A tese é do jurista de São Paulo Ives Gandra Martins. De acordo com o advogado, o Congresso pode tomar a decisão com base na prerrogativa de que ele deveria decidir sobre a questão do aborto com a criação de legislação específica; e não o Supremo, com base em sua avaliação.
Gandra é um dos juristas que assinaram um documento defendendo o voto contra a legalização do aborto de anencéfalo pelo STF. No documento, denominado memorial, os juristas – que formam a União de Juristas Católicos de São Paulo e União de Juristas Católicos do Rio de Janeiro – afirmam que os defensores da proibição total do aborto não foram ouvidos pelos ministros antes dos votos. Em entrevista do Diário do Comércio, Martins observa ainda que a decisão do Supremo vale e deve ser respeitada. Veja a seguir os principais trechos da entrevista.
Diário do Comércio – Como o senhor avalia a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o aborto de anencéfalos?
Ives Gandra Martins – A decisão está tomada e vale. Eu entendo, do ponto de vista exclusivamente acadêmico, que foi uma decisão incorreta. Eu entendo que o Supremo não tem essa competência, com base no artigo 103 parágrafo segundo da Constituição Federal. O correto seria o STF esperar uma decisão por parte do Congresso sobre o assunto. Assim, houve uma invasão de competência da Justiça no Legislativo. No mais, o direito à vida é inviolável. E nossa legislação garante que a vida começa na concepção.
DC – Como fica agora?
Martins – O problema é se determinar, a partir de agora, uma anencefalia com absoluta segurança. Isso não é fácil para a Medicina. Por outro lado, o direito à vida não é determinado se o feto está bem ou mal formado. Se pensarmos assim, o doente terminal também não tem condições de sobreviver, então vamos legalizar a eutanásia. A vida é inviolável, mas se você a relativiza dizendo que alguém não tem condições de sobreviver, pode-se matar esse alguém.
DC – Como o senhor vê a atuação dos magistrados que votaram contra?
Martins – Com todo respeito que tenho pelos ministros do Supremo, acho que o ministro (Enrique Ricardo) Lewandowski foi muito claro, ao dizer que "não temos competência para decidir"; e o ministro (Antônio Cezar) Peluso também foi muito claro em dizer que "a vida é inviolável", e o que está na Constituição não pode ser interpretado de modo diferente. E essa é a nossa posição.
DC –Existe alguma possibilidade de reverter a posição do Supremo?
Martins – Só se o Congresso resolver anular a decisão. Porque o Congresso pode anular, com base no artigo 49 inciso onze da Constituição [cabe ao Congresso Nacional zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes].
DC – É a única saída das entidades contra o aborto? Pressionar o Congresso pela anulação da decisão do STF?
Martins – É conseguir que o Congresso reverta a decisão, dizendo que houve invasão de competência.