transcorrido no confessionário e na direcção espiritual: tratava-se de uma verdadeira escola de vida sacerdotal.
O seu segredo era simples: ser um homem de Deus; realizar, nos pequenos gestos diários, "aquilo que pode ser para a maior glória de Deus e para o benefício das almas". Amava o Senhor de modo total, era animado por uma fé bem arraigada, sustentado por uma oração profunda e prolongada, e vivia uma caridade sincera para com todos. Conhecia a teologia moral, mas conhecia igualmente as situações e o coração das pessoas, cujo bem assumia como o bom pastor. Aqueles que tinham a graça de estar próximos dele acabavam por ser transformados, também eles, em bons pastores e válidos confessores. Indicava com clareza a todos os sacerdotes a santidade a alcançar, precisamente no ministério pastoral. O Beato sacerdote Clemente Marchisio, fundador das Filhas de São José, afirmava: "Quando entrei no Colégio eu era muito travesso e desajuizado, e nem sabia o que queria dizer ser sacerdote, mas saí dali muito diferente, com a plena compreensão da dignidade do presbítero". Quantos sacerdotes foram por ele formados no Colégio e depois acompanhados espiritualmente! Entre eles – como eu já disse – sobressai São João Bosco, que o teve como director espiritual durante vinte e cinco anos, de 1835 a 1860: primeiro como clérigo, depois como sacerdote e enfim como fundador. Todas as opções fundamentais da vida de São João Bosco tiveram como conselheiro e guia São José Cafasso, mas de um modo bem específico: Cafasso nunca procurou formar em Dom Bosco um discípulo "à sua imagem e semelhança", e Dom Bosco não copiou Cafasso; sem dúvida, imitou-o nas virtudes humanas e presbiterais – definindo-o "modelo de vida sacerdotal" – mas em conformidade com as suas atitudes pessoais e a sua vocação peculiar; um sinal da sabedoria do mestre espiritual e da inteligência do discípulo: o primeiro não se impôs sobre o segundo, mas respeitou-o na sua personalidade e ajudou-o a interpretar qual era a vontade de Deus para ele. Caros amigos, trata-se de um ensinamento precioso para todos aqueles que estão comprometidos na formação e educação das jovens gerações, e é também uma forte evocação da importância de dispor de um guia espiritual na própria vida, que ajude a compreender aquilo que Deus quer de nós. Com simplicidade e profundidade, o nosso Santo afirmava: "Toda a santidade, a perfeição e o lucro de uma pessoa encontram-se no acto de cumprir perfeitamente a vontade de Deus (...) Felizes seríamos nós, se conseguíssemos inserir assim o nosso coração no de Deus, unir de tal forma os nossos desejos, a nossa vontade à sua, a ponto de formar um só coração e uma só vontade: querer aquilo que Deus quer, desejá-lo daquele modo, naquele tempo e naquelas circunstâncias que Ele quiser, e desejar tudo isto exclusivamente porque Deus o quer".
Mas outro elemento caracteriza o ministério do nosso Santo: a atenção aos últimos, de modo particular aos encarcerados, que na Turim do século XIX viviam em lugares desumanos e desumanizadores. Também neste serviço delicado, levado a cabo por mais de vinte anos, ele foi sempre o bom pastor, compreensivo e compassivo: qualidades sentidas pelos prisioneiros, que terminavam por ser conquistados por aquele amor sincero, cuja origem era o próprio Deus. A simples presença de Cafasso fazia bem: tranquilizava, tocava os corações empedernidos pelas vicissitudes da vida e sobretudo iluminava e despertava as consciências indiferentes. Nos primeiros tempos do seu ministério no meio dos encarcerados, ele recorria com frequência às grandes pregações que chegavam a envolver praticamente toda a população carcerária. Com a passagem do tempo, privilegiou a catequese simples, feita nos diálogos e nos encontros pessoais: respeitador das vicissitudes de cada um, enfrentava os grandes temas da vida cristã, falando da confiança em Deus, da adesão à sua vontade, da utilidade da oração e dos sacramentos, cujo ponto de chegada é a Confissão, o encontro com Deus que por nós se fez misericórdia infinita. Os condenados à morte foram objecto de atenções humanas e espirituais muito especiais. Ele acompanhou ao patíbulo 57 condenados à morte, depois de os ter confessado e de lhes ter administrado a Eucaristia. Acompanhava-os com profundo amor, até ao último respiro da sua existência terrena.
Faleceu no dia 23 de Junho de 1860, depois de uma vida oferecida inteiramente ao Senhor e consumida em prol do próximo. O meu Predecessor, o Venerável Servo de Deus Papa Pio XII, a 9 de abril de 1948, proclamou-o padroeiro dos cárceres italianos e, mediante a Exortação Apostólica Menti nostrae, no dia 23 de Setembro de 1950, propô-lo como modelo aos sacerdotes comprometidos na Confissão e na direcção espiritual.
Estimados irmãos e irmãs, São José Cafasso seja um exemplo para todos, a intensificar o caminho rumo à perfeição da vida cristã, à santidade; de modo particular, recorde aos sacerdotes a importância de dedicar tempo ao Sacramento da Reconciliação e à direcção espiritual, e a todos, a atenção que devemos reservar aos mais necessitados. Que nos ajude a intercessão da Bem-Aventurada Virgem Maria, de quem São José Cafasso era devotíssimo e à qual ele chamava "nossa amada Mãe, nossa consoladora, nossa esperança".
Beato João Duns Escoto - Catequese do Papa Bento XVI
Escrito por Trídia CriaçãoJoão Duns Escoto
Amados irmãos e irmãs!
Esta manhã – depois de algumas catequeses sobre diversos grandes teólogos – desejo apresentar-vos outra figura importante na história da teologia: trata-se do beato João Duns Escoto, que viveu no final do século XIII. Uma antiga inscrição sobre o seu túmulo resume as coordenadas geográficas da sua biografia: "a Inglaterra acolheu-o; a França instruiu-o; Colónia, na Alemanha, conserva os seus despojos mortais; na Escócia ele nasceu". Não podemos descuidar estas informações, também porque temos muito poucas notícias sobre a vida de Duns Escoto. Ele nasceu provavelmente em 1266 numa aldeia que se chamava precisamente Duns, perto de Edimburgo. Atraído pelo carisma de São Francisco de Assis, entrou na Família dos Frades Menores, e em 1291 foi ordenado sacerdote. Dotado de uma inteligência brilhante e propensa à especulação – aquela inteligência pela qual a tradição lhe conferiu o título de Doctor subtilis, "Doutor subtil" – Duns Escoto foi orientado para os estudos de filosofia e de teologia nas célebres Universidades de Oxford e de Paris. Concluída com bom êxito a formação, empreendeu o ensino da teologia nas Universidades de Oxford e de Cambridge, e depois de Paris, começando a comentar, como todos os Mestres da época, as Sentenças de Pedro Lombardo. As obras principais de Duns Escoto representam precisamente o fruto maduro destas lições, e tomam o título dos lugares onde ele ensinou: Ordinatio (denominada, no passado, Opus Oxoniense – Oxford), Reportatio Cantabrigiensis (Cambridge), Reportata Parisiensia (Paris). A estas obras, pode ainda ser acrescentada a chamada Quodlibeta (ou Quaestiones Quodlibetales), uma obra de grande importância formada por 21 questões sobre vários temas teológicos. Afastou-se de Paris quando, tendo rebentado um grave conflito entre o rei Filipe IV o Belo e o Papa Bonifácio VIII Duns Escoto preferiu o exílio voluntário, para não assinar um documento hostil ao Sumo Pontífice, como o rei tinha imposto a todos os religiosos. Assim – por amor à Sé de Pedro – juntamente com os Frades franciscanos, abandonou o país.
Queridos irmãos e irmãs, este acontecimento convida-nos a recordar quantas vezes, na história da Igreja, os crentes encontraram hostilidades e até sofreram perseguições devido à sua fidelidade e devoção a Cristo, à Igreja e ao Papa. Todos nós olhamos com admiração para estes cristãos, que nos ensinam a guardar como um bem precioso a fé em Cristo e a comunhão com o Sucessor de Pedro e, assim, com a Igreja universal.
Contudo, as relações entre o rei da França e o sucessor de Bonifácio VIII depressa foram restabelecidas, e em 1305 Duns Escoto pôde regressar a Paris para ali ensinar teologia com o título de Magister regens, que hoje corresponderia a professor ordinário. Sucessivamente, os Superiores convidaram-no para Colónia como professor do Colégio teológico franciscano, mas ele faleceu a 8 de Novembro de 1308, com apenas 43 anos de idade, contudo deixando um número relevante de obras.
