Em breve teremos o julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF)-54, na qual se solicita que não seja considerado crime o aborto (no proceso, chamado de “antecipação terapêutica do parto”) de crianças portadoras de anencefalia. Também tramitam no Congresso Nacional dois projetos com a mesma finalidade, o PL 4403/2004 e o PLS 50/2011.
Ninguém pode negar o sofrimento dos pais quando recebem o diagnóstico de que o seu filho é portador de anencefalia. Mas colocam-se duas importantes questões: Tem essa criança, apesar de sua forte deficiência, direito à vida? Pode ela ser considerada uma “não-pessoa”, ou, como dizem alguns partidários do seu aborto, um “sub-humano”? Representaria o aborto dessa criança, efetivamente, um consolo ou uma diminuição de sofrimento para os seus pais?
Anencefalia é uma malformação congênita que ocorre já no primeiro mês de gestação, que evolui para a ausência de parte variável do encéfalo. Ora, malformação é um processo que escapou à regulação normal. Apresenta variabilidade individual, e embora sempre seja uma anomalia grave, há graus, sendo impossível prever a evolução da criança em cada caso concreto.
Tornou-se conhecido no Brasil o caso da menina Marcela de Jesus, que sobreviveu por um ano e oito meses. Sendo este caso tão emblemático, no decorrer das audiências públicas relativas à ADPF 54, houve a tentativa alimentares, gostando de algumas comidas e rejeitando outras. Não podemos saber se era capaz de amar, mas certamente foi muito amada. Mesmo nos casos em que a lesão leva à morte poucos minutos após o nascimento, seria este um motivo para considerarmos essa vida humana sem significado? Se dissermos que se trata de uma “vida inútil”, não seria um sinal claro de termos uma visão utilitarista da vida humana?
Diz-nos o Papa Bento XVI: Quando seres humanos, no estado mais fraco e mais indefeso de sua existência, são selecionados, abandonados, mortos ou utilizados como puro «material biológico», como negar que esses são tratados não mais como «alguém», mas como «algo», colo- cando assim em questão o conceito próprio de dignidade do homem? (discurso em 31/01/2008).
Essa dignidade é reconhecida pelos pais em seus filhos, e são estabelecidos laços de amor desde o início da gestação. O aborto é uma falsa solução para o sofrimento da mãe. Não se pode “deletar” uma criança, como se nunca tivesse existido. Recebida com amor, deixará nos pais a recordação de ter feito por ela tudo o que era possível.
Dra. Lenise Garcia é professora do Instituto de Biologia da UnB, integrante da Comissão de Bioética da Arquidiocese de Brasília e da CNBB e presidente do Movimento Brasil Sem Aborto.
Artigo extraído da edição nº 2 da Revista Brasília Católica