Vítima de hipertensão, mulher perdeu filha aos oito meses de gravidez.
'É uma ferida que abre de tempos em tempos', afirma engenheira civil.
Prestes a celebrar o 13º dia das mães depois do nascimento de Samuel, a engenheira civil Suelene de Almeida, de 49 anos, não titubeia em dizer que o filho é a maior realização da vida dela. O adolescente nasceu em 16 de junho de 1998, na quinta tentativa da família. Com histórico de hipertensão, ela perdeu os quatro bebês anteriores.
O primeiro aborto ocorreu quando ela tinha 32 anos. Aos oito meses de uma gestação tranquila e com o enxoval pronto, a engenheira ouviu do médico que a filha havia morrido no dia anterior. O corpo da criança foi enviado para um laboratório, que não apontou nenhuma causa para a morte.
“Acho que pai nenhum pensa que vai enterrar um filho. A gente acaba se enchendo de culpa. Nessa situação, durante a gravidez, pensa que não se cuidou direito, que podia ter feito algo de diferente”, diz. “Com o tempo a gente vai aprendendo a lidar, mas é uma ferida que abre de tempos em tempos. Outro filho, acompanhar o crescimento, não substitui, mas de alguma forma alivia. A gente deixa de sofrer pelo que não teve e passa a agradecer o que tem.”
Na época, Suelene começou a fazer terapia e contou com o apoio do marido e de familiares para superar a situação. “Parecia que tinha virado moda abandonar crianças. Uma mulher jogou no rio, teve outro bebê encontrado em uma lata de lixo. E eu me perguntava: por que elas que não queriam tiveram e eu que queria tanto não tinha?”
Após um ano, a engenheira engravidou de novo, desta vez de um menino. A criança morreu aos quatro meses de gestação. O médico era o mesmo e não explicou direito o que havia acontecido. “Ele não deixou muito claro. Disse que minha pressão oscilava, brincava de gangorra. Ao mesmo tempo que subia, caía. E com isso era como se o cordão umbilical fosse apertado e o bebê tivesse ficado sem oxigênio.”
Sem sentir segurança no médico, Suelene buscou a ajuda de outros profissionais. Após dois abortos aos dois meses de gestação, ela engravidou de Samuel e enfrentou uma rotina de consultas semanais com três especialistas e exames a cada 15 dias. “A gente estava sempre com o coração na mão, pensando que ele poderia morrer, poderíamos perder a criança”, diz.
No sétimo mês de gravidez, a engenheira sofreu alterações na pressão e teve de ficar uma semana de repouso em casa. Depois, o médico decidiu interná-la por um mês para esperar que o pulmão e outros órgãos do bebê fossem formados. Ela tomava cerca de 10 comprimidos todas as manhãs, além de fazer exames e receber visitas do cardiologista e do ginecologista três vezes por dia.
O menino nasceu pouco antes de um jogo do Brasil durante a Copa de 98. “Depois o médico me falou que quando entrou no quarto e me viu, olhou para a minha mãe e abaixou a cabeça sem saber o que dizer. Na hora de me mandar para a sala de parto, ele tinha certeza que eu não sobreviveria. Eu tive Síndrome de Hellp [considerada uma variação de pré-eclâmpsia, distúrbio que provoca a elevação da pressão arterial durante a gestação].”
Segundo Suelene, o nascimento do filho trouxe sensação de vitória. Ela lembra de entrar no quarto do menino para checar se o garoto estava respirando. O primeiro aniversário, conta, começou a ser preparado com cinco meses de antecedência. A festa aconteceu em uma chácara, com três mesas de doces, tudo – inclusive as embalagens dos quitutes – preparado em casa.
“Tenho a impressão de que [ser mãe] deve ser o sonho de praticamente toda mulher. O Samuel foi um presente de Deus para mim, porque foram muitas tentativas, foram muitas as decepções, até chegar a esse ponto”, afirma. “Nesse tipo de coisa, engravidar, perder, a gente não sabe até que ponto a gente está acertando, errando. E no fim a gente vai descobrir que o erro não é da gente.”
Até os 12 anos do garoto, a engenheira decidiu trabalhar apenas durante meio período para poder acompanhar cada passo do filho. Ela diz que optou por não tentar ter outro bebê após o médico afirmar que seria uma gravidez de risco. “[Ele falou:] Hoje, se você quiser engravidar de novo, eu estou aqui com você. Mas a possibilidade de o Samuel ficar sem mãe é de 99%.”
De acordo com Suelene, a maior dificuldade enfrentada durante os três anos entre a primeira gestação e o nascimento do filho era não ter com quem conversar a respeito dos abortos. “As pessoas não sabiam como abordar. Tinha gente que perguntava porque eu estava sofrendo, se a criança nem tinha nascido”, conta. "Agora, eu gosto de dividir a minha história e assim poder ajudar outras mulheres, dar força para que persistam."
“Nunca pensei em desistir, apesar de tudo. Quando a menina faleceu, a impressão que eu tinha era de que eu levantava e deitava porque eu tinha que levantar e deitar, porque eu não tinha força de fazer nada. Mas desistir, desistir, eu nunca desisti. Hoje eu vejo as meninas de 17 anos e eu fico pensando como seria se ela estivesse aí, o que estaria fazendo, e muitas coisas. Então é muito difícil.“
Fonte: G1 - DF