Por Paul de Maeyer
ROMA, sexta-feira, 21 de janeiro de 2011 - Em vista de uma reunião do Conselho de Estado (órgão consultivo presidido por Dimitri Medvedez), o patriarca de Moscou, Kyrill, entregou, no dia 17 de janeiro, uma série de propostas de políticas familiares à direção do Estado Russo, informou a Agence France-Presse.
O objetivo desta iniciativa sem precedentes - é a primeira vez que a Igreja Ortodoxa prepara um documento oficial com propostas concretas para as autoridades - é, em particular, limitar o número de abortos.
O patriarcado também solicita que o custo do aborto não seja mais assumido pelo sistema de saúde (exceto em caso de risco de morte para as mulheres); propõe também a obrigação de informar as mulheres sobre todas as consequências negativas da interrupção da gravidez; e espera, além disso, a introdução de um consenso informado e de um tempo de reflexão. O documento da Igreja Ortodoxa também sugere a criação de um "centro de crise" em todas as clínicas obstétricas.
De acordo com Aleksandr Verkhovski, do centro de direitos humanos Sova, que fala de "propostas, do ponto de vista religioso, muito moderadas", a "Igreja Ortodoxa, assim como os católicos, é terminantemente contra o aborto, mas nesta mensagem dirigida às autoridades, conta com um compromisso".
Desde junho passado, a Igreja Ortodoxa Russa lançou um apelo a favor de normas mais rigorosas para reduzir os abortos no país, dada a alarmante diminuição da população. Na ocasião, o arcipreste Vsevolod Chaplin - influente figura próxima do Patriarca Kyrill -, declarou que,"em tempos da União Soviética, nós nos acostumamos com o aborto e com considerá-lo parte inevitável da nossa realidade jurídica, sem volta".
"Mas hoje vemos que é possível fazer um retrocesso significativo", disse o clérigo, confirmando a necessidade de mudança na lei do aborto. Segundo o arcipreste, as pessoas jovens, sem qualquer ligação com a Igreja ou com outras instituições religiosas, querem ver uma diminuição no número de abortos (Reuters, 1º de junho de 2010).
O aborto na Rússia remonta ao início do século passado. Apenas três anos após a revolução de 1917, a Rússia se tornou o primeiro país a legalizar a prática. Proibido novamente em 1936 por Stalin (exceto em alguns casos), o aborto foi novamente introduzido em 1955, quase dois anos após sua morte. Menos de dez anos após esta data, em 1964, registrou-se o mais alto nível na história da Rússia, a então União Soviética: 5,6 milhões de abortos.
O número de abortos começou a declinar na Rússia nos últimos dez anos. De acordo com dados do Ministério da Saúde, coletados pela BBC (16 de setembro de 2003), em 1990, houve 3,92 milhões abortos; 2,57 milhões em 1995; 1,96 milhão em 2000; e 1,78 milhão em 2002.
Apesar desta queda, o número de abortos em 2004 ultrapassou o de nascimentos: 1,6 milhão de abortos contra 1,5 milhão de nascimentos (The Times, 24 de setembro de 2005).
Juntamente com outros fatores, tais como o colapso do sistema de saúde após a queda da URSS, o consumo excessivo de álcool (especialmente vodka), o alto número de abortos tem levado a um declínio dramático da população, que começou em meados dos anos 90, ou seja, justamente depois do fim da URSS. Em menos de 20 anos, a população russa diminuiu de quase 149 milhões, em 1991, a menos de 142 milhões, em 2010.
O efeito desse declínio demográfico é visível no sistema educacional. Segundo dados do Ministério da Educação, coletados pelo The Times, desde 1999, o número de escolarizados diminui quase um milhão a cada ano. No ano letivo de 2004-2005, havia 5.604 escolas que tinham apenas dez alunos.
Sem uma mudança drástica de direção, a tendência de queda poderia continuar e, segundo estimativas da ONU, chegaria a 116 milhões de pessoas na Rússia em 2050 (World Population Prospects: the 2008 Revision Population Database), ou até mesmo 100 milhões.
O aborto, que se tornou um método contraceptivo, também contribui para o aumento da infertilidade. Falando em uma conferência internacional, Marina Tarasova, vice-diretora do Instituto de Pesquisa de Ginecologia e Obstetrícia, em São Petersburgo, divulgou, em setembro de 2008, números alarmantes: cada ano, cerca de 230 mil mulheres perdem a fertilidade na Rússia, principalmente devido a complicações durante a cirurgia, e o número de casais inférteis já supera os 5,5 milhões. "Durante os últimos cinco anos, a infertilidade feminina cresceu mais de 14% na Rússia e mais de 1,5 milhão de russas são forçadas a recorrer a tecnologias médicas avançadas para engravidar", disse Tarasova (The St. Peterburgs Times, 30 de setembro de 2008).
Para resolver isso, em abril de 2005, o então presidente russo, Vladimir Putin, definiu a situação como "uma crise nacional", lançando, em 2007, um programa de medidas de incentivo à natalidade, com algum sucesso: em 2008, houve 1,714 milhão nascimentos em comparação com 1,234 milhão de abortos. Então, pela primeira vez desde 1995, a Rússia experimentou, em 2009, um aumento de sua população - mínimo ou quase simbólico - de cerca de 20 mil habitantes, também efeito de um aumento na proporção de nascimentos: + 2,8% face ao ano anterior (BBC, 19 de janeiro de 2010).
O problema de fundo permanece e consiste na alta taxa de abortos. Em 2008, foram realizados 72 abortos na Rússia para cada 100 nascimentos. É aqui que a Igreja Ortodoxa, cuja influência está em constante crescimento, procurou intervir. Desde 1993, está ativo no centro de Moscou, o escritório pró-vida Zhizn (Vida), dirigido por um sacerdote ortodoxo, Massim Obukhov. "O aborto neste país era parte da vida normal; muitas mulheres abortaram 5 ou 6 vezes, sem nenhum tipo de hesitação", declarou Obukhov há mais de 10 anos (The New York Times, 29 de março de 1999).
Para reduzir os abortos, por volta de 2003, foi aprovado pelo governo russo um decreto que, pela primeira vez desde 1955, restringia a possibilidade de abortar; entrando em vigor em 11 de agosto daquele ano, o texto reduziu o número (de 13 a 4) das chamadas "indicações sociais" para abortar depois da 12ª semana de gravidez. Para o deputado pró-vida Aleksandr Chujev, isso foi uma "pequena vitória" (BBC, 16 de setembro de 2003).
Fonte: Zenit