Apresentamos o resumo e breves comentários sobre a Exortação Apostólica “Firmes em la Brecha”, a respeito da masculinidade cristã, do Bispo de Phoenix, Arizona, Dom Thomas J. Olmsted
Artigo de: Paulo Jacobina*
Publicado originalmente em: https://pt.zenit.org/articles/sobre-a-masculinidade-crista-1-de-3/
Li com muita atenção e alegria a exortação apostólica “Firmes em la Brecha”, do bispo Thomas J. Olmsted, da Diocese de Phoenix, sobre a masculinidade, para os homens católicos. É uma carta interessantíssima e oportuna. Pode ser encontrada em inglês aqui, e em espanhol aqui [e em português aqui]. Vale a pena fazer um pequeno resumo, para aqueles que não dominam o inglês ou o espanhol, ou mesmo para os que não tiverem tempo para ler a íntegra do texto – que não é grande, tem cerca de 32 páginas. Desejo, então, numa série de pequenos textos (dos quais este é o primeiro), abordar esta Carta.
A partir da constatação das defecções de tantos católicos, que têm abandonado a vida eclesial para transformar-se em “nones”, ou seja, pessoas sem religião definida (“nenhum”, ou “ninguém”, seria a palavra em inglês, que provoca um duplo sentido intraduzível para o português – vale dizer, ao declarar-se “none”, alguém empobrece a própria identidade pessoal), ele lamenta os efeitos destas defecções para a presente geração, bem como para as futuras gerações de homens, já que elas não terão nenhum referencial masculino cristão no qual espelharem sua própria caminhada. O bispo convoca, então, os homens católicos a permanecerem “firmes na brecha” (citando Ezequiel 22, 30) dos muros da vida cristã.
A carta é muito interessante na medida que pretende ser, a um só tempo, um encorajamento, um desafio e um chamado à missão para os homens de sua diocese. Ele pretende, então, propor aos homens cristãos três perguntas:
1 – O que significa ser um homem católico?
2 – Como ama um homem católico?
3 – Por que a paternidade, adequadamente compreendida, é tão crucial para qualquer homem?
Antes, no entanto, de encaminhar respostas a estas perguntas tão importantes, o Bispo propõe a meditação sobre três importantes contextos que, no seu entendimento, são cruciais para compreender tais respostas.
O primeiro Contexto.
O primeiro contexto é o da chamada “nova evangelização”. Relembrando a chamada “Grande Comissão” de Jesus para a evangelização (“Ide pelo mundo e evangelizai”, Mt 28, 16-20), que nos deixou com o grande dever de anunciar a boa nova por todos os meios disponíveis (pregação, ensinamento, testemunho frutuoso e fiel da vida familiar, o celibato pelo Reino, os meios e outras artes colocadas a serviço do Evangelho), a Carta reconhece que nossa cultura contemporânea ainda está permeada por alguns grandes valores evangélicos e grecorromanos, que ainda cimentam a nossa vida comum – cita a “justiça”, a ‘igualdade”, a “virtude”, a “dignidade humana”, a “compaixão”, os “dez mandamentos”, a “regra de ouro”, o “hospital” e a “universidade”, todos frutos de uma civilização que recebeu e pôs em prática o Evangelho. Mas, diz ele, há cupins trabalhando sobre estas fundações. Não há, no entanto, resposta ao declínio cultural fora de Jesus, que “faz novas todas as coisas”. Assim, uma vez que Nosso Senhor prometeu que estará sempre conosco, chama-nos a permanecer confiantes, propor a nova evangelização enquanto permanecemos “firmes na brecha”.
O Segundo Contexto.
O segundo contexto é a visão, proposta por Francisco, da Igreja como “hospital de campanha”, ou seja, como lugar de acolhimento aos feridos pela guerra ao pecado. Esta é a proposta de Francisco: Curar a nós mesmos e aos demais, que levam em si as feridas da Queda. Feridas físicas e espirituais, como o vício da pornografia, as drogas, o álcool, a comida, os matrimônios destruídos, pais ausentes, vidas familiares problemáticas. “Como é inútil perguntar a um ferido se tem o colesterol ou o açúcar altos. Deve-se curar suas feridas!” (disse o Papa Francisco numa entrevista cuja íntegra está aqui). A esta proposta de ver a Igreja como “hospital de campanha” o Bispo de Phoenix acrescenta a sua própria visão da Igreja como “Escola de Combate”, na qual aprendemos a nos revestir da “armadura de Deus” para resistir às insídias do Demônio (Efésios 6, 11). E propõe que experimentemos, como homens cristãos, a alegria de sermos enviados para combater com Cristo.