Devido à fama de santidade da qual gozava, o seu culto difundiu-se depressa na Ordem franciscana e o Venerável Papa João Paulo II quis proclamá-lo solenemente beato a 20 de Março de 1993, definindo-o "cantor do Verbo encarnado e defensor da Imaculada Conceição". Nesta expressão está sintetizada a grande contribuição que Duns Escoto ofereceu à história da teologia.
Antes de tudo, ele meditou sobre o Mistério da Encarnação e, ao contrário de muitos pensadores cristãos da época, afirmou que o Filho de Deus se teria feito homem mesmo se a humanidade não tivesse pecado. Ele afirma na "Reportata Parisiensia": "Pensar que Deus teria renunciado a esta obra se Adão não tivesse pecado seria totalmente irracional! Portanto, digo que a queda não foi a causa da predestinação de Cristo, e que – mesmo se ninguém tivesse pecado, nem o anjo nem o homem – nesta hipótese Cristo teria sido ainda predestinado do mesmo modo" (in III Sent., d. 7, 4). Este pensamento, talvez um pouco surpreendente, surge porque para Duns Escoto a Encarnação do Filho de Deus, projectada desde a eternidade por parte de Deus Pai no seu desígnio de amor, é cumprimento da criação, e torna possível que cada criatura, em Cristo e por meio dele, seja colmada de graça, e preste louvor e glória a Deus na eternidade. Duns Escoto, apesar de estar consciente de que, na realidade, por causa do pecado original, Cristo nos remiu com a sua Paixão, Morte e Ressurreição, reafirma que a Encarnação é a obra maior e mais bela de toda a história da salvação, e que ela não está condicionada por qualquer facto contingente, mas é a ideia original de Deus para unir finalmente toda a criação consigo mesmo na pessoa e na carne do Filho.
Discípulo fiel de São Francisco, Duns Escoto gostava de contemplar e pregar o Mistério da Paixão salvífica de Cristo, expressão da vontade de amor, do amor imenso de Deus, o Qual transmite com grandíssima generosidade para fora de si os raios da sua bondade e do seu amor (cf. Tractatus de primo principio, c. 4). E este amor não se revela só no Calvário, mas também na Santíssima Eucaristia, da qual Duns Escoto era devotíssimo e que via como o Sacramento da presença real de Jesus e como o Sacramento da unidade e da comunhão que conduz a amar-nos uns aos outros e a amar Deus como o Sumo Bem (cf. Reportata Parisiensia, in IV Sent.,d.8,q.1, n. 3). "E, – escrevia na Carta por ocasião do Congresso Internacional em Colónia no VII Centenário da morte do beato Duns Escoto, fazendo referência ao pensamento do nosso autor – como este amor, esta caridade foi o início de tudo, assim também só no amor e na caridade será a nossa bem-aventurança: «O querer ou a vontade amorosa é simplesmente a vida eterna, beata e perfeita»" (AAS 101 [2009], 5).
Queridos irmãos e irmãs, esta visão teológica, fortemente "cristocêntrica", predispõe-nos para a contemplação, admiração e gratidão: Cristo é o centro da história e da criação, é Aquele que dá sentido, dignidade e valor à nossa vida! Como o Papa Paulo VI em Manila, também eu hoje gostaria de bradar ao mundo: "[Cristo] é o revelador do Deus invisível, é o primogénito de cada criatura, é o fundamento de todas as coisas; Ele é o Mestre da humanidade, é o Redentor, Ele nasceu, morreu, ressuscitou para nós; Ele é o centro da história e do mundo; é Aquele que nos conhece e nos ama; é o companheiro e o amigo da nossa vida... Nunca terminaria de falar d'Ele" (Homilia, 29 de Novembro de 1970).
Não só o papel de Cristo na história da salvação, mas também o de Maria é objecto da reflexão do Doctor subtilis. Na época de Duns Escoto a maior parte dos teólogos fazia uma objecção, que parecia insuperável, à doutrina segundo a qual Maria Santíssima foi preservada do pecado original desde o primeiro momento da sua concepção: de facto, a universalidade da Redenção realizada por Cristo, à primeira vista, podia parecer comprometida por semelhante afirmação, como se Maria não tivesse precisado de Cristo e da sua redenção. Por isso os teólogos opunham-se a estes textos. Então, Duns Escoto, para fazer compreender esta preservação do pecado original, desenvolveu um tema que depois seria adoptado também pelo beato Papa Pio IX em 1854, quando definiu solenemnete o dogma da Imaculada Conceição de Maria. E este argumento é o da "Redenção preventiva", segundo a qual a Imaculada Conceição representa a obra-prima da Redenção realizada por Cristo, porque precisamente o poder do seu amor e da sua mediação obteve que a Mãe fosse preservada do pecado original. Por conseguinte Maria é totalmente remida por Cristo, mas já antes da concepção. Os Franciscanos, seus irmãos de hábito, aceitaram e difundiram com entusiasmo esta doutrina, e outros teólogos – muitas vezes com juramento solene – comprometeram-se a difundi-la e a aperfeiçoá-la.
A este propósito, gostaria de ressaltar outro aspecto, que me parece importante. Teólogos de valor, como Duns Escoto acerca da doutrina sobre a Imaculada Conceição, enriqueceram com a sua contribuição específica de pensamento aquilo em que o Povo de Deus já acreditava espontaneamente sobre a Bem-Aventurada Virgem, e manifestava nos actos de piedade, nas expressões da arte e, em geral, na vivência cristã. Assim a fé quer na Imaculada Conceição, quer na Assunção corporal da Virgem já estava presente no Povo de Deus, mas a teologia ainda não tinha encontrado a chave para a interpretar na totalidade da doutrina da fé. Por conseguinte, o Povo de Deus precede os teólogos e tudo isto graças àquele sensus fidei sobrenatural, ou seja, àquela capacidade infundida pelo Espírito Santo, que habita e abraça a realidade da fé, com a humildade do coração e da mente. Neste sentido, o Povo de Deus é "magistério que precede", e que depois deve ser aprofundado e intelectualmente acolhido pela teologia. Que os teólogos possam pôr-se sempre à escuta desta nascente da fé e preservar a humildade e simplicidade dos pequeninos! Já recordei isto há alguns meses, dizendo: "Existem grandes doutos, grandes especialistas, grandes teólogos, grandes mestres da fé, que nos ensinaram muitas coisas. Penetraram nos pormenores da Sagrada Escritura... mas não puderam ver o próprio mistério, o verdadeiro núcleo... O essencial permaneceu escondido! Em contrapartida, no nosso tempo existem também os pequeninos que conheceram este mistério. Pensemos em santa Bernadete Soubirous; em santa Teresa de Lisieux, com a sua nova leitura "não científica" da Bíblia, mas que entra no coração da Sagrada Escritura" (Homilia na Missa celebrada com os Membros da Pontifícia Comissão Teológica Internacional, 1/12/2009, ed. em português de L'Osservatore Romano de 5/12/2009, p. 9).
Por fim, Duns Escoto desenvolveu um aspecto ao qual a modernidade é muito sensível. Trata-se do tema da liberdade e da sua relação com a vontade e com o intelecto. O nosso autor ressalta a liberdade como qualidade fundamental da vontade, iniciando uma orientação que valoriza sobretudo a esta última. Infelizmente, nos autores que vieram depois de Duns Escoto, esta linha de pensamento se desenvolveu em um voluntarismo em contraste com o chamado intelectualismo agostiniano e tomista. Para São Tomás de Aquino, que segue Santo Agostinho, a liberdade não pode considerar-se uma qualidade inata da vontade, mas o fruto da colaboração da vontade e do intelecto. Uma ideia da liberdade inata e absoluta – como justamente se desenvolveu sucessivamente a Duns Escoto – colocada na vontade que precede o intelecto, quer em Deus quer no homem, de facto, corre o risco de levar à ideia de um Deus que não estaria relacionado nem sequer com a verdade e com o bem. O desejo de salvar a absoluta transcendência e diversidade de Deus com uma acentuação tão radical e impenetrável da sua vontade não tem em consideração que o Deus que se revelou em Cristo é o Deus "logos", que agiu e age cheio de amor por nós. Certamente, o amor supera o conhecimento e é capaz de compreender cada vez mais o pensamento, mas é sempre o amor do Deus "logos" (cf. Bento XVI, Discurso em Regensburg, Insegnamenti di Benedetto XVI, II [2006], p. 261). Também no homem a ideia de liberdade absoluta, colocada na vontade, esquecendo o nexo com a verdade, ignora que a mesma liberdade deve ser libertada dos limites que lhe provêm do pecado. De qualquer modo, a visão escotista não caiu nestes extremos: para Duns Escoto um acto livre é fruto da afluência entre intelecto e a vontade e, se ele fala de um "primado" da vontade, o faz justamente porque argumenta que a vontade segue sempre o intelecto.
