A mulher e o embrião, ou o feto, se já alcançado estágio posterior na gestação, que está em seu ventre, são as grandes vítimas do cinismo estatal.
A mulher porque ou por todos abandonada – seu homem, sua família, seus amigos – ou porque, e o que é pior por assim caracterizar um estado de coisas, teme venha a ser abandonada pelo homem, pela família, pelos amigos.
A mulher porque incentivada, e estimulada, pela propaganda oficial e privada a desfazer-se da vida, presente em seu ser, como se a vida fosse um estorvo, um empecilho, um obstáculo que deve ser eliminado em nome, hipocritamente do direito à liberdade de escolha.
Não há liberdade de escolha quando a escolha é matar o indefeso.
O embrião, ou o feto, porque vida em gestação, mas, repito, vida-presente não se lhes permite a interação amorosa, já plenamente, ainda que no espaço intra-uterino, com sua mãe, e com os demais, caso esses não adotem a covarde conduta do abandono da mulher.
O Estado brasileiro consolidou em seu ordenamento jurídico “mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher”, editando a lei nº. 11.340/06, conhecida como a lei “Maria da Penha”.
Vamos ler alguns artigos dessa importante lei:
- “Poderá o Juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas: encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento (art. 23, I);
- Caberá ao Ministério Público, sem prejuízo de outras atribuições, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, quando necessário: fiscalizar os estabelecimentos públicos e particulares de atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, e adotar, de imediato, as medidas administrativas ou judiciais cabíveis no tocante a quaisquer irregularidades constatadas (art. 26, II);
- A União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios poderão criar e promover, no limite das respectivas competências: centros de atendimento integral e multidisciplinar para mulheres e respectivos dependentes em situação de violência doméstica e familiar; casas-abrigos para mulheres e respectivos dependentes menores em situação de violência doméstica e familiar; programas e campanhas de enfrentamento da violência doméstica e familiar (art. 35, I, II e IV)”
Ora, se assim o é, justamente para que a integridade física da mulher seja protegida, por que, cinicamente, o Estado brasileiro detém-se aqui e, em relação à mulher, que está grávida, que acolhe em si a vida, estimula-a a matar, também a abandonando?
Por que o Estado brasileiro, repito cínico, pela omissão e pela frouxa, errônea e irresponsável justificativa de inserir-se o tema na órbita privada, não tira, como tirou o tema da violência doméstica, portanto também privada, dessa estrita órbita e à mulher gestante não lhe oferece todos os mecanismos oferecidos à mulher fisicamente agredida, para que, assim claramente amparada, a mulher, em ambas as situações, tenha o direito de viver e fazer viver a vida que consigo traz?
Aguarda-se o governante municipal, estadual e federal que tenha coragem de defender a vida-mulher e a vida-embrião, ou a vida-feto, que a primeira acolhe em seu ventre.
* Claudio Fontelles, foi Subprocurador-geral da República, grau mais alto da carreira, atuou no Supremo Tribunal Federal na área criminal. Coordenou a Câmara Criminal (1991) e a antiga Secretaria de Defesa dos Direitos Individuais e Interesses Difusos - Secodid (1987). Escolhido pelo Presidente Luis Inácio Lula Procurador Geral da República dos anos 2003-2005. Lecionou Direito Penal e Direito Processual Penal. Recentemente graduou-se em Teologia pelo Instituto S. Boaventura dos Frades Menores Conventuais. É professor de Doutrina Social da Igreja no Curso Superior de Teologia da Arquidiocese de Brasília. Aposentou-se do cargo de subprocurador-geral da Repúbica em 15 de agosto de 2008. http://www.claudiofonteles.blogspot.com/