Proposta que será votada no Mississipi declara óvulo fertilizado uma pessoa, transformando aborto em assassinato
Uma emenda constitucional que será apresentada aos eleitores do Mississippi em 8 de novembro - e outras iniciativas semelhantes em meia dúzia de Estados americanos, incluindo Flórida e Ohio - busca declarar um óvulo humano fertilizado como uma pessoa legal, transformando o aborto e algumas formas de controle de natalidade em assassinato.
Com esta estratégia antiaborto, os defensores do que chamam de “emenda da pessoalidade” esperam remodelar o debate nacional.
"Vejo isso como algo transformador", disse Brad Prewitt, advogado e diretor executivo da campanha "Yes on 26", que busca a aprovação da proposta no Mississippi. "A ‘pessoalidade’ é maior do que simplesmente o fechamento das clínicas de aborto. É uma oportunidade para que as pessoas digam que somos feitos à imagem de Deus".
Muitos médicos e defensores da saúde das mulheres dizem que a proposta causaria uma intrusão perigosa do direito penal na assistência médica, colocando em risco os direitos das mulheres e até mesmo suas vidas.
A emenda do Mississippi proibiria praticamente todos os abortos, incluindo os resultantes de estupro ou incesto. Ela também proibiria alguns métodos de controle de natalidade, incluindo o DIU e "pílulas do dia seguinte" que impedem que os óvulos fertilizados se implantem no útero. Seria também proibida a destruição de embriões criados em laboratórios.
A emenda foi aprovada pelos candidatos a governador dos dois principais partidos americanos e deve ser aprovada, disse W. Martin Wiseman, diretor do Instituto de Governo John C. Stennis na Universidade Estadual do Mississippi. Desafios legais certamente podem acontecer em seguida. Mas mesmo que a emenda seja declarada inconstitucional, ela pode forçar anos de caras batalhas judiciais.
"Esta é a mais extrema das muitas medidas anti-aborto extremas que foram apresentadas aos Estados este ano", disse Nancy Northrup, presidente do Centro para Direito Reprodutivo, um grupo de defesa legal.
Adversários da nova proposta esperam dissipar a impressão de que a emenda apenas barra os abortos – uma ideia popular no Mississippi – avisando que ela também poderá limitar o uso de contraceptivos e deixar os médicos com medo de salvar uma mulher cuja gravidez representa rum risco de vida.
A “emenda da pessoalidade” dividiu as forças anti-aborto do país. Alguns grupos a chamam de um salto moral inspirado, enquanto os líderes mais tradicionais, incluindo o grupo Direito Nacional à Vida e os bispos católicos, têm se recusado a promovê-lo, alegando que a tática poderia sair pela culatra, levando a uma derrota no Supremo Tribunal que minaria os avanços conquistados.
A abordagem, que concede direitos legais aos embriões, é fundamentalmente diferente das restrições ao aborto que foram adotadas em dezenas de Estados.
Estas tentam dificultar o acesso ao aborto restringindo drasticamente os procedimentos a gestações de 20 semanas ou menos, exigindo que as mulheres vejam ecografias do feto, coibindo a cobertura de planos de saúde e impondo regulamentos caros às que realizam o procedimento.
A emenda do Mississippi visa contornar existentes batalhas legais simplesmente afirmando que "o termo 'pessoa' ou 'pessoas' deve incluir todos os seres humanos desde o momento da fertilização, da clonagem ou do equivalente funcional da mesma".
Uma medida semelhante foi derrotada duas vezes por grandes margens no Colorado. Mas a campanha nacional, promovida pela Personhood USA, um grupo com sede no Colorado, encontrou um terreno mais receptivo no Mississippi, onde o sentimento antiaborto atravessa as linhas partidárias e raciais. O Estado já tem tantas restrições sobre o aborto que apenas uma clínica realiza o procedimento.
Em 2009, um grande inimigo do aborto chamado Les Riley formou um “grupo de pessoalidade” no Estado e começou a recolher as assinaturas necessárias para levar a questão a voto. Evangélicos e outros oponentes de longa data do aborto têm pressionado o caso e a Proposição 26 tem o apoio de uma série de líderes políticos. Sua aprovação poderia dar força a propostas semelhantes na Flórida, Michigan, Montana, Ohio, Wisconsin e outros Estados.
No Mississipi, a batalha emocional está sendo travada com anúncios de rádio e televisão, por telefone e em encontros em grupos.
Mississippi também vai eleger um novo governador em 8 de novembro. O candidato republicano, o governador Phil Bryant, é co-presidente do “Yes on 26” e sua campanha distribui adesivos da iniciativa. O candidato democrata, Johnny DuPree, prefeito de Hattiesburg e o primeiro candidato negro a concorrer ao cargo de governador nos tempos modernos, diz que vai votar a favor apesar de estar preocupado com o seu impacto na assistência médica e contracepção.
Ninguém tem certeza de como a alteração afetaria o processo penal, disse Jonathan Will, diretor do Centro de Bioética e Direito Sanitário da Faculdade de Direito da Universidade do Mississippi. Uma mulher que tome uma pílula do dia seguinte, por exemplo, poderia ser acusada de assassinato?
Mas muitos líderes do movimento antiaborto temem que a estratégia seja contraproducente. Tribunais federais quase certamente declararão a emenda inconstitucional uma vez que contradiz o direito da mulher ao aborto nas primeiras semanas da gravidez, disse James Bopp Jr., um proeminente advogado conservador de Terre Haute, Indiana, e conselheiro geral do Direito Nacional à Vida.
"Do ponto de vista de proteger a vida em gestação, é completamente inútil", disse ele. "E se chegar ao Supremo Tribunal Federal, o tribunal pode determinar uma política de aborto ainda mais extrema."
Dr. Randall S. Hines, um especialista em fertilidade em Jackson que atua contra a Proposição 26 com o grupo Mississippians for Healthy Families, disse que a alteração reflete "a ignorância biológica". A maioria dos ovos fertilizados, segundo ele, não se implanta no útero ou se desenvolve.
"Uma vez que você reconhece que a maioria dos óvulos fertilizados não se torna uma pessoa, então você reconhece que essa proposta é absurda", disse Hines. Ele teme graves consequências para médicos e mulheres que lidam com a gravidez ectópica ou outras gestações perigosas e tratamentos de fertilização in vitro. "Com isso, vamos deixar o legislativo, o governador e os juízes decidirem o que é melhor para o paciente", disse ele.
Dr. Eric Webb, um obstetra em Tupelo que falou em nome da Proposição 26, disse que as preocupações sobre os impactos mais amplos são exageradas e que os críticos estão "evitando a questão moral, que é mais importante." "A união do óvulo e do esperma é a vida e uma vida geneticamente humana", disse Webb.
Keith Mason, presidente da Personhood USA, disse que não concorda com a ideia de que a Suprema Corte iria necessariamente rejeitar a emenda. O objetivo final, segundo ele, é uma emenda federal, com uma vitória no Mississippi como o primeiro passo.
Por Erik Eckholm
Fonte: Ultimo Segundo IG