Falando aos seminaristas romanos no ano passado recordei que "a liberdade em todos os tempos foi o grande sonho da humanidade, desde o início, mas sobretudo na época moderna" (cf. Discurso ao Pontifício Seminário Maior Romano, 20 de Fevereiro de 2009). Contudo, precisamente a história moderna, além da nossa experiência quotidiana, ensina-nos que a liberdade só é autêntica, e só ajuda a construir uma civilização deveras humana, se estiver reconciliada com a verdade. Se estiver separada da verdade, a liberdade torna-se tragicamente princípio de destruição da harmonia interior da pessoa humana, fonte de prevaricação dos mais fortes e dos violentos, e causa de sofrimentos e de lutos. A liberdade, como todas as faculdades das quais o homem está dotado, cresce e aperfeiçoa-se, afirma Duns Escoto, quando o homem se abre a Deus, valorizando a disposição para a escuta da Sua voz: quando nos pomos à escuta da Revelação divina, da Palavra de Deus, para a acolher, então somos alcançados por uma mensagem que enche de luz e de esperança a nossa vida e somos deveras livres.
Amados irmãos e irmãs, o beato Duns Escoto ensina-nos que na nossa vida o essencial é crer que Deus está próximo de nós e nos ama em Jesus Cristo, e portanto, cultivar um amor profundo a Ele e à sua Igreja. Deste amor nós somos as testemunhas nesta terra. Maria Santíssima nos ajude a receber este amor infinito de Deus do qual gozaremos de modo pleno eternamente no Céu, quando enfim a nossa alma estiver para sempre em Deus, na comunhão dos santos.
Prezados irmãos e irmãs
Hoje, gostaria de meditar acerca da figura do meu Predecessor São Pio X, cuja memória litúrgica será celebrada no próximo sábado, salientando algumas das suas características que podem ser úteis também para os Pastores e os fiéis da nossa época.
Giuseppe Sarto, este é o seu nome, nasceu em Riese (Treviso) em 1835 de uma família de camponeses e depois dos estudos no Seminário de Pádua foi ordenado sacerdote com 23 anos de idade. Primeiro foi vice-pároco em Tombolo, depois pároco em Salzano, em seguida cónego da catedral de Treviso, com o encargo de chanceler episcopal e director espiritual do Seminário diocesano. Nestes anos de rica e generosa experiência pastoral, o futuro Pontífice demonstrou aquele profundo amor a Cristo e à Igreja, a humildade e simplicidade e a grande caridade para com os mais necessitados, que constituíram características de toda a sua vida. Em 1884 foi nomeado Bispo de Mântua e em 1893 Patriarca de Veneza. No dia 4 de Agosto de 1903 foi eleito Papa, ministério que aceitou com hesitação, porque não se considerava à altura de uma tarefa tão importante.
O Pontificado de São Pio X deixou um sinal indelével na história da Igreja e caracterizou-se por uma notável esforço de reforma, resumida no mote Instaurare omnia in Christo, "Renovar tudo em Cristo". Com efeito as suas intervenções envolveram os vários âmbitos eclesiais. Desde o começo, dedicou-se à reorganização da Cúria romana; depois, deu início aos trabalhos para a redacção do Código de Direito Canónico, promulgado pelo seu Sucessor Bento XV. Sucessivamente, promoveu a revisão dos estudos e do percurso de formação dos futuros sacerdotes, fundando também vários seminários regionais, dotados de boas bibliotecas e professores preparados. Outro ramo importante foi o da formação doutrinal do Povo de Deus. Desde os anos em que era pároco, tinha redigido pessoalmente um catecismo e, durante o Episcopado em Mântua, trabalhara a fim de que se chegasse a um catecismo único, se não universal, pelo menos italiano. Como autêntico Pastor, compreendera que a situação nessa época, também devido ao fenómeno da emigração, tornava necessário um catecismo ao qual cada fiel pudesse fazer referência, independentemente do lugar e das circunstâncias de vida. Como pontífice, preparou um texto de doutrina cristã para a Diocese de Roma, depois se difundiu em toda a Itália e no mundo. Este Catecismo, chamado "de Pio X" foi para muitas pessoas uma guia segura na aprendizagem das verdades relativas à fé pela sua linguagem simples, clara e específica, e pela eficácia da sua exposição.
Ele dedicou uma atenção notável à reforma da Liturgia, de modo particular da música sacra, para levar os fiéis a uma vida de oração mais profunda e a uma participação mais completa nos Sacramentos. No Motu Proprio Tra le sollecitudini, de 1903, primeiro ano do seu Pontificado, ele afirma que o verdadeiro espírito cristão tem a sua fonte primária e indispensável na participação concreta nos mistérios sacrossantos e na oração pública e solene da Igreja (cf. AAS 36 [1903], 531). Por isso, recomendava a aproximação frequente dos Sacramentos, favorecendo a recepção diária da Sagrada Comunhão, bem preparados, e antecipando oportunamente a Primeira Comunhão das crianças mais ou menos aos sete anos de idade, "quando a criança começa a raciocinar" (cf. S. Congr. de Sacramentis, Decretum Quam singulari: AAS 2 [1910], 582).
Fiel à tarefa de confirmar os irmãos na fé, São Pio X, diante de algumas tendências que se manifestaram no âmbito teológico, no final do século XIX e no início do século XX, interveio com determinação, condenando o "Modernismo", para defender os fiéis de concepções erróneas e promover um aprofundamento científico da Revelação, em harmonia com a Tradição da Igreja. Em 7 de Maio de 1909, com a Carta Apostólica Vinea electa, fundou o Pontifício Instituto Bíblico. Os últimos meses da sua vida foram funestados pelos indícios da guerra. O apelo aos católicos do mundo, lançado a 2 de Agosto de 1914, para manifestar "a dor acerba" da hora presente, era o clamor de sofrimento do pai que vê os filhos pôr-se uns contra os outros. Faleceu pouco tempo depois, no dia 20 de Agosto, e a sua fama de santidade começou a difundir-se imediatamente no meio do povo cristão.
Caros irmãos e irmãs, São Pio X ensina-nos a todos que na base da nossa obra apostólica, nos vários campos em que trabalhamos, deve haver sempre uma íntima união pessoal com Cristo, que se há-de cultivar e aumentar dia após dia. Eis o cerne de todo o seu ensinamento, de todo o seu compromisso apostólico. Somente se formos apaixonados pelo Senhor, seremos capazes de conduzir os homens a Deus, de os abrir ao seu Amor misericordioso e, deste modo, de abrir o mundo à misericórdia de Deus.
Audiência de Quarta-feira, 18 de agosto de 2010.
Fonte: www.vatican.va
São Tarcísio
Prezados irmãos e irmãs
Desejo manifestar a minha alegria por estar hoje aqui no meio de vós, nesta Praça, onde vos congregastes em festa para a presente Audiência geral, que conta com uma presença tão significativa da grande Peregrinação europeia dos acólitos! Amados rapazes, moças e jovens, sede bem-vindos! Dado que a vasta maioria dos acólitos presentes na Praça são de expressão alemã, dirigir-me-ei a eles principalmente na minha língua materna.
Queridos acólitos e queridas acólitas, caros amigos e estimados peregrinos de língua alemã, bem-vindos aqui a Roma! Saúdo todos vós do íntimo do coração. Juntamente convosco, saúdo o Cardeal Secretário de Estado, Tarcisio Bertone; ele chama-se Tarcísio, como o vosso Padroeiro. Tivestes a gentileza de o convidar, e ele, que tem o nome de São Tarcísio, sente-se feliz por estar aqui no meio dos acólitos do mundo e entre os acólitos de expressão alemã. Saúdo os dilectos Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio, bem como os Diáconos, que quiseram participar na presente Audiência. Agradeço de coração ao Bispo Auxiliar de Basileia, D. Martin Gächter, Presidente do "Coetus internationalis ministrantium", as palavras de saudação que me dirigiu, o grandioso dom da estátua de São Tarcísio e o lenço que me ofereceu. Tudo isto me faz recordar o período em que também eu fui um menino de coro. Agradeço-lhe, em vosso nome, também o grande trabalho que ele realiza no meio de vós, juntamente com os colaboradores e com quantos tornaram possível este alegre encontro. Depois, dirijo o meu agradecimento aos promotores suíços e àqueles que trabalharam de vários modos para a realização da estátua de São Tarcísio.
