Movimentos feministas consideram prática do aborto um caso de saúde pública por conta das mortes provocadas no Brasil por causa deste procedimento
O embate entre argumentos religiosos, médicos e de movimentos feministas são fatores que sempre fazem parte da polêmica que envolve a discussão da legalização do aborto no País. O tema voltou a ganhar destaque em Manaus, na última semana, após a TV A Crítica divulgar vídeos mostrando a ação de dois médicos que fazem abortos há mais de três décadas na capital.
A exibição resultou em um pedido de prisão preventiva a um dos médicos mostrados nas imagens, o ginecologista Durval Carriço. O outro médico denunciado foi o ginecologista Antônio Cabede Lopes.
Para a representante do Movimento de Mulheres Solidárias do Amazonas (Musa), Luzarina Varela, o aborto deve ser considerado uma questão de saúde pública, uma vez que, anualmente, muitas mulheres morrem ao passar pelo procedimento em todo o País. De acordo com a militante social, o aborto deve ser descriminalizado para que não existam mais clínicas clandestinas, médicos oportunistas, e para que as mulheres possam contar com uma rede de assistência ginecológica e psicológica, o que poderia, inclusive, diminuir o número de procedimentos realizados.
“Essas mulheres são tratadas como criminosas, mas na maioria das vezes elas foram abandonadas pelos companheiros, que tem tanta responsabilidade quanto ela. Até hoje nunca se viu um homem ser preso por aborto”, apontou.
De acordo com a coordenadora da Articulação de Mulheres do Amazonas (AMA), Socorro Papoula, que também luta pela descriminalização do procedimento, é necessário que o País tenha políticas públicas voltadas para homens e mulheres para que o comportamento da sociedade mudem em re lação à gravidez.
“Infelizmente, vivemos em um país conservador que discrimina a mulher que faz isso e a trata com preconceito. Muitos homens não se responsabilizam pelos filhos. Essa é uma luta constante e difícil porque lutamos contra as igrejas, mas isso não é caso de religião e sim de saúde pública porque são as mulheres que estão morrendo”, declarou.
A presidente da Associação Amazonense de Ginecologia e Obstetrícia (Assago), Hilka Espírito Santo, apontou que um dos fatores mais preocupantes relacionados à realização do aborto é o comprometimento da saúde da mulher. Segundo a ginecologista, a pessoa que passa por esse procedimento tem grandes chances de desenvolver uma infecção ginecológica, sofrer uma perfuração uterina, ter uma dilatação no colo em uma futura gravidez.
“Isso ocorre, na maioria dos casos, devido à situação de ilegalidade das clínicas de aborto. A descriminalização do aborto é uma questão muito complicada por que tem agravantes”, afirmou.
Hilka afirmou, ainda, que esmo nos primeiros dias de gestação, a criança sofre com o procedimento. “Existe uma vida desde o primeiro momento em que ocorre a fertilização, a criança já tem chances de sofrer tudo o que for causado no procedimento”, destacou. A ginecologista afirmou, ainda,que os profissionais aprendem a fazer o tipo de procedimento por conta dos abortos naturais.
Países que já liberaram o procedimento
As discussões envolvendo a descriminalização do aborto vêm ocorrendo em vários países do mundo. Em 2007, Portugal legalizou o procedimento sem restrições até a 10ª semana de gestação e, depois desse período, em casos de má-formação fetal, de estupro ou de perigos à vida ou à saúde da mãe.
Na Espanha, lei com termos semelhantes começou a vigorar no ano passado. No México, a legislação é estadual e a Cidade do México passou a permitir, em 2007, o aborto sem restrições de motivos até 12 semanas de gravidez. Na Colômbia, a Corte Constitucional determinou em 2006 que o aborto é legítimo em casos de estupro, má-formação fetal ou de riscos para a vida da mãe.
O procedimento também é liberado na Holanda. O Japão foi um dos primeiros países a legalizar o aborto em 1948. No Brasil o aborto é considerado crime, exceto em duas situações: de estupro e de risco de vida materno.
Mulher fez opção por aborto
A dona de casa Raquel (nome fictício) que, atualmente, tem 30 anos, relatou que optou por passar por um aborto quando tinha 14 anos.
Ela disse que engravidou do primeiro namorado, que era cinco anos mais velho. Quando soube da notícia, o rapaz não quis mais continuar o relacionamento e afirmou que não iria assumir o filho.
“Eu era uma menina e ainda estava estudando. Esta foi a minha primeira experiência amorosa e sexual. Para mim era um namoro sério, mas vi que para ele não era”, disse.
De acordo com Raquel, a gravidez só foi detectada quando já estava completando dois meses. “Eu estava triste por ter sido abandonada e morrendo de medo de meu pai saber de alguma coisa”, destacou.
Influenciada por colegas da escola e com o apoio de uma tia, a moça decidiu comprar um remédio para abortar. O pai da criança, pressionado pela tia de Raquel, pagou o medicamento. A dona de casa apontou, ainda, que dois dias após o diagnóstico da gravidez tomou o medicamento. Segundo a moça, depois de tomar as pílulas foi dormir e passou a tarde inteira e início da noite sentindo dor e sangrando muito.
“Minha tia teve que chamar uma ambulância, mas abandonei o pronto-socorro com medo de ser presa, porque o médico sabia o que eu tinha feito. Quando cheguei em casa, a criança desceu. Fiquei alguns minutos olhando para ela, estava quase toda forma da. Fiquei muito triste”, lembrou.
Atualmente, Raquel tem dois filhos e informou que enfrentou uma série de problemas de saúde nas gestações por conta do procedimento pelo qual passou. Ela destacou que hoje se arrepende da decisão que tomou. “Se meu primeiro namorado tivesse me apoiado eu não teria tirado a criança”, declarou.
Fonte: A Critica.com