«Prestemos atenção uns aos outros, para nos estimularmos ao amor e às boas obras»
(Heb 10, 24)
A mensagem do Papa neste período quaresmal ajuda-nos a combater a origem de todos os pecados: o egoísmo. No início, encontramos um convite desafiador: «prestemos atenção uns aos outros, para nos estimularmos ao amor e às boas obras». Assim, o antídoto, pelo qual devemos antepor a tudo os nossos interesses e preocupações próprias, não deve ser motivo de inquietação.
O itinerário traçado indica uma renovação espiritual pautada pela atenção verdadeira. Impossível não se questionar quantas vezes as motivações, projetos, desafios e preocupações pessoais sufocaram o amor cristão inclinado a sair de si e ir ao encontro dos demais.
Qual seria a raiz desse egoísmo? Talvez se justificaria somente pelo individualismo que alicerça uma competitividade diabólica. Mas uma análise mais profunda revela as influências do relativismo e da soberba.
Pelo relativismo colocamos em xeque conceitos objetivos como bem e mal. Na palavra do Santo Padre, «um aparente respeito pela esfera privada paralisa-nos de apresentar aquilo que suscita, protege e promove a vida, a fraternidade e a comunhão: o bem». Importante lembrar que desde o julgamento de Jesus, Pilatos apresenta-nos o relativismo: o que é a verdade? Ou seja, uma incapacidade de perceber e discernir o que está diante de nós culminará com a morte física e espiritual de pessoas criadas e amadas por Deus.
Pela soberba, o outro não merece o nosso amor. Deparamo-nos com o questionamento de Pedro: quantas vezes devo perdoar? Seu sucessor nos responde: «ver no outro um verdadeiro alter ego, infinitamente amado pelo Senhor. Se cultivarmos este olhar de fraternidade, brotarão naturalmente do nosso coração a solidariedade, a justiça, bem como a misericórdia e a compaixão». Desta forma, o outro se revela como irmão. E assim compreendemos que o amor não se condiciona à perfeição humana. Ele se manifesta claramente no exercício do perdão perante as imperfeições.
Então: o que fazer? Para nos libertar do individualismo, do relativismo e da soberba, o Papa nos convida neste tempo quaresmal a um caminho pessoal e comunitário de fé: oração, partilha, silêncio e jejum.
A oração, aquele diálogo pessoal entre criatura e Criador, agracia-nos com o sentido de pertença e serviço a Alguém que não nos desampara. Pelo contrário, revela-se como Pai que aguarda ansiosamente o nosso retorno após o exercício pleno da liberdade, a escolha entre bens, por amor.
Já a partilha brota da oração. Perceber o amor pessoal de Deus impele-nos a frutificar os talentos concedidos. O Sumo Pontífice nos recorda que tanto o pecado como as obras de amor possuem uma dimensão social. São Paulo afirma que formamos um Corpo, cuja cabeça é o Senhor. Assim, partilhemos para que esse Corpo cresça em santidade e paz a partir da comunhão dos talentos gratuitamente concedidos. E não desperdicemos um dos mais sublimes talentos: o tempo.
Em relação ao silêncio, confunde-se com o elogio. Somos capazes de enxergar tudo, mas quantas vezes deixamos de promover o bem evidenciando as falhas alheias? Como lembrado pelo Santo Padre, a correção fraterna é uma obra espiritual de misericórdia, segundo a tradição da Igreja. Entrentanto, «a advertência cristã nunca há de ser animada por espírito de condenação ou censura; é sempre movida pelo amor e pela misericórdia e brota duma verdadeira solicitude pelo bem do irmão». Por isso, não fiquemos cegos pelos erros humanos, mas enaltecemos a beleza das virtudes testemunhadas por todos que caminham conosco. O silêncio tem esse poder.
E por fim, o jejum santifica as aspirações humanas. Ao nos libertar de um imediatismo às coisas temporais, abrimos o Céu. Compreendemos quão fugaz é esta existência terrena. E, assim, deixamos de absolutizar o sofrimento atual e confiamos nas demoras do Senhor. Quem jejua, espera e vivencia a castidade. Quem jejua segue o exemplo da Virgem Santíssima. Ao receber o convite, não teme. Fiat!
O Papa encerra a mensagem com uma afirmação profunda: «os mestres espirituais lembram que, na vida de fé, quem não avança, recua». Que nesses dias, nos quais acompanharemos o sofrimento, morte e Ressurreição do Filho, avancemos à humildade de coração e à experiência pessoal do sofrimento. Como afirma Bento XVI, revelar-se-ão fonte de um despertar interior para a compaixão e a empatia.
Que os propósitos quaresmais não terminem no Domingo de Ramos. E caso aconteça, não tenhamos medo! Recorramos ao sacramento da reconciliação, pois o Senhor nos espera ansiosamente com aquele Abraço de Pai!
Ari Ferreira