Sede numerosos! Já quando sobrevoei a Praça de São Pedro de helicóptero pude ver todas as cores e a alegria que está presente nesta Praça! Desde modo, vós não apenas criais um ambiente de festa nesta Praça, mas alegrais ainda mais o meu coração! Obrigado! A estátua de São Tarcísio chegou até nós após uma longa peregrinação. Em Setembro de 2008 foi apresentada na Suíça, na presença de 8.000 acólitos: sem dúvida, alguns de vós estavam lá presentes. Da Suíça, ela passou por Luxemburgo e chegou até à Hungria. Hoje, nós recebemo-la festivos, contentes por poder conhecer melhor esta figura dos primeiros séculos da Igreja. Depois a estátua – como já nos disse D. Gächter – será colocada nas catacumbas de São Calisto, onde São Tarcísio foi sepultado. Os bons votos que formulo a todos vós é a fim de que aquele lugar, ou seja, as catacumbas de São Calisto e esta estátua, possa tornar-se assim um ponto de referência para os acólitos e para aqueles que desejam seguir Jesus mais de perto através da vida sacerdotal, religiosa e missionária. Todos podem olhar para este jovem corajoso e forte, renovando o compromisso de amizade com o próprio Senhor para aprender a viver sempre com Ele, seguindo o caminho que ele nos indica com a sua Palavra e o testemunho de numerosos santos e mártires dos quais, por intermédio do Baptismo, nos tornamos irmãos e irmãs.
Quem era São Tarcísio? Não dispomos de muitas notícias dele. Encontramo-nos nos primeiros séculos da história da Igreja, mais precisamente no século III; narra-se que ele era um jovem que frequentava as Catacumbas de São Calisto, aqui em Roma, e era muito fiel aos seus compromissos cristãos. Ele amava muito a Eucaristia e, de vários elementos, concluímos que, presumivelmente, era um acólito, ou seja, um ministrante. Eram anos em que o imperador Valeriano perseguia duramente os cristãos, que eram obrigados a reunir-se escondidos nas casas particulares ou, às vezes, até mesmo nas Catacumbas, para ouvir a Palavra de Deus, rezar e celebrar a Santa Missa. Também o hábito de levar a Eucaristia aos prisioneiros e aos enfermos se tornava cada vez mais perigosa. Certo dia, quando o sacerdote perguntou como geralmente fazia quem estava disposto a levar a Eucaristia aos outros irmãos e irmãs que a esperavam, o jovem Tarcísio ergueu-se e disse: "Envia-me a mim!". Aquele rapaz parecia demasiado jovem para um serviço tão exigente! "A minha juventude – retorquiu Tarcísio – será a melhor salvaguarda para a Eucaristia". Persuadido, o sacerdote confiou-lhe então aquele Pão precioso, dizendo-lhe: "Tarcísio, recorda-te que um tesouro celestial está a ser confiado aos teus frágeis cuidados. Evita os caminhos frequentados e não te esqueças de que as coisas santas não devem ser lançadas aos cães, nem as jóias aos porcos. Conservarás com fidelidade e segurança os Sagrados Mistérios?". "Morrerei – respondeu com determinação Tarcísio – antes de os ceder!". Ao longo do caminho, encontrou pela estrada alguns amigos que, aproximando-se dele, lhe pediram para se unir a eles. Quando a sua resposta foi negativa eles – que eram pagãos – começaram a suspeitar e a insistir, e observaram que ele apertava ao peito algo que parecia defender. Em vão procuraram arrancar-lhe o que ele trazia; a luta fez-se cada vez mais furiosa, sobretudo quando vieram a saber que Tarcísio era cristão; começaram a dar-lhe pontapés e lançaram-lhe pedras, mas ele não cedeu. Em agonia, foi levado ao sacerdote por um oficial pretoriano chamado Quadrato que, ocultamente, também viria a tornar-se cristão. Chegou ali sem vida, mas apertado ao peito ainda conservava um pequeno pedaço de linho com a Eucaristia. Foi sepultado imediatamente nas Catacumbas de São Calisto. O Papa Dâmaso mandou fazer uma inscrição para o túmulo de São Tarcísio, segundo a qual o jovem morreu no ano 257. O Martirológio Romano fixa a sua data no dia 15 de Agosto, e no mesmo Martirológio inclui-se também uma bonita tradição oral, segundo a qual no corpo de São Tarcísio não foi encontrado o Santíssimo Sacramento, nem nas mãos, nem na sua roupa. Explicou-se que a partícula consagrada, defendida com a vida pelo pequeno mártir, se tinha tornado carne da sua carne, formando de tal modo com o seu corpo uma única hóstia imaculada, oferecida a Deus.
Amadas acólitas e amados acólitos, o testemunho de São Tarcísio e esta bonita tradição ensinam-nos o profundo amor e a grande veneração que temos de alimentar pela Eucaristia: trata-se de um bem precioso, um tesouro cujo valor não se pode medir, é Pão da vida, é o próprio Jesus que se faz alimento, sustentáculo e força para o nosso caminho de todos os dias e vereda aberta para a vida eterna; é o maior dom que Jesus nos deixou.
Dirijo-me a vós aqui presentes e, por meio de vós, a todos os acólitos do mundo! Servi com generosidade Jesus presente na Eucaristia. É uma tarefa importante, que vos permite permanecer particularmente próximos do Senhor e crescer numa amizade verdadeira e profunda com Ele. Conservai ciosamente esta amizade no vosso coração, como fez São Tarcísio, prontos a comprometer-vos, a lutar e a dar a vossa vida para que Jesus chegue a todos os homens. Também vós, comunicai aos vossos coetâneos o dom desta amizade, com alegria e com entusiasmo, sem medo, a fim de que eles possam sentir que vós conheceis este Mistério, que é verdadeiro e que o amais! Cada vez que vos aproximais do altar, tendes a sorte de assistir ao grande gesto de amor de Deus, que continua a desejar entregar-se a cada um de nós, a estar próximo de nós, a ajudar-nos, a incutir-nos a força para que possamos viver bem. Mediante a consagração – bem o sabeis – aquela pequena partícula de pão torna-se o Corpo de Cristo e aquele vinho torna-se o Sangue de Cristo. Tendes a ventura de poder viver próximos desde mistério inefável! Desempenhai com amor, com devoção e com fidelidade a vossa tarefa de acólitos; não entreis na igreja para a Celebração com superficialidade, mas preparai-vos interiormente para a Santa Missa! Ajudando os vossos sacerdotes no serviço do altar, vós contribuís para tornar Jesus mais próximo, de tal modo que as pessoas possam sentir e dar-se conta disto em maior medida: Ele está aqui; vós colaborais a fim de que Ele possa estar mais presente no mundo, na vida de todos os dias, na Igreja e em todos os lugares. Amados amigos! Vós ofereceis a Jesus as vossas mãos, os vossos pensamentos e o vosso tempo. Ele não deixará de vos recompensar, concedendo-vos a alegria verdadeira e fazendo-vos sentir onde reside a felicidade mais completa. São Tarcísio mostrou-nos que o amor nos pode levar até à entrega da vida por um bem autêntico, pelo bem genuíno, pelo Senhor.
A nós, provavelmente, não será pedido o martírio, mas Jesus pede-nos a fidelidade nas pequenas coisas, o recolhimento interior, a participação íntima, a nossa fé e o esforço para conservar presente este tesouro na nossa vida diária. Pede-nos a fidelidade nos afazeres quotidianos, o testemunho do seu amor, frequentando a Igreja movidos por uma convicção interior e pela alegria da sua presença. Assim podemos fazer conhecer também aos nossos amigos que Jesus está vivo. Que neste compromisso sejamos ajudados pela intercessão de São João Maria Vianney, de quem hoje celebramos a memória litúrgica, desde humilde Pároco da França, que transformou uma pequena comunidade e deste modo ofereceu ao mundo uma nova luz. O exemplo dos Santos Tarcísio e João Maria Vianney nos leve a amar Jesus cada dia e a cumprir a sua vontade, como fez a Virgem Maria, fiel ao seu Filho até ao fim. Uma vez mais, obrigado a todos vós! Que Deus vos abençoe nestes dias e bom regresso aos vossos países!