O Terceiro Contexto.
O terceiro contexto proposto é o de ver homens e mulheres como pessoas complementares, e não rivais. Muito oportuna esta proposta, num mundo que escolheu implementar a luta entre os sexos (ou entre os “gêneros”, como alguns gostam de dizer) como próximo passo no caminho de uma suposta “libertação humana”. Ele propõe, então, que a complementariedade da masculinidade e feminilidade são a chave para a maneira pela qual os seres humanos são imagem de Deus. Reconhecer os seres humanos como distintos e complementares é, portanto, honrar este dado essencial da criação e do plano de Deus para nós. Após mostrar os avanços científicos no sentido de estabelecer, inclusive, diferenças biológicas e hormonais entre homens e mulheres (exceptuadas, como confirmações à regra, as situações eventualmente patológicas), ele denuncia a “ideologia de gênero” (aquela ideologia que tem como objetivo desalojar as diferenças sexuais criadas por Deus, removendo o “masculino” e o “feminino” como meio normativo para compreender a pessoa humana, e, no seu lugar, colocar várias outras “categorias de sexualidade
Abro um parêntese para sublinhar a importância dessa discussão, inclusive terminológica, sobre a substituição da noção de “sexo” pela noção altamente ideologizada de “gênero”. Recentemente, numa discussão no meu trabalho a respeito da pertinência da expressão “violência de gênero” como rótulo para a violência familiar, eu escrevi o seguinte: “Sempre defendi que violência de gênero, como aprendi, só ocorria quando alguém deixava de fazer uma boa concordância sintática entre o sujeito e o predicado. Ela tinha, então, três facetas: a violência de gênero, de número e de grau. Nestes casos, o erro sintático que violentava o gênero merecia uma anotação em vermelho e um grande desconto na nota da prova de português. Não se confundia, porém, com sexo. Os seres vivos tinham sexo, as palavras tinham gênero. Por exemplo, a palavra “onça”, de gênero gramatical feminino, podia perfeitamente designar eventualmente um animal de sexo masculino. A confusão, no caso, entre ontologia e gramática não parece colaborar com a clareza, mas com a ideologização da discussão.” Combatamos com todo o nosso fervor a violência sexual, doméstica, familiar, de opressão, enfim, tudo isto é deplorável. Mas certas categorias, como o gênero e sua carga de indefinição semântica não facilitam o debate, simplesmente criam uma suspeição irrespondível sobre todos os indivíduos de sexo masculino. E até contra os de sexo feminino que ousarem não admitir simplesmente a pauta dos ideólogos de gênero”.
A Ideologia de “Gênero” e a masculinidade cristã.
Ainda sob este terceiro contexto, a Carta exorta os cristãos a “abraçar mais profundamente a beleza e a riqueza da diferença sexual e defendê-la contra as falsas ideologias”, citando uma fala do Papa Francisco numa recente alocução catequética das quartas-feiras (15 de abril de 2015), em que o amado Papa trata de diferença e complementariedade entre os sexos. A Carta destaca o seguinte trecho da fala do Papa, cuja íntegra pode ser encontrada aqui:
Pergunto-me se a chamada teoria do gender não é também expressão de uma frustração e resignação, que visa cancelar a diferença sexual porque já não sabe confrontar-se com ela. Sim, corremos o risco de dar um passo atrás. Com efeito, a remoção da diferença é o problema, não a solução. Ao contrário, para resolver as suas problemáticas de relação, o homem e a mulher devem falar mais entre si, ouvir-se e conhecer-se mais, amar-se mais. Devem tratar-se com respeito e cooperar com amizade.”
Muito bem proposto, muito bem abordado o tema, pelo Bispo James Olmsted. Talvez a identidade masculina seja a bola da vez, na luta cultural contemporânea. Oportuno tratar mais profundamente sobre ela. Precisamos sempre nos lembrar de que “virilidade” tem a mesma raiz que “virtude”, e não que “apetite”, “inclinação”, “libido” ou “tendência”. É o caráter, e não simplesmente o eventual desejo, que define um homem de verdade.
Nos próximos textos trataremos das perguntas que a Carta propõe, e das respostas que encaminha.
Leia a continuação em:
___
*Paulo Jacobina é professor, membro do Ministério Público Federal e membro da Comissão Arquidiocesana de Bioética e Defesa da Vida, da Arquidiocese de Brasília