Praça de São Pedro, 4 de agosto de 2010.
Clara de Assis - Catequese do Papa Bento XVI
Escrito por Trídia CriaçãoClara de Assis
Prezados irmãos e irmãs
Uma das Santas mais amadas é, sem dúvida, Santa Clara de Assis, que viveu no século XIII, contemporânea de São Francisco. O seu testemunho mostra-nos como a Igreja inteira é devedora a mulheres intrépidas e ricas de fé como ela, capazes de dar um impulso decisivo para a renovação da Igreja.
Portanto, quem era Clara de Assis? Para responder a esta pergunta, dispomos de fontes seguras: não apenas das antigas biografias, como a de Tomás de Celano, mas também das Actas do processo de canonização promovido pelo Papa só poucos meses depois da morte de Clara e que contém os testemunhos daqueles que viveram ao seu lado durante muito tempo.
Tendo nascido em 1193, Clara pertencia a uma família aristocrática e rica. Renunciou à nobreza e à riqueza para viver humilde e pobre, seguindo a forma de vida proposta por Francisco de Assis. Embora os seus parentes, como acontecia nessa época, começavam a programar para ela um matrimónio com uma personalidade importante, Clara, com 18 anos de idade, com um gesto audaz inspirado pelo profundo desejo de seguir Cristo e pela admiração que tinha por Francisco, deixou a casa paterna e, em companhia de uma das suas amigas, Bona de Guelfuccio, uniu-se secretamente aos frades menores na pequena igreja da Porciúncula. Era a tarde do Domingo de Ramos de 1211. Na comoção geral, foi levado a cabo um gesto profundamente simbólico: enquanto os seus companheiros seguravam nas mãos algumas tochas acesas, Francisco cortou-lhe os cabelos e Clara vestiu o rude hábito penitencial. A partir daquele momento, ela tornou-se a virgem esposa de Cristo, humilde e pobre, consagrando-se totalmente a Ele. Como Clara e as suas companheiras, inúmeras mulheres ao longo da história ficaram fascinadas pelo amor a Cristo que, na beleza da sua Pessoa divina, enche o seu coração. E a Igreja inteira, por intermédio da mística vocação nupcial das virgens consagradas, mostra-se como sempre será: a Esposa bonita e pura de Cristo.
Numa das quatro cartas que Clara enviou a Santa Inês de Praga, filha do rei da Boémia, que desejava seguir os seus passos, fala de Cristo, seu amado Esposo, com expressões nupciais que podem causar admiração, mas que comovem: «Amando-o, és casta, tocando-o, serás pura, deixando-te possuir por Ele, és virgem. O seu poder é mais forte, a sua generosidade é mais elevada, o seu aspecto é mais excelso, o amor é mais suave e todas as graças mais sublimes. Já foste conquistada pelo seu abraço, que ornamentou o seu peito com pedras preciosas... coroando-te com um diadema de ouro, marcado com o sinal da santidade» (Primeira Carta: FF, 2862).
Principalmente no início da sua experiência religiosa, Clara encontrou em Francisco de Assis não apenas um mestre cujos ensinamentos devia seguir, mas inclusive um amigo fraterno. A amizade entre estes dois santos constitui um aspecto muito bonito e importante. Com efeito, quando se encontram duas almas puras e inflamadas pelo mesmo amor a Deus, elas haurem da amizade recíproca um estímulo extremamente forte para percorrer o caminho da perfeição. A amizade é um dos sentimentos humanos mais nobres e elevados que a Graça divina purifica e transfigura. Como São Francisco e Santa Clara, também outros Santos viveram uma profunda amizade no caminho rumo à perfeição cristã, como São Francisco de Sales e Santa Joana Francisca de Chantal. E é precisamente São Francisco de Sales que escreve: «É bom poder amar na terra como se ama no céu, e aprendermos a amar neste mundo como havemos de fazer eternamente no outro. Aqui não me refiro ao simples amor de caridade, porque temos que ter este amor por todos os homens; refiro-me à amizade espiritual, no âmbito da qual duas, três ou mais pessoas permutam entre si a devoção e os afectos espirituais, tornando-se realmente um só espírito» (Introdução à vida devota, III, 19).
Depois de ter transcorrido um período de alguns meses no interior de outras comunidades monásticas, resistindo às pressões dos seus familiares que inicialmente não aprovaram a sua escolha, Clara estabeleceu-se com as primeiras companheiras na igreja de São Damião, onde os frades menores tinham organizado um pequeno convento para si mesmos. Naquele mosteiro ela viveu por mais de quarenta anos, até à morte, ocorrida em 1253. Dispomos de uma descrição de primeira mão, sobre o modo como estas mulheres viviam naqueles anos, nos primórdios do movimento franciscano. Trata-se do relatório admirado de um bispo flamengo em visita à Itália, D. Tiago de Vitry, que afirma ter-se encontrado com um grande número de homens e mulheres, de todas as classes sociais que, «deixando tudo por Cristo, fugiam do mundo. Chamavam-se frades menores e irmãs menores e são tidos em grande consideração pelo Senhor Papa e pelos cardeais... As mulheres... vivem juntas, em diversos hospícios não distantes das cidades. Nada recebem, mas vivem do trabalho das suas próprias mãos. E sentem-se profundamente amarguradas e incomodadas, porque são honradas mais do que desejariam por clérigos e leigos» (Carta de Outubro de 1216: FF, 2205.2207).
Tiago de Vitry tinha reconhecido com perspicácia uma característica da espiritualidade franciscana, à qual Clara era muito sensível: a radicalidade da pobreza, associada à confiança total na Providência divina. Por este motivo, ela agiu com grande determinação, obtendo da parte do Papa Gregório IX ou, provavelmente, já do Papa Inocêncio III, o chamado Privilegium paupertatis (cf. FF, 3279). Com base nisto, Clara e as suas companheiras de São Damião não podiam possuir qualquer propriedade material. Tratava-se de uma excepção verdadeiramente extraordinária em relação ao direito canónico então em vigor, e as autoridades eclesiásticas daquela época concederam-no, valorizando os frutos de santidade evangélica, que reconheciam no estilo de vida de Clara e das suas irmãs. Isto demonstra que, também nos séculos da Idade Média, o papel das mulheres não era secundário, mas considerável. A este propósito, é útil recordar que Clara foi a primeira mulher na história da Igreja que compôs uma Regra escrita, submetida à aprovação do Papa, para que o carisma de Francisco de Assis fosse conservado em todas as comunidades femininas, que se iam estabelecendo em grande número já naquela época e que desejavam inspirar-se no exemplo de Francisco e de Clara.
No convento de São Damião, Clara praticou de maneira heróica as virtudes que deveriam distinguir cada cristão: a humildade, o espírito de piedade e de penitência, a caridade. Não obstante fosse a superiora, ela queria servir pessoalmente as irmãs enfermas, sujeitando-se inclusive a tarefas extremamente humildes: com efeito, a caridade ultrapassa qualquer resistência, e quem ama realiza todo o sacrifício com alegria. A sua fé na presença real da Eucaristia era tão grande que, por duas vezes, se verificou um acontecimento milagroso. Só com a ostensão do Santíssimo Sacramento, ela afugentou os soldados mercenários sarracenos, que estavam prestes a invadir o convento de São Damião e a devastar a cidade de Assis.
Também estes episódios, assim como outros milagres dos quais se conservava a memória, impeliram o Papa Alexandre IV a canonizá-la apenas dois anos depois da sua morte, em 1255, delineando um seu elogio na Bula de canonização, em que lemos: «Como é vivo o poder desta luz e como é forte a resplandecência desta fonte luminosa! Na realidade, esta luz mantinha-se fechada no escondimento da vida claustral, enquanto fora irradiava clarões luminosos; recolhia-se num mosteiro angusto, enquanto fora se difundia em toda a vastidão do mundo. Conservava-se dentro e propagava-se fora. Com efeito, Clara escondia-se, mas a sua vida era revelada a todos. Clara calava-se, mas a sua fama clamava» (FF, 3284). E é precisamente assim, estimados amigos: são os Santos que mudam o mundo para melhor, que o transformam de forma duradoura, infundindo as energias que unicamente o amor inspirado pelo Evangelho pode suscitar. Os Santos são os grandes benfeitores da humanidade!
A espiritualidade de Santa Clara, a síntese da sua proposta de santidade é condensada na quarta Carta a Santa Inês de Praga. Santa Clara recorre a uma imagem muito difundida na Idade Média, de ascendências patrísticas: o espelho. E convida a sua amiga de Praga a reflectir-se naquele espelho de perfeição de todas as virtudes, que é o próprio Senhor. Ela escreve: «Sem dúvida, feliz é aquela a quem é concedido beneficiar desta sagrada união, para aderir com o profundo do coração [a Cristo], Àquele cuja beleza é admirada incessantemente por todas as bem-aventuradas plêiades dos céus, cujo afecto apaixona, cuja contemplação restabelece, cuja benignidade sacia, cuja suavidade satisfaz, cuja recordação resplandece suavemente, diante de cujo perfume os mortos voltarão à vida e cuja visão gloriosa tornará bem-aventurados todos os cidadãos da Jerusalém celeste. E dado que Ele é esplendor da glória, candura da luz eterna e espelho sem mancha, olha todos os dias para este espelho, ó rainha esposa de Jesus Cristo, e nela perscruta continuamente o teu rosto, para que assim tu possas adornar-te inteiramente no interior e no exterior... Neste espelho refulgem a bem-aventurada pobreza, a santa humildade e a inefável caridade» (Quarta Carta: FF, 2901-2903).
Gratos a Deus que nos doa os Santos que falam ao nosso coração e nos oferecem um exemplo de vida cristã a imitar, gostaria de concluir com as mesmas palavras de bênção que Santa Clara compôs para as suas irmãs de hábito e que ainda hoje as Clarissas, desempenhando um papel precioso na Igreja com a sua oração e a sua obra, conservam com grande devoção. São expressões em que sobressai toda a ternura da sua maternidade espiritual: «Abençoo-vos na minha vida e após a minha morte, como posso e mais do que posso, com todas as bênçãos com as quais o Pai da misericórdia abençoou e há-de abençoar no céu e na terra os filhos e as filhas, e com as quais um pai e uma mãe espiritual abençoaram e hão-de abençoar os seus filhos e as suas filhas espirituais. Amém!» (FF, 2856).
Sala Paulo VI, Quarta-feira, 15 de setembro de 2010.
Mais nesta categoria +
Santa Maria Goretti
Maria nasceu em 16 de outubro de 1890, em Corinaldo, província de Ancona, Itália. Filha de Luigi Goretti e Assunta Carlini, terceira de sete filhos de uma família pobre de bens terrenos mas rica em fé e virtudes, cultivadas por meio da oração em comum, terço todos os dias e aos domingos Missa e sagrada Comunhão. No dia seguinte a seu nascimento, foi batizada e consagrada à Virgem. Aos seis anos recebeu o sacramento da Confirmação. |
|
Depois do nascimento de seu quarto filho, Luigi Goretti, pela dura crise econômica que enfrentava, decidiu emigrar com sua família às grandes planícies dos campos romanos, ainda insalubres naquela época.
Instalou-se em Ferriere di Conca, colocando-se a serviço do conde Mazzoleni, neste lugar Maria mostra claramente uma inteligência e uma maturidade precoce, onde não existia nenhum pingo de capricho, nem de desobediência, nem de mentira. É realmente o anjo da família.
Após um ano de trabalho esgotante, Luigi contraiu uma doença fulminante, a malária, que o levou à morte depois de padecer por dez dias. Como conseqüência da morte de Luigi, Assunta teve que trabalhar deixando a casa a cargo dos irmãos mais velhos. Maria freqüentemente chorava a morte de seu pai, e aproveita qualquer ocasião para ajoelhar-se diante de sua tumba, para elevar a Deus suas preces para que seu pai goze da glória divina.
Junto com a tarefa de cuidar de seus irmãos menores, Maria seguia rezando e assistindo a seu curso de catecismo. Posteriormente, sua mãe contará que o terço lhe era necessário e, de fato, o levava sempre enrolado em volta do pulso. Assim como a contemplação do crucifixo, que foi para Maria uma fonte onde se nutria de um intenso amor de Deus e de um profundo horror pelo pecado.
Amor intenso ao Senhor
|
Maria desde muito pequena ansiava receber a Sagrada Eucaristia. Segundo era costume na época, deveria esperar até os onze anos, mas um dia perguntou a sua mãe: -Mamãe, quando tomarei a Comunhão?. Quero Jesus. –Como vai tomá-la, se não sabes o catecismo? Além disso, não sabes ler, não temos dinheiro para comprar o vestido, os sapatos e o véu, e não temos nem um momento livre. –Pois assim nunca tomarei a Comunhão, mamãe! E eu não posso estar sem Jesus! -E, o que queres que eu faça? Não posso deixar que comungues como uma pequena ignorante. |
Diante destas condições, Maria começou a se preparar com ajuda de uma pessoa do lugar, e todo o povo a ajudar dando-lhe a roupa da comunhão. Desta maneira, recebeu a Eucaristia em 29 de maio de 1902.
A comunhão constante acrescenta nela o amor pela pureza e a anima a tomar a resolução de conservar essa angélica virtude a todo custo. Um dia, após ter escutado um intercâmbio de frases desonestas entre um rapaz e uma de suas companheiras, diz com indignação à sua mãe -Mamãe, que mal havia essa menina! -Procura não tomar parte nunca nestas conversações – Não quero nem pensar, mamãe; antes que fazê-lo, preferiria...E a palavra morrer fica entre seus lábios. Um mês depois, ocorre o que ela sentenciou.
Pureza eterna
Ao entrar a serviço do conde Mazzoleni, Luigi Goretti havia se associado com Giovanni Serenelli e seu filho Alessandro. As duas famílias vivem em quartos separados, mas a cozinha é comum. Luigi se arrependeu em seguida daquela união com Giovanni Serenelli, pessoa muito diferente dos seus, bebedor e carente de discrição em suas palavras.
Depois da morte de Luigi, Assunta e seus filhos haviam caído sob o jugo despótico dos Serenelli, Maria, que compreendeu a situação, esforça-se para apoiar sua mãe: -Ânimo, mamãe, não tenhas medo, que já estamos crescendo. Basta com que o Senhor nos conceda saúde. A Providência nos ajudará. Lutaremos e seguiremos lutando! |
|
Desde a morte de seu marido, Assunta sempre esteve no campo e nem sequer tem tempo de ocupar-se da casa, nem da instrução religiosa dos mais pequenos.
Maria se encarrega de tudo, na medida do possível. Durante as refeições, não se senta à mesa até que todos estejam servidos, e para ela serve as sobras. Sua obsequiosidade se estende igualmente aos Serenelli. Por sua vez, Giovanni, cuja esposa havia falecido no hospital psiquiátrico de Ancona, não se preocupa em nada com seu filho Alessandro, jovem robusto de dezenove anos, grosseiro e vicioso, que gostava de cobrir seu quarto com imagens obscenas e ler livros indecentes. Em seu leito de morte, Luigi Goretti havia pressentido o perigo que a companhia dos Serenelli representava para seus filhos, e havia repetido sem cessar à sua esposa:
-Assunta, volte para Corinaldo! Infelizmente Assunta está endividada e comprometida por um contrato de arrendamento.
Depois de ter maior contato com a família Goretti, Alessandro começou a fazer proposições desonestas à inocente Maria, que em um princípio não compreende.
Mais tarde, ao adivinhar as intenções perversas do rapaz, a jovem está sobre aviso e rejeita a adulação e as ameaças. Suplica à sua mãe que não deixe sozinha na casa, mas não se atreve a explicar-lhe claramente as causas de seu pânico, pois Alessandro a havia ameaçado –Se contar algo a tua mãe, te mato. Seu único recurso é a oração. Na véspera de sua morte, Maria pede novamente chorando à sua mãe que não a deixe sozinha, mas, ao não receber mais explicações, esta o considera um capricho e não dá nenhuma importância àquela reiterada súplica.
No dia 5 de julho, a uns quarenta metros da casa, estão debulhando as favas na terra. Alessandro leva um carro puxado por bois. O faz girar uma e outra vez sobre as favas estendidas no chão. Às três da tarde, no momento em que Maria se encontra sozinha em casa, Alessandro diz:
-"Assunta, quer fazer o favor de levar um momento os bois para mim?" Sem suspeitar nada, a mulher o faz, Maria, sentada na soleira da cozinha, remenda uma camisa que Alessandro lhe entregou depois de comer, enquanto vigia sua irmãzinha Teresinha, que dorme a seu lado.
-"Maria!, grita Alessandro. -Quer queres? -Quero que me sigas. -Para quê? –segue-me!
-Se não me dizes o que queres, não te sigo".
Perante a resistência, o rapaz a agarra violentamente pelo braço e a arrasta até a cozinha, trancando a porta. A menina grita, o ruído não chega ao lado de fora. Ao não conseguir que a vítima se submeta, Alessandro a amordaça e esgrime um punhal. Maria põe-se a tremer, mas não sucumbe. Furioso, o jovem tenta com violência arrancar-lhe a roupa, mas Maria se desata da mordaça e grita:
-Não faças isso, que é pecado... Irás para o inferno.
Pouco cuidadoso com o juízo de Deus, o desgraçado levanta a arma:
-Se não deixar, te mato.
Frente àquela resistência, a atravessa com facadas. A menina se põe a gritar:
-Meu Deus! Mamãe!, e cai no chão.
Pensando que estava morta, o assassino atira a faca e abre a porta para fugir, mas ao escutá-la gemer de novo, volta sobre seus passos, pega a arma e a atravessa outra vez de parte a parte; depois, sobe e se tranca em seu quarto.
Maria recebeu catorze feridas graves e ficou inconsciente. Ao recobrar a consciência, chama o senhor Serenelli: Giovanni! Alessandro me matou... Venha. Quase ao mesmo tempo, despertada pelo ruído, Teresinha lança um grito estridente, que sua mãe escuta. Assustada, diz a seu filho Mariano: -Corre a buscar a Maria; diga-lhe que Teresinha a chama.
Naquele momento, Giovanni Serenelli sobe as escadas e, ao ver o horrível espetáculo que se apresenta diante seus olhos, exclama: -Assunta, e tu também, Mário, vem!. Mario Cimarelli, um trabalhador da granja, sobe as escadas à toda pressa. A mãe chega também: -Mamãe!, geme Maria. -É Alessandro, que queria me fazer mal! Chamam o médico e os guardas, que chegam a tempo para impedir que os vizinhos, muito exaltados, matassem Alessandro no ato.
Sofrimento redentor
|
Ao chegar ao hospital, os médicos se surpreenderam de que a menina ainda não havia sucumbido a seus ferimentos, pois alcançou o pericárdio, o coração, o pulmão esquerdo, o diafragma e o intestino. Ao diagnosticar que não tem cura, chamaram o capelão. Maria se confessa com toda clareza. Em seguida, durante duas horas, os médicos cuidaram dela sem adormecê-la. |
Maria não se lamenta, e não deixa de rezar e de oferecer seus sofrimentos à santíssima Virgem, Mãe das Dores. Sua mãe conseguiu que lhe permitam permanecer à cabeceira da cama. Maria ainda tem forças para consolá-la : -Mamãe, querida mamãe, agora estou bem... Como estão meus irmãos e irmãs?
Em um momento, Maria diz à sua mãe: -Mamãe, dê-me uma gota de água. –Minha pobre Maria, o médico não quer, porque seria pior para ti. Estranhada, Maria continua dizendo:
-Como é possível que não possa beber nem uma gota de água? Em seguida, dirige o olhar sobre Jesus crucificado, que também havia dito Tenho sede!, e entendeu.
O sacerdote também está a seu lado, assistindo-a paternalmente. No momento de lhe dar a Sagrada Comunhão, perguntou-lhe: -Maria, perdoa de todo coração teu assassino? Ela respondeu: -Sim, perdôo pelo amor de Jesus, e quero que ele também venha comigo ao paraíso. Quero que esteja a meu lado... Que Deus o perdoe, porque eu já o perdoei.
Passando por momentos análogos pelos quais passou o Senhor Jesus na Cruz, Maria recebeu a Eucaristia e a Extrema unção, serena, tranqüila, humilde no heroísmo de sua vitória.
Depois de breves momentos, escutam-na dizer: "Papai". Finalmente, Maria entra na glória da Comunhão com Deus amor. É o dia 6 de julho de 1902, às três horas da tardes.
A conversão de Alessandro
No julgamento, Alessandro, aconselhado por seu advogado, confessou: -"Gostava dela. A provoquei duas vezes ao mal, mas não pude conseguir nada. Despeitado, preparei o punhal que devia utilizar". Por isso, foi condenado a 30 anos de trabalhos forçados. Aparentava não sentir nenhum arrependimento do crime tanto assim que às vezes o escutavam gritar: |
|
-"Aníma-te, Serenelli, dentro de vinte e nove anos e seis meses serás um burguês!". Entretanto, alguns anos mais tarde, Dom Blandini, Bispo da diocese onde está a prisão, decide visitar o assassino para encaminhá-lo ao arrependimento. -"Está perdendo o tempo, monsenhor -afirma o carcereiro-, ele é um duro!"
Alessandro recebeu o bispo resmungando, mas perante a lembrança de Maria, de seu heróico perdão, da bondade e da misericórdia infinita de Deus, deixa-se alcançar pela graça. Depois do Prelado sair, chora na solidão da cela, perante a estupefação dos carcereiro.
Depois de ter um sonho onde Maria lhe apareceu, vestida de branco nos jardins do paraíso, Alessandro, muito questionado, escreveu a Dom Blandino: "Lamento pelo crime que cometi porque sou consciente de ter tirado a vida de uma pobre menina inocente que, até o último momento, quis salvar sua honra, sacrificando-se antes de ceder a minha criminal vontade. Peço perdão a Deus publicamente, e à pobre família, pelo enorme crime que cometi. Confio obter também eu o perdão, como tantos outros na terra". Seu sincero arrependimento e sua boa conduta na prisão lhe devolvem a liberdade quatro anos antes da expiração da pena. Depois, ocupará o posto de hortelão em um convento de capuchinhos, mostrando uma conduta exemplar, e será admitido na ordem terceira de São Francisco.
Graças à sua boa disposição, Alessandro foi chamado com testemunha no processo de beatificação de Maria. Foi algo muito delicado e penoso para ele, mas confessou: "Devo reparação, e devo fazer tudo o que esteja a meu alcance para sua glorificação. Toda a culpa é minha. Deixei-me levar pela brutal paixão. Ela é uma santa, uma verdadeira mártir. É uma das primeiras no paraíso, depois do que teve que sofrer por minha causa".
No Natal de 1937, Alessandro dirigiu-se a Corinaldo, lugar onde Assunta Goretti havia se retirado com seus filhos. E vai simplesmente para fazer reparação e pedir perdão à mãe de sua vítima. Nada mais chegar diante dela, pergunta-lhe chorando. -"Assunta, pode me perdoar? -Se Maria te perdoou -balbucia-, como eu não vou te perdoar?" No mesmo dia de Natal, os habitantes de Corinaldo ficam surpresos e emocionados ao ver aproximar-se à mesa da Eucaristia, um ao lado do outro, Alessandro e Assunta.
Fonte: www.acidigital.com
São Maximiliano Kolbe: mártir da caridade
Raimundo Kolbe nasceu em 1894, na Polônia, numa família operária que o introduziu no seguimento de Cristo e, mais tarde, ajudou-o entrar para a família franciscana, onde tomou o nome de Maximiliano Maria.
Ao ser mandado para terminar sua formação em Roma, Maximiliano, inspirado pelo seu desejo de conquistar o mundo inteiro a Cristo por meio de Maria Imaculada, fundou o movimento de apostolado mariano chamado 'Milícia da Imaculada'. Como sacerdote foi professor, mas em busca de ensinar o caminho da salvação, empenhou-se no apostolado da imprensa e pôde, assim, evangelizar em muitos países, isto sempre na obediência às autoridades, tanto assim que deixou o fecundo trabalho no Japão para assumir a direção de um grande convento franciscano na Polônia.
Com o início da Segunda Grande Guerra Mundial, a Polônia foi tomada por nazistas e, com isto, Frei Maximiliano foi preso duas vezes, sendo que a prisão definitiva, ocorrida em 1941, levou-o para Auschwitz, onde no campo de extermínio, heroicamente evangelizou com a vida e morte. Aconteceu que diante da fuga de um prisioneiro, os nazistas decidiram que outros dez pagariam com a morte, sendo que um, desesperadamente, caiu em prantos:
"Minha mulher, meus filhinhos! Não os tornarei a ver!". Tratava-se de Franciszek Gajowniczek, soldado polonês.
Movido pelo amor que vence a morte, São Maximiliano Maria Kolbe dirigiu-se ao oficial nazista com a decisão própria de um mártir da caridade, ou seja, substituir o pai de família e ajudar a morrer os outros nove e, foi aceita, pois se identificou: "Sou um Padre Católico"
Os 10 prisioneiros foram empurrados numa pequena, úmida e totalmente escura cela dos subterrâneos, para morrer de fome. Durante 10 dias Frei Maximiliano conduziu os outros prisioneiros com cânticos e orações, e os consolou um a um na hora da morte. Após esses dias, como ainda estava vivo, recebeu uma injeção letal e partiu para o paraíso. Era o dia 14 de agosto de 1941.
O corpo de Maximiliano Kolbe foi cremado e suas cinzas atiradas ao vento. Numa carta, quase prevendo seu fim, escrevera: “Quero ser reduzido a pó pela Imaculada e espalhado pelo vento do mundo”.
Ao final da Guerra, começou um movimento pela beatificação do Frei Maximiliano Maria Kolbe, que ocorreu em 17 de outubro de 1971, pelo Papa Paulo VI. Em 1982, na presença de Franciszek Gajowniczek, o soldado polonês que sobreviveu aos horrores do campo de concentração, São Maximiliano foi canonizado pelo Papa João Paulo II, como mártir da caridade. Por seu intenso apostolado, é considerado o patrono da imprensa.
Com informações dos sites Canção Nova e Comunidade Shalom.
Fonte: www.milesecclesiae.blogspot.com
SÃO PANCRÁCIO
Nascido na então cidade turca de Frigia no ano 289 d.C., Pancrácio era filho de nobres romanos muito ricos e que não tinham como religião o cristianismo . Perdeu seu pai quando tinha 8 anos, mudando-se na ocasião para Roma com sua mãe , indo morar junto ao tio , Dionísio.
O Imperador Diocleciano iniciou nesta época a mais terrível perseguição feita aos cristãos. O Papa Marcelino refugiou-se no sítio vizinho ao de Dionísio. Pancrácio, embora muito jovem, ficou entusiasmado com a fé de muitos cristãos que estavam dispostos a dar a vida por Jesus Cristo. Interessou-se por conhecer o Evangelho e foi batizado. Algumas fontes ressaltam que o próprio Papa Marcelino foi quem o catequizou e batizou. Era o ano 303 d.C..
A perseguição ordenada por Diocleciano intensificou-se, condenando todos aqueles que não ofereciam incenso aos deuses e ao Imperador. Pancrácio foi descoberto e levado diante do Imperador que ordenou a sua morte. Aos 12 de maio do ano 304 da era Cristã, na cidade de Roma, na Via Aurélia, Pancrácio foi decapitado.
Os cristãos se incumbiram de sepultar o jovem mártir em um cemitério nas proximidades dessa importante via da Roma Antiga, a Catacumba de Calepódio , que, em seguida, teve o seu nome mudado em homenagem a ele. Neste local lê-se “ HIC DECOLLATUS FUIT SANCTUS PANCRATIUS ” (Aqui foi degolado São Pancrácio).
O culto a São Pancrácio iniciou-se desde o dia de seu martírio; muitos devotos visitavam a tumba, convertendo-a em um autêntico santuário de peregrinação de pessoas vindas de todos os lugares. Acima de sua catacumba foi erguida uma Basílica , no início do século VI. Mais tarde, o pontífice Honório I construiu, entre os anos 625 e 638, uma nova Basílica em honra de São Pancrácio, uma vez que a antiga corria risco de ruir.
A Devoção a São Pancrácio propagou-se pelo Ocidente e pelo Oriente no decorrer dos anos, em boa parte graças à narração de sua paixão e de dois atrativos que ajudaram a sua veneração: a sua tenra idade por ocasião da morte e os milagres que por sua intercessão lhe foram atribuídos. Sua devoção expandiu-se inclusive na Inglaterra onde, São Agostinho de Canterbury lhe dedicou uma igreja em meados do século VI.
São Pancrácio é considerado padroeiro dos jovens e das crianças, amparo dos idosos e intercessor dos enfermos. Apesar do patrono dos trabalhadores ser São José, São Pancrácio é também outro dos santos a quem muitos devotos recorrem para encontrar trabalho.
Oração a São Pancrácio
“ Ó Deus, que destes a São Pancrácio
a coragem e a graça
de testemunhar na flor da sua juventude,
não com palavras mas com o sangue,
a fidelidade a Cristo e à Igreja,
concedei-nos, em particular a todos os jovens,
expressar com a vida a fé recebida no Batismo.
Protegei de todo o perigo a nossa Comunidade,
que no jovem Mártir Pancrácio
venera seu padroeiro,
e abençoai o nosso trabalho e compromisso
na construção do Teu Reino
de justiça e de paz. Amém. ”
Rezar : Um Pai Nosso, Uma Ave-Maria e Glória ao Pai.
Festa Anual
Dia 12 de Maio - Data de aniversário da morte de São Pancrácio, jovem mártir decapitado em 304 d.C. , em Roma, por ordem do imperador Diocleciano.
Fonte: www.saopancracio.com.br
Santa Inês
Santa Inês é uma Virgem Mártir, venerada como Santa pela Igreja Católica Apostólica Romana e por outras denominações cristãs. É a padroeira da castidade, dos jardineiros, moças, noivos, vítimas de violação e virgens. Sua memória litúrgica se dá em 21 de Janeiro.
Vida
Viveu em Roma, onde foi martirizada em 304. Nobre, descendia da poderosa família Cláudia e desde pequena foi educada pelos pais na fé cristã. Cresceu virtuosa e decidiu consagrar sua pureza a Deus, resistindo às investidas dos jovens mais ricos da nobreza romana, desejosos de seu amor.
Tinha 13 anos quando foi cobiçada, por sua extraordinária beleza, riqueza e virtude, pelo jovem Procópio, filho do Prefeito de Roma, Semprônio. Como o rejeitou, Inês foi levada a julgamento e obrigada a incensar os ídolos de Roma, o que recusou-se a fazer, dizendo: "Virgens a Cristo consagradas não portarão tais lâmpadas, pois este fogo não é fé. Mas o meu sangue pode apagar este braseiro. Podem me ferir com suas espadas, mas nunca conseguirão profanar meu corpo consagrado a Cristo!" Por isso foi condenada a ser exposta nua num prostíbulo no Circo de Domiciano (hoje praça Navona, onde se ergue a Basílica de Santa Inês in Agone). Diz a lenda que, introduzida no local da desonra, uma luz celestial a protegeu e ninguém ousou aproximar-se dela. Seus cabelos cresceram maravilhosamente cobrindo seu corpo. Ao ser defendida por um anjo guardião, um dos seus lascivos pretendentes caiu morto, mas a santa, apiedada, orou a Deus e o ressuscitou. Temeroso, o Prefeito Sempronius passou o caso ao seu cruel substituto, Aspásio. Após novo interrogatório, a menina foi condenada a morrer queimada. As chamas também não a tocaram, voltando-se contra seus algozes e matando muitos deles. Foi por fim decapitada, a mando do vice-prefeito de Roma, Aspásio.
Seus pais sepultaram seu corpo num terreno próximo da Via Nomentana, onde a princesa Constança, filha do imperador Constantino mandou erguer a majestosa basílica de Santa Inês Fora dos Muros, palco de grandes milagres por intermédio da santa virgem.
A história conta que oito dias depois da morte, apareceu em grande glória aos pais que rezavam em seu túmulo, segurando um cordeirinho branco e cercada de muitas virgens e anjos e anunciou-lhes sua grande felicidade no céu.
O culto
Também conhecida como Santa Inês de Roma ou Santa Agnes, a sua festa canônica realiza-se a 21 de Janeiro. Centenas de igrejas são nomeadas em sua honra. A mais célebre está em Roma, Sant'Agnese fuori le mura, acima mencionada. Exames forenses realizados no crânio da jovem que se encontrava no tesouro de relíquias do "Sancta Sanctorum" da Basílica de Latrão recentemente comprovam que se trata realmente de uma menina de 13 anos.
Nos quadros é representada frequentemente com um cordeiro junto a si, até porque o seu nome provém do latim "agnus" (cordeiro) e um lírio, símbolo da pureza.
Fonte: Wikipédia, a enciclopédia